Naruto não me pertence, e sim a Masashi Kishimoto.
Inspirado na canção "Kiss me", do Sixpence None The Richer.
~x~
~Kiss me
Beneath the milky twilight
Neji encontrava-se recostado, as mãos enterradas profundamente nos bolsos das calças de linho, os olhos cerrados que perdiam a magnífica paisagem que passava veloz. Os cabelos, mais curtos do que nos tempos de criança, eram tremendamente bagunçados pela ventania que adentrava o vagão. O ruído do velho trem sobre os trilhos era ensurdecedor, mas não parecia incomodá-lo.
Em seus trinta e poucos anos, o rosto de traços bem marcados pelo passar do tempo, ele pensava que deveria ter trocado seu terno grafite por bermudas e camiseta – se é que ainda existiam tais trajes em seu guarda-roupas. Com toda certeza, seria um paletó caro e de bom corte a menos em seu acervo, visto que fazia quase quinze anos que não saltava do vagão de cargas de um trem em movimento.
Quem ele queria enganar? Era óbvio que não estava tão preocupado com seu belo Armani, e sim com o que ela pensaria dele. Ficara deveras surpreso com aquela ligação, em pleno jantar com os novos fornecedores. Eu me jogo da Golden Gate se não for Neji Hyuuga do outro lado da linha!, ela havia dito com aquele tom sempre jocoso.
Abriu os olhos e reconheceu, subitamente, a paisagem de frondosas árvores. Alguns quilômetros mais à frente, passaria por um cruzamento. Daí, ele saltaria.
Sentiu as palmas das mãos ficarem úmidas. Porque não estava indo de carro mesmo? Ah, sim, ela o havia feito prometer que seria como nos velhos tempos. Será que ela mesma saltaria, também, do trem? Ainda teria os joelhos sempre ralados e as bochechas sujas de terra? Usaria, ainda, aquelas botas surradas, sempre desamarradas, e aquele penteado ridículo?
Quando criança, sempre imaginou que nunca mudaria. Seriam, para sempre, dois moleques sujos de barro subindo em árvores e entupindo-se de doces e refrigerante. Talvez, mesmo depois de ter virado um adulto chato e ocupado, as ideias infantis tenham permanecido. Não conseguia imaginá-la de outra forma, senão suja de terra, mãos e joelhos esfolados e aqueles coques frouxos e completamente tortos. Quando menos percebeu, estava rindo para o vento.
Não pôde deixar de exprimir um gemido ao tocar o chão. Por sorte, havia caído sobre um monte de relva – mas não suficientemente macio para seu traseiro. Ligeiramente constrangido, conferiu se não havia espectadores para seu pequeno show. Levantou-se e limpou a poeira das calças. Despiu-se do paletó, o colocou sobre um dos ombros e pôs-se a caminhar por entre as árvores. Um sentimento nostálgico o arrebatou profundamente e Neji questionou-se se conseguiria. Ora, estava sendo ridículo. O que de mais havia em reencontrar sua melhor amiga depois de dez anos, num lugar que não visitava há quase quinze? E com a cara mais lavada do mundo. Torcia para que ela não se lembrasse do quanto fora arrogante em seu último encontro.
Ah, lá estava a velha casa na árvore! Alguns pedaços de madeira faltavam em suas paredes e estava quase que totalmente tomada pela hera. Veja só, bem ali, naquele galho, ficava o velho balanço de pneu. Lembrava-se como se fosse na semana anterior o dia em que caiu e quebrou o braço. Doeu como o inferno, ele bem lembrava também. Droga, tantas lembranças, tantos arrependimentos. Porque não podiam se encontrar num café ou no cinema?
- Neji?
Ah sim, porque o crepúsculo de nenhum outro lugar deixava sua pele tão linda.
- Tenten!
Espera, era por isso mesmo?
- Dã, quem mais seria?
Claro que não. Afinal, a ideia de se encontrar na velha casa na árvore foi toda dela.
- Ora, minha querida, ao contrário de você, eu não hesitei ao dizer o seu nome.
Ela pareceu corar. Não, foi apenas impressão dele.
