Elle
"Perfume came naturally from Paris (naturally).
(...)
Fastidious and precise."
X
Você gostaria de visitar Paris. Isso não é original da sua parte, a maioria das pessoas gostaria. Especialmente as garotas. Especialmente as que tem a mesma idade que você, especialmente as da sua faculdade, especialmente as que conversam e riem a menos de cinco metros de onde você tenta estudar. Elas gostariam de ver os desfiles, as roupas, as vitrines das lojas. Elas são tolas. Elas são fúteis e superficiais, e riem tão alto.
Ela também.
X
Ela. Gargalha de qualquer coisa desimportante com as amigas enquanto ajeita os cabelos ruivos (é fútil, é superficial). Corre o olhar pela biblioteca enquanto passa os dedos de unhas também vermelhas pelos fios (é exagerada, é estúpida). Fixa os olhos castanhos num ponto atrás de você e sorri provocante (é vulgar, é insípida). E nota que você a observa.
O sorriso não muda.
(ela)
X
Você se abaixa para recolher os livros, e ouve os passos de alguém caminhando até parar na sua frente. Não ergue a cabeça – você não gosta de encarar as pessoas -, mas levanta um pouco os olhos para se deparar com um par de botas Prada, mesmo que você não saiba identificá-las. E você arregala os olhos e se esquece da vergonha de olhar.
(e se esquece de tudo)
"Quer ajuda, Hina-chan?"
X
Ela sorri enquanto você agrupa os livros de repente e se levanta num salto. Ela te conhece de nome, assim como conhece Paris, e, aparentemente, ambas despertam seu interesse. E você ajeita os cabelos nervosamente, e sente que está corando, e desvia o olhar.
"N-n-não precisa, Karin-san. M-mas o-o-obrigada."
Ela te encara. Não só o interesse, como a vontade de brincar.
"Faço questão."
X
Você sente dor quando ela te empurra contra a parede. Ela é bruta. E é de forma bruta que ela bate a porta daquela sala vazia e é, também, bastante grossa a forma como ela arranca a sua blusa. Ela é tão impaciente e isso contrasta com a maneira com que ela se comporta normalmente, com aquela falsa-classe, aquela falsa-superioridade, aqueles sorrisos provocantes que nunca são para você em primeiro lugar. E ela te puxa para fazer que você se sente e abre as suas pernas. Que bruta, ela. Não se daria bem em Paris.
X
Pretas. Ficam bem com a saia que ela está usando. São botas Prada, mas você não entende de marcas e não as reconhece, e por isso você não compreende quando ela te encara e sorri diante do seu olhar.
"Custaram uma fortuna, mas são lindas."
Você jamais pagaria uma fortuna por botas, por mais bonitas que fossem, mas você apenas balança a cabeça afirmativamente enquanto se apressa em colocar sua blusa. Ela já está pronta – ela está acostumada a esse tipo de coisa, a rumar para uma sala vazia com alguém que mal conhece e tirar e recolocar toda a roupa em menos de meia hora. Você não, você só faz isso com ela, e este é o seu erro.
"Até mais tarde, Hina-chan."
E você fica observando as botas saírem a passos largos da sala vazia. Você gostaria tanto de conseguir odiá-la.
X
"Onde você arrumou isso?"
O olhar do seu pai é severo e você se apressa em colocar o casaco e o cachecol e cobrir aquelas marcas no seu pescoço (e nos seus ombros, e nos seus seios, e bem mais embaixo, mas essas ele não pode ver). Tenta pensar numa desculpa, mas logo percebe que não era a isso que ele se referia.
"Eu bati a cabeça" diz, referindo-se ao arranhão na nuca. Não doeu quando as unhas vermelhas o fizeram, mas agora dói. Dói bastante. "Obrigada pela carona, pai."Você sai do carro, caminhando a passos rápidos no estacionamento. Enxerga de relance os cabelos ruivos, mas tem medo de olhar antes de ter certeza de que o carro de seu pai não está mais lá.
E então você vê.
Os cabelos. Balançando de um lado para o outro, num movimento infantil e ensaiado enquanto ela os joga para trás. As botas. Na ponta dos pés, inclinadas para frente, numa tentativa de parecer mais perto do que realmente está. E o riso. Não provocante, não maldoso – nervoso, hesitante, patético. O tipo de riso que seria seu, e não dela. Nada ali é dela.
Nem ele.
Você não o conhece e, provavelmente, ela também não. Ele não lhe dá atenção, ele murmura uma resposta mal-educada qualquer enquanto se afasta, e até você pode ouvir a despedida estridente dela. As marcas no seu corpo doem. Mas não faz diferença.
