Disclaimer: Inuyasha não me pertence.

'Há milhares de anos atrás o mundo era governado por criaturas muito poderosas, chamadas youkais. Durante muitos séculos eles eram os governantes absolutos da terra, subjugando os outros seres sob seu poder. Mas, um dia subitamente esses seres começaram a desaparecer e as criaturas denominadas humanas prevaleciam sobre o planeta. Naquela época, diversos youkais foram cruelmente mortos por esses seres. Apesar de mais fortes, os youkais, que também eram chamados de demônios pelos humanos, começavam a ser raramente vistos, porém os mais fortes ainda se aventuravam pelo, agora, mundo dos humanos. Rumores sobre um antigo pacto quebrado passavam de uma região a outra, deixando tudo ainda mais misterioso. Um dia, repentinamente os youkais simplesmente desapareceram, e nunca mais foram vistos em parte alguma. Dizia-se que foram extintos, mas ninguém ousava especular como eles teriam sido derrotados por criaturas que eles mesmo julgavam inferiores e visivelmente mais fracas...'

Essa era uma história que muitos conheciam mas poucos sabiam contar como Kikyou. A pequena Kaede ficava fascinada com as histórias que sua irmã mais velha contava. A menina só não entendia o fato de que sempre que contava empolgada sobre os youkais a outras pessoas estas riam-se da inocência da garotinha e diziam que eram apenas contos, que youkais nunca existiram. Ela, intrigada pedia explicações à irmã mais velha e tinha como resposta outra história:

- Depois que os youkais sumiram, as histórias sobre eles passaram a ser contadas como se fossem mito. Pouco a pouco a verdadeira existência dos youkais foi esquecida e apagada, só restando lendas, tratadas como contos de fadas. – explicava seriamente a mulher de longos cabelos negros e vestindo um lindo kimono de miko, composto de hakama vermelha e vestes brancas na parte superior – Os humanos resolveram esquecer que os youkais um dia existiram, mas você sempre deve acreditar que essa história é verdadeira Kaede. É o legado da nossa família.

A jovem garotinha fitava a irmã, notando a seriedade em suas palavras, porém não entendia por quê era importante que ela soubesse daquela história tão antiga se youkais nem existiam mais. Encarou a miko com seus brilhantes e inocentes olhos castanhos, expressava curiosidade e sede de conhecimento à cada pergunta feita:

- Mas onee-sama, por quê as pessoas queriam esquecer dos youkais?

- Durante muito tempo os humanos viveram lado a lado com os youkais. Mas como eram mais fracos, os seres humanos temiam a força dos youkais. Isso deu origem à matança indiscriminada desses seres. Então, quando eles misteriosamente desapareceram um dia sem deixar vestígios, os humanos quiseram esquecer que essas criaturas existiram. E também para apagar a traição que eles mesmos cometeram... – pronunciou estas últimas palavras num tom baixo, quase inaudível. Mas para sua surpresa a pequena, atenta, conseguiu captá-las:

- Como assim onee-san? Que traição? – pergunta inocente.

- Não é nada que precise saber agora Kaede-chan. – respondeu fitando com carinho a única parente viva – Um dia lhe contarei essa história por inteiro... mas agora vá dormir que está tarde. – terminou vendo que a noite já avançava. A criança assentiu com um sorriso de satisfação e obedeceu prontamente a irmã.

Kikyou e Kaede eram provavelmente as últimas descendentes de uma verdadeira família de sacerdotisas que datavam desde épocas remotas. Seus ancestrais viveram aquela história que era contada a respeito da existência de criaturas sobrenaturais chamadas youkais. Eles trataram de sempre recontar aquela história a seus descendentes, nunca deixando que ela caísse no esquecimento. Havia porém fatos que só eram lembrados pela ancestral família da jovem que agora fitava as brilhantes estrelas do lado de fora da janela... Uma parte daquela história, provavelmente a parte mais importante, que sempre fora omitida das histórias populares, era mantida como um segredo que só aquela família digna podia guardar, uma vez que as outras pessoas resolveram esquecê-la. Mas era ainda muito cedo para contá-la a jovem Kaede, era muito complexo para sua mente infantil ainda... mas um dia Kikyou sabia que teria que contá-la, pois poderia depender dela a existência de um futuro próximo...