- Ora, meu querido, mil perdões. Mas sem aquela cabeleira suja de mato, você fica irreconhecível – ela disse aproximando-se, uma expressão divertida na face. – E, ao contrário de você, ainda tenho carinha de dezessete.
Disso ele discordava. Diferente de seus dezessete anos, ela estava com rosto de mulher. Corpo de mulher, constatou ao desviar o olhar de sua fronte. A calça jeans clara e justa revelava os quadris largos e a manga longa de algodão azul-marinho, dobrada até os cotovelos, deixava em evidência o quanto... amadurecera, por assim dizer.
- Ah, que é isso? Quinze anos e tudo o que ganho é uma bela secada?
- O que? – Os olhos claros encararam os castanhos. – Deixe de ser idiota, estava apenas reparando no contraste de nossas vestimentas.
Tenten encostou-se à árvore e apoiou um dos tênis no tronco coberto de musgos.
- E eu ainda sou a idiota. Ideia de jerico, a sua, vir de terno – ela disse enquanto prendia seus curtos cabelos com um elástico que trazia no pulso. – Deixe-me adivinhar, seu guarda-roupas limita-se a ternos, cuecas pretas e uma única calça de ginástica, que você sequer lembra a última vez que usou.
- Calúnia!
- Ah sim, verdade. Você tem uma gaveta onde esconde os suéteres que ganha no Natal.
Por um instante, Neji ficou vermelho. E os dois explodiram numa gargalhada estridente, que assustou alguns pardais próximos dali. E o pequeno baile de risadas terminou num abraço apertado.
- Bom te ver, cabeça-de-bolinho – Neji disse num tom sôfrego contra o topo da cabeça de Tenten.
- Nem me fale, ninho-de-passarinhos – Tenten respondeu, a bochecha apertada contra o tórax do rapaz, os olhos espremidos. Levantou a cabeça e olhou o outro nos olhos. – Seu cabelo está mais bem cuidado.
Neji a encarou de volta e sorriu. Um dos botões de sua camisa havia marcado a bochecha branca. Separaram-se após alguns instantes e sentaram aos pés da árvore, sob a casa de madeira. O céu coloria-se de lilás e nuances de azul e as primeiras estrelas já exibiam seu brilho.
- Eu não entendo – disse Neji. – Você era minha melhor amiga. O que deu de errado?
Tenten abraçou os joelhos e sorriu sem humor.
- Ora, não se faça de desentendido. Você me abandonou.
- Não foi bem assim.
- Como não? Você foi para Princeton e eu fiquei aqui, servindo torta e café para pagar minha faculdade. E, anos depois, quando finalmente lembrou que Bakersfield existia, voltou trazendo uns amigos idiotas. E você era o pior de todos.
Neji nada disse. Não havia o que dizer, ela tinha razão. Princeton o havia mudado e lhe dado novas prioridades. Quando voltou para passar um Natal com a família, trazendo na bagagem alguns amigos da fraternidade e um comportamento terrivelmente arrogante, encontrou-a usando um avental rosa e ignorando cantadas enquanto servia café. Ela ficou tão feliz em vê-lo. E ele, apenas sentiu vergonha e a ignorou. Como pôde ser tão canalha?
- Desculpe-me.
Tenten o encarou profundamente.
- Está tudo bem. Isso foi há tanto tempo. Tantas coisas aconteceram. – Ela olhou para frente e sorriu, relaxada. – O mundo deu umas voltas engraçadas.
Neji esquadrinhou seu perfil com os olhos. A luz estava, gradativamente, indo embora e logo estaria tudo num breu completo.
- O que fez durante este tempo?
- Larguei a faculdade e fui para a Europa, fazer programa.
Ele arregalou os olhos e Tenten caiu na gargalhada.
- Brincadeirinha – ela disse. – Mas eu realmente fui para a Europa. Passei alguns anos na Itália, fiz um curso de gastronomia, conheci umas pessoas legais.
- Isso me parece muito bom.
- Melhor época da minha vida. Ajuntei-me com um amigo do curso, um colega da faculdade que foi comigo, voltamos para a Califórnia e abrimos um restaurante em São Francisco.
