"Quanto pecado na cama de quem já quase foi padre" entoou Capitu, e pecaminoso mesmo foi o modo como o fez.

Eu, na condição de quem-já-quase-foi-padre, titubeei um segundo antes de lhe responder à altura. Mas fui calado antes mesmo de pronunciar qualquer palavra; a terceira pessoa (não por acaso alguém que também já-havia-quase-sido-padre) puxou-me de volta ao que fazíamos todos na cama de penas.

Não saberia dizer o que é que realmente fazíamos. Tinha sido ideia de Escobar. Capitu odiou dar-lhe razão. Mas o fez porque não me perderia para ninguém. E Escobar odiou saber que isto era verdade.

Eu me via, como sempre antes, e como para sempre, desarmado entre os dois. Estávamos bêbados, Sancha dormindo na antessala, e todas as miraculosas circunstâncias falavam por mim. Solto sobre o penhasco que dava nas águas ferventes do pecado, eu pulava. Capitu era o ímpeto do suicídio e Escobar o vento implacável do destino.

Entregamo-nos. Num redemoinho a princípio confuso, mas que era o início de uma catástrofe natural que culminaria num maremoto e afogaria a todos nós, e então boiaríamos de volta a praia, e restaríamos, condenados a repetir a mesma dança até o fim, nosso e do mundo. Era fluido e denso como o mar, e eu ao fim só tinha os seus pavores e seus deslumbres. Escobar a cumprir-me rigorosamente todas as vontades, Capitu a engolir furiosamente todos os orgulhos, e eu a simplesmente entregar-me sem reservas a meus dois amores. Fiz com Escobar o amor que sempre antes pertencera a Capitu, e a ela segredei coisas que antes eram escusas entre dois homens casados (quase padres, anos atrás). E jazi, entre minha esposa e meu melhor amigo, embebido no mar do álcool e dos sentimentos; um escolhido. Pelos dois que desde sempre haviam sido escolhidos por mim. Queria repeti-lo. Então repetimos. Escondidos de todos menos de nossa própria natureza, na penumbra de repetidas noites em que a miraculosidade do pecado insinuava-se tanto que era impossível não ceder, esgueirávamo-nos para os aposentos vazios e rendíamo-nos a todo erro que nos constituía. Até que a loucura fosse maior que todos nós e nos abandonasse à própria má sorte.

-x-

"Mais um" sentencio agora com a voz já seca do álcool, e meu criado questiona-me menos que nunca, tornando a encher o copo. Sempre fui fraco para bebida.

"E para o que é que não és fraco, Bentinho?", me interpelaria um olhar descuidado e cruel de Capitu, verde como as náuseas que a contemplação do mar já chegou a causar-me, por vezes. Antes mesmo... antes mesmo que ele matasse a nós dois, Capitu, por intermédio de Escobar.

Agora, apegado, velho louco que sou, às reminiscências, que são, em resumo, tudo o que me restou, o que posso fazer é reconstruir nossa cama de penas, ainda que em pensamento — porque certas partes da história devem ficar guardadas para sempre, pois sou egoísta, sim, e não dividirei com ninguém o que meus amores me deram apenas a mim —, reconstruo, pois, meus amores mortos, na ressaca de meu próprio copo, o meu próprio mar.