Relendo mais uma vez um dos textos dos milhares de xerox que havia feito na tarde anterior, Smith, já um tanto cansado, insistia em continuar a leitura. Tentava tirar daquelas palavras uma informação da qual necessitava para finalmente concluir um trabalho que valia metade da sua nota final do seu ultimo ano da faculdade de História. O prazo era o dia seguinte.

Em um daqueles momentos comuns de distração durante a leitura, Smith leu todo um parágrafo pensando em qual nota conseguiria com o trabalho, "Um sete, por ai.. dá pra passar tranquilo". Quando percebeu sua falta de atenção, abaixou a folha na mesa, levantou a mão e coçou os olhos por debaixo dos óculos. Voltando o olhar para a página mais uma vez, recomeçou a ler o mesmo parágrafo.

Apesar de ter lido sem atenção na primeira vez, percebeu que havia algo de anormal. Na verdade, percebeu a normalidade do que estava lendo, em comparação com o que havia lido anteriormente. Achou estranho, mas ignorou e continuou noite adentro, no mesmo ritmo.

Muitos parágrafos lidos sem atenção, posteriormente relidos, e muito café depois, aquilo que procurava finalmente foi encontrado (e francamente estava bem na cara o tempo todo). Smith refletiu sobre a informação, transcreveu seus pensamentos para o trabalho, e foi dormir enquanto podia.

Trinta minutos depois seu despertador toca, e mal conseguindo abrir os olhos e se livrar da baba que manchara sua cama, se levantou. Arrastando os pés pelo chão, abriu a geladeira, e enquanto olhava para os espaços vazios, e para a caixa de leite, algumas palavras vieram-lhe a cabeça. "Tempo", "Música", "Espaço". Flutuavam em sua mente, desconexas e sem sentido. Arregalando os olhos semi-cerrados, desviou o pensamento enquanto bebia o leite e ia para o banheiro.

Parando em frente a privada, começou a mijar e olhou para o teto, pensando em dormir. "Tempo", "Música" e "Espaço" voltaram a perturbar-lhe a mente, e dessa vez tentou filosofar no motivo pelo qual estava pensando naquilo, de onde seu cérebro tinha tirado essas palavras que lhe pareciam totalmente aleatórias, e sem sucesso, abandonou o caso enquanto recolocava sua escova de dentes no lugar.

Vestiu sua calça jeans surrada e sua camiseta do Winston Hoffington Omniverse, colocou seu All Star, desarrumou seu cabelo e saiu. Dois minutos depois voltou para pegar o trabalho esquecido, e saiu de novo. Enquanto andava até a faculdade as palavras voltaram. Como levava uns 15 minutos no trajeto, Smith resolveu realmente pensar naquilo. Por que aquelas palavras? Por que agora?

Chegando na sala de História Mundial - sua aula favorita, já que era possível estudar uma variedade muito grande de culturas, povos e/ou costumes ao redor do globo - Smith logo entregou seu trabalho ao professor Rootsman e já ia para o seu lugar costumeiro, quando o mestre o chamou.

— Smith, você tem feito um trabalho brilhante comigo nesse tempo em que estivemos juntos. Suas notas não são as melhores, mas eu adoro seus pensamentos e a forma como você encara seu ambiente. Eu estava me perguntando essa manhã: o que exatamente pretende fazer depois de terminar o mestrado?

— Exatamente? Não sei ao certo.. Mas vou seguir estudando a história da literatura fantástica inglesa, muito provavelmente.

— É um assunto fascinante! É música para os meus ouvidos você me dizer que quer saber mais sobre isso.. São poucos os que estudam esse campo.

— Pois é, nem imaginam o que estão perdendo!

— Haverá muito espaço para crescer nesse campo de pesquisa! Diga-me, você estaria interessado que eu lhe orientasse nessa sua nova jornada? é uma bela oportunidade que te ofereço... Como disse, não são muitos que estudam a área.

— Mas é claro! Estou totalmente interessado! Muito obrigado pela oportunidade!

Chegando na república onde morava, percebeu pela primeira vez em quatro anos que aquele lugar estava meio vazio.. com muito espaço sobrando. Pensou se alguém tinha saído nas últimas semanas, mas não conseguia se lembrar de ninguém. Foi para o seu quarto, como sempre fazia assim que chegava, e assim que abriu a porta deu de cara com um rádio-relógio que reconheceu, embora sem se lembrar de ter tal objeto, muito menos naquela posição. Já a um tempo, eles mesmos limpavam seus próprios quartos, e era raro alguém mexer no que não lhe pertencia. Estranhando bastante aquilo, Smith ergueu o objeto e ligou o som. A música que saiu do aparelho arrepiou todos os pelos de seu corpo.