Neji ficou calado por um tempo. O mundo realmente deu umas voltas engraçadas. Tenten fez de sua vida algo realmente interessante. O que ele tinha a contar? Tornara-se um yuppie. Se ela perguntasse o que havia feito, poderia explicar os balancetes da empresa e sua margem anual de lucro. Justo ele, que sempre dizia que faria algo de legal da sua vida. Agora era chato, bem-sucedido e acordava sozinho todas as manhãs.
- Como me encontrou?
- Tenho meus contatos. E subornei sua secretária.
Ele sorriu. O sol já havia ido embora completamente e um vento frio sacudia as árvores. Neji usou seu paletó para cobrir os ombros de Tenten, que agradeceu.
- É uma noite sem lua – ela disse, olhando para o céu. - Logo, estará tão escuro que mal veremos o que está diante de nossos olhos.
Neji olhou na mesma direção que ela.
- Não é a escuridão que me preocupa. Pergunto-me como faremos para voltar.
Tenten lhe sorriu, travessa.
- Deixei meu carro estacionado no cruzamento.
Ele a encarou, perplexo.
- E aquela história de "como nos velhos tempos"?
- Queria ver se realmente pegaria o trem. Eu o perdoei no momento em que o vi se estabacar no chão.
E caiu numa nova gargalhada. Profundamente constrangido, Neji disse:
- Acha engraçado? Darei a você um motivo para rir.
E atirou-se sobre a amiga, infringindo-lhe cócegas na barriga e nas costelas. Tenten contorcia-se e, entre risadas, implorava que parasse. Novamente o sentimento de nostalgia o arrebatou. Costumava fazer cócegas em Tenten quando ela o irritava. Parou e tentou reconhecer suas feições no escuro. Ela estava ofegante. Neji usou as pontas dos dedos para sentir seu rosto. Tocava-lhe as bochechas quando sentiu os dedos dela em sua face. Estavam gelados.
Tentava decifrar de qual erva era aquele cheiro que vinha de sua pele quando o celular dela tocou, uma melodia eletrônica de San Francisco. Nem sabia que ali pegava sinal. Ela se sentou e atendeu.
- Oi, querido.. Eu estou bem... Certo, eu agradeço. Até mais.
E desligou.
- Era seu...
- Era meu sócio. Disse para não me preocupar, ele me cobriria sem problemas.
Tenten esticou as pernas e enfiou os braços nas mangas do paletó. Neji não resistiu a perguntar:
- E vocês estão juntos?
Tenten fez uma expressão horrorizada, que ele não pôde ver no escuro.
- De forma alguma. Somos apenas bons amigos. Sem falar que Chouji se casou com una bella napoletana e tem dois filhos.
E o alívio o dominou de uma maneira estranha. Ficaram calados por um tempo, sentados lado a lado. Estava ficando mais frio e Tenten aconchegou-se em Neji, que passou os braços ao seu redor.
- Neji? – ela o chamou após vários minutos.
- O quê?
- Beije-me.
Ele não pensou duas vezes antes de capturar seus lábios. Enquanto a beijava, chegou à conclusão de que era a alecrim que sua pele cheirava. Sorriu.
- O que foi? – ela perguntou.
- Não é nada.
Ela recostou a cabeça em seu peito.
- Que faremos agora?
- Que tal apenas ficarmos abraçados, como se os últimos anos não houvessem passado? – sugeriu.
- Gosto da ideia.
E ficaram ali, sentados sob a velha casa na árvore e sob a Via Láctea, apenas os dois, até que o amanhecer viesse.
~x~
Vou confessar, eu nunca ri tanto enquanto escrevia uma coisa. Espero do fundo da alma que você também tenha rido, tanto quanto eu.
Essa é uma das one-shots que eu tinha começado a escrever no ano retrasado, junto de Altruísmo Barato e uma outra, que vem depois. Como eu disse, é inspirada na música de mesmo nome do Sixpence None The Richer. Muito fofa, a música. Dê uma procurada, depois, se não conhecer.
Bakersfield é a terceira cidade mais populosa do interior da Califórnia e, como deve ter percebido, é a cidade-natal dos dois em Kiss me.
Espero que aprecie e até a próxima.