"C-certo... Até mais então, Sasuke-kun!"
Isso dói ainda mais.
X
Você pesquisa. Você pergunta para algumas pessoas, você procura em alguns arquivos. Você pesquisa sobre Uchiha Sasuke da mesma forma como, anos atrás, pesquisou sobre Paris. E você descobre que ele estuda em uma faculdade próxima e é popular entre as garotas de ambas, assim como descobriu que Paris é a capital e a maior cidade da França. Você descobre, também, que ele costuma ir ao apartamento de Karin e fazer sexo com ela até se cansar disso e ir embora na mesma tarde – e o choque é como o que teve ao descobrir que a cidade dos seus sonhos é também a dos sonhos de outras garotas; garotas fúteis, garotas superficiais, garotas que não entendem nada de nada e riem de forma estridente em estacionamentos.
Garotas como ela.
Você gostaria de visitar Paris. E gostaria de ser Uchiha Sasuke.
X
Mas não agora.
Não quando ela passa o braço em torno do seu, com a voz estridente. Ela segura o seu braço com força, mas é mais o calor da pele dela que te impede de soltar. Você não quer ir à Paris agora, Hinata, porque Paris é tão longe do Japão, e consegue ser ainda mais longe dos pensamentos dela. E não quer ser Uchiha Sasuke, não, Uchiha Sasuke que está parado na calçada sem-precisar-fingir-que-não-se-importa, esperando dar o horário das suas aulas para sair dali. Mas você ainda quer odiá-la, quando ela te toca naquele gesto tão falso, tão de-melhores-amigas. E fala.
"Quer ir lá em casa, Hina-chan?" Com a voz alta, alta demais, alta de quero-que-ele-escute. Mas ele já escutou, e ele não manifesta surpresa porque ele já sabe. Ele sabe que ela é uma vadia, sabe que ela trepa com meninas também, e com outros caras, e com qualquer coisa que possa sofrer e gemer o nome dela, "Karin, Karin, Karin", para que ela sinta que alguém se importa (mas ele sabe das botas se inclinando demais para frente para tentar deixá-lo nervoso? Sim, ele sabe, porque ele sabe de muito mais coisas do que você, Hinata). E Uchiha Sasuke é esperto, porque ele tem razão – ela é mesmo uma vadia, uma puta, uma vagabunda e todas as outras ofensas que você podia ouvir sendo cochichadas pelos corredores (mas você jamais a chamaria assim, não, ela é uma menina que faz coisas ruins, porque é assim que você chama garotas desse tipo, garotas fúteis, garotas que querem ir à Paris mesmo sem saber nada da cidade, garotas que te empurram para salas vazias quando você está distraído e destroem a sua vida só porque elas podem).
Mas você não responde enquanto ela te puxa até onde mora, até o décimo segundo andar do prédio de menina-que-poderia-visitar-Paris, parecido com o seu, só que menor. Isso é irônico, porque, não é ela que deveria ser a mais mimada das duas? Mas é você, você que não vai a Paris porque tem medo de pedir isso ao seu pai, medo de ouvir que é um desejo tolo e fútil e que só meninas que fazem coisas ruins querem.
Você não presta atenção no apartamento, mas é porque é difícil prestar atenção em algo com os lábios dela no seu pescoço.
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O gemido. Alto, cortando o ar com força, como nunca tinha feito antes. Tudo bem, porque é assim que ela gosta. Karin-Karin-Karin, e então ela pode fechar os olhos e fingir que é essa a voz que ela queria ouvir.
O suor. Suja o seu corpo, e suja o dela, e suja os de vocês duas, porque eles estão se roçando e se tocando do jeito mais nojento e errado e delicioso que você poderia imaginar. Puxa os cabelos dela. Ruivos, cor das unhas que correm pela sua pele, dos lábios que as imitam, da lingerie (um nome francês qualquer, e parece tão irônico quanto é de verdade) dela jogada a poucos passos de vocês. Vermelho demais. Devia doer nos olhos, mas dói na alma. E ela não tem alma, você pensa, porque alguém com alma não pisa nos outros dessa forma, alguém com alma não destroça corações alheios só para não ter que concertar o seu, alguém com alma não fica na ponta dos pés enfiados em botas Prada (custaram uma fortuna, mas são lindas) e se inclinando para outra pessoa se isso machuca tanto.
E ela passa os lábios pela sua orelha e você sente vontade de dizer, Hinata, e você diz. Porque ela não tem alma, porque ela não vai escutar. Porque a distância das suas palavras para ela é a mesma de Paris para onde vocês estão agora – ou mais. Porque você não é uma menina que faz coisas ruins, e dizer isso não é errado. Não é. Não deveria ser.
