Mais um passo a frente. Você jaz, com as asas quebradas, em algum lugar.

E a sua lembrança ainda predomina. Paira e domina.

Eu te protejo com minha asa mutilada de morcego, mas ela não é o suficiente para te salvar do macabro Raio Verde. Ele atravessa minha asa, ele me trespassa como uma flecha envenenada quando nem sequer enfraquece passando pelo inútil escudo e atingindo você em cheio no coração.

No final das contas, nem minhas asas negras nem a cegante alvura das suas nos serviram de alguma coisa.

Ainda somos peões nesse jogo de xadrez interminável, mas eu ainda estou de pé em cima do tabuleiro, por mais que seja difícil e que a cada jogada pelo menos um dos dois lados tente me derrubar. Mas eu ainda preciso proteger o rei adversário com suas asinhas brancas quase como as da mãe, fazê-lo dar o xeque-mate no escuro. Que me importa que me chamem traidor? Não sobreviverei ao fim do jogo, e mesmo oferecendo minha verdadeira lealdade a um par de asas brancas como lírios, mesmo tendo-a devotado quase a vida inteira como a uma Deusa, mesmo chegando todos os dias muito perto de me atingir com o Raio Letal só para vê-la outra vez, e mesmo desistindo todos os dias pelo mesmo motivo, as minhas asas ainda são de morcego, e as suas, de anjo. O que de bom pode vir disso além de uma epopeia trágica?

O que de bom poderia vir de nós, não é, Lily?

Se quer saber o que me dissuade sempre de correr para os braços frios e eternos da Morte, é pensar que um dia enfim vamos deixá-las para trás — as asas —, e de um jeito ou de outro tudo irá terminar, e haverá a paz que nunca conhecemos, e não sentiremos mais o peso do mundo nas costas.

E talvez eu ainda a veja voar.