"Eu te amo", você murmura. Porque esse é o seu fardo, afinal.
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Ela sorri um pouco enquanto torna a te beijar. É só, Hinata. Você não contou nenhuma novidade para ela, e, honestamente, ela não se importa. Mas é, um pouco, satisfatório. A distrai e a faz esquecer por alguns segundos dos olhos negros que nunca a observam de longe. Você a observa depois de tudo; nua, ao seu lado, ofegante e com o sorriso. Ela é uma vadia, e você disse que a ama, Hinata, porque é a verdade.
Você reúne o que resta das suas forças e coragem – e não é muito, mas basta. Você a toca. Você se mata aos poucos, ao acariciar cuidadosamente o rosto e os cabelos ruivos que se não fossem tão vermelhos talvez nem chamassem a atenção. E você a olha.
Vermelho em excesso. Dói, ou talvez seja o sorriso. Talvez sejam os dois. Ela estende a mão para pegar os óculos. Coloca-os e o sorriso não muda, mas em breve estará cansada de olhar para você. Você a observa. A lingerie vermelha esquecida no chão. As botas Prada jogadas num canto do quarto. Ela custa uma fortuna. Mas é linda.
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Ela abre os olhos. Você não sabe como acabou dormindo ali, só sabe que aconteceu – e que dizer ao seu pai ao telefone que "ia dormir na casa de uma amiga" foi a pior mentira-verdade que você já contou. Ela abre os olhos e te encara, e não sorri, e levanta o corpo com um ar de preguiça. Estava tudo muito divertido noite passada. Mas não se pode se limitar a um só brinquedo, enjoa.
Ou ele quebra.
Mas você não enjoa, Hinata. Você não enjoa, porque você não é uma menina que faz coisas ruins, e enjoar é cruel. Você não enjoa da idéia de visitar Paris e não enjoa dela, por mais que queira, por mais que precise.
"K-karin-san", você chama.
Ela olha.
E você, Hinata, é um brinquedo quebrado.
"Eu queria visitar Paris, algum dia."
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Ela ri.
Destrói os pensamentos com um som, com um toque. Com um ato inesperado, inadequado, inconcebível, real. Esmaga as suas vontades, a sua coragem momentânea, a sua esperança. Pisa nelas com os saltos das botas Prada. Esmaga tudo em quarenta e sete milhões de pedaços de indiferença, porque ela não se importa.
"Que clichê. Não caia nessa, querida." Ela sorri. Ela zomba dos seus sonhos e está tudo bem, porque ela é assim mesmo. "Visite Milão, se puder. Paris é tão ultrapassada."
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Tão ultrapassada.
Tão ultrapassada, tão inútil, tão fácil, tão simples, tão comum.
Você ouve. Você ouve ela falar isso, e ouve ela falar de novo, e de novo, e então ela repete isso tantas vezes que você enfim percebe que é só o eco das palavras na sua mente. E de novo. E mais uma vez. E tantas, tantas vezes que poderia-até-enjoar, como ela enjoou do gosto dos seus lábios. Como enjoou de Paris.
Tão-tão ultrapassada.
E você a encara, Hinata. Você a observa e você se detesta, porque o vermelho dela não faz os seus olhos se retraírem, porque as atitudes condenáveis dela não te fazem tremer de repulsa. Porque ela te humilhou e humilhou os seus sonhos e você ainda sente vontade de tocá-la. Porque ela acabou de esmagar tudo e de estragar tudo o que você pensou que sabia sobre ela. Porque alguém fútil como ela deveria querer ir a Paris, não deveria? Porque Milão soa tão menos feminino, tão menos a cara dela. Porque Paris era a capital e a mais importante cidade da França, mas também tinha desfiles de moda respeitados e vitrines privilegiadas, e era tudo que poderiam ter em comum, e será que ela iria a Paris com você?
"O que foi, Hina-chan?" Ela ri, um riso estridente e cruel e nojento e insuportável. Ri do seu choque, atribui-o à falta de experiência. E diz, a voz divertida e calma, de-quem-se-importa, de-melhores-amigas. De tudo que vocês não são. "Desculpe, destruí as suas ilusões?"
E você nunca chegou tão perto de odiá-la.
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E você olha para baixo e morde o lábio inferior, com raiva, com ódio, com dor. Mas esse é o seu limite, Hinata. Você não consegue gritar com ela, não consegue dar-lhe os devidos insultos que passam pela sua cabeça agora, não consegue enjoar dela. Então, você respira fundo, e reúne toda a sua coragem numa única fala – num único fim.
"Karin-san..." E, por um momento, você hesita. Você hesita porque não foi assim que você foi ensinada. Porque golpes baixos são errados, são coisas de meninas que fazem coisas más, e você não é assim.
(Porque você é tão ultrapassada, Hinata.)
"Perseguir Uchiha Sasuke também é ultrapassado?"
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Vermelho. Dos cabelos dela, das unhas cuidadosamente pintadas, dos lábios que se entreabrem em choque e tomam ar antes de te responder. Três passos deixam de separar vocês nesse momento, por causa dela. Se inclina de propósito na sua direção (sem as botas Prada, mas te deixa nervosa mesmo assim), com os olhos castanhos faiscando (e você reparou tão pouco neles, Hinata, devia ter notado mais quando teve a oportunidade). Quarenta e sete milhões de pedaços de indiferenças, unidos num único instante de ódio.
"Sai daqui. Agora."
E é o fim. De algo que não fez diferença, para ninguém. De um brinquedo quebrado, de uma brincadeira ultrapassada. De algo que não importa.
"Agora, Hyuuga."
De você.
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As suas costas encontram a parede. Não de forma bruta, não sendo empurradas. Não é a mesma sala, mas você não lembra qual é, de qualquer modo. Você tenta se lembrar, mas não consegue. Você sequer sabe onde buscar as suas lembranças.
E você tenta rir de si mesma, porque sabe que isso é patético, mas não consegue. Porque somente pessoas que não são patéticas fazem isso, e você é. Você é, você foi patética desde o início, Hinata. Você foi patética quando a tocou, quando a chamou por "Karin, Karin, Karin" com a voz submissa que ela gostava. Quando a amou e agora, quando a ama, mesmo que ela seja uma puta, mesmo que ela seja uma vadia. E por causa disso também.
E você pensa no olhar dela ao te obrigar a sair do apartamento e tem certeza de que ela não está sozinha agora. Não, ela está com outro alguém, com outra garota ou com outro cara, com qualquer um que não a faça sentir que está machucada. Mas ela está, não é? E a pior parte é saber que não foi pela sua voz dizendo aquelas palavras, foi por aquelas palavras que a sua voz disse. Porque você tocou numa ferida dela, na principal, e ela abriu todas as suas. Mas ela não se importa, porque ela é egoísta.
E você sente a falta dela.
E então você chora, porque é isso que meninas como ela tentam evitar, meninas que fazem coisas ruins e que não choram. Mas você chora, porque meninas como você choram. Meninas que contam sempre a verdade, meninas que gostam de vermelho, meninas que não enjoam. Meninas que fazem coisas idiotas choram.
Você pensa nas marcas. Nas que ela deixou, no seu corpo e na sua alma, e gostaria tanto de poder apagar todas. Quarenta e sete milhões de pedaços de indiferença, quarenta e sete milhões de feridas em você – um número grande, maior do que o número de habitantes em Paris. Mas ela não se importa com Paris, não é? E isso é tão contraditório e ainda assim tão inexplicavelmente estúpido, assim como a roupa de baixo vermelha que ela insistia em chamar de lingerie. Em francês. Em voz orgulhosa e prepotente, em tons risonhos e ao mesmo tempo autoritários, "Não a puxe com tanta força, Hina-chan, vai rasgar". Mas ela já havia rasgado a sua, mais de uma vez, mais de duas vezes, mais do número aceitável de vezes. E nunca te pediu desculpas. Mas nunca te pediu nada, mesmo.
E você queria tanto que ela tivesse pedido.
Você encolhe os joelhos (cheios de marcas, eles também), e apóia a testa nele, na esperança de que as lágrimas que derrama agora ajudem a te limpar. Mas não ajudam, Hinata, porque as lágrimas são um reflexo de tudo que você passou com ela (e foi tão pouca coisa), e você não está suja de erros ou manchas ou algo fácil de apagar, você está suja dela. Dela, dela, dela. Você está infectada de Karin, por todo o seu corpo, por tudo que você é.
Mas ela não está mais com você.
E dói, Hinata.
Porque Paris nunca te pareceu tão distante.
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N/A: Fic pros Cookies (duh), set Outono, tema 4: Paris. Para a Abra porque foi ela que semeou o Yuri neste fandom, portanto, nada mais justo que a minha primeira desse gênero fosse para ela. E porque ela é foda, claro (L). O trecho do início vem da música Killer Queen, do Queen (duh), que me ajudou bastante para escrever isso. E Elle é "ela" em francês.