Não muitos anos depois disso, um fato da qual as histórias ouvidas pela jovem miko - da qual só tomou conhecimento mais tarde – provou ser verdade. Uma profecia dizia que os youkais um dia voltariam para tomar posse do que é seu. Efetivamente, um dia misteriosas criaturas começaram a surgir. Eles saíam de todos os lugares, vinham do subsolo inalcançável aos humanos, e outros saíam de profundas cavernas em lugares inabitáveis e inóspitos. Os seres humanos se viam confusos e desesperados em vista das criaturas, até então, mitológicas. Teve início uma destruição e carnificina da qual nunca se havia visto igual, talvez apenas comparada a matança de milhares de youkais no passado. É sabido que o destino gosta de ironias, não fosse então surpreendente saber que os youkais passaram a governar o mundo, assim como há séculos atrás.

Até então, muitos anos se passaram. Os humanos que não morreram na grande matança passaram a ser usados como escravos, tendo que servir seus mestres youkais para todo o fim que estes quisessem. Alguns poucos seres humanos que conseguiram fugir de seu controle, viviam uma vida miserável, sempre fugindo e se escondendo das aterrorizantes criaturas que os perseguiam sem piedade. E mais uma vez, uma parte importante da história foi esquecida, esperando pelo momento em que alguém que se lembrasse dela, a revivesse e solucionasse aquele conflito sem limites...

OoOoOoOoOoOoO

50 anos depois...

Diversos humanos corriam por todos os lados, seu desespero era evidente, entravam em qualquer caverna ou buraco que vissem pela frente no desespero de se esconder. Entre eles, uma família composta de uma garota, um menino e uma mulher, também procuravam abrigo às pressas, encontrando-o em meio a uma densa vegetação de plantas aromatizantes. A garota mais jovem fez sinal para que os outros dois se escondessem ali e fizessem silêncio.

Logo um grupo de diversos youkais armados com lanças e espadas surgiu por entre o nevoeiro de uma sombria manhã. Entre eles havia criaturas dos mais diversos tipos e aparências, como onis, lagartos humanóides, entre outros seres estranhos, a maioria tendo uma aparência incomum e bizarra. Sendo eles também mais fortes que os humanos seria desnecessário que portassem armas, porém talvez o fizessem para aterrorizar mais suas presas.

As atemorizantes criaturas procuravam em todos os lugares pelos esconderijos dos humanos, e com seus instintos apurados quase sempre encontravam. Porém a pequena família continuava escondida em meio à alta vegetação, torcendo para que não fossem notados pelos 'monstros', que naquele momento pegavam rudemente qualquer humano que encontrassem e à força os levavam para algum lugar ainda incerto para aqueles que ficavam. A garota jovem de cabelos negros tentava inutilmente acalmar o pequeno irmão que parecia querer chorar a qualquer momento, apesar de amparado pela mulher mais velha:

- Souta fique quietinho, por favor... – a mãe sussurrava ao pequeno, temendo ser ouvida. O pequeno engoliu o choro, mas não sem antes deixar escapar um soluço. Coisa mínima, mas que chamou a atenção de um youkai.

Vendo que a criatura vinha na direção deles mesmo sem saber sua localização exata, a menina decide por tomar uma atitude ousada para defender sua única família:
- Mamãe. Você e Souta não saiam daqui, com essas plantas ele não vai sentir o cheiro de vocês... – ela sussurra.
- O que vai fazer, Kagome? – a mãe pergunta, preocupada com a resposta.
- Não se preocupe... Não vou deixar que peguem vocês... – ela reprime algumas lágrimas – Se cuidem...
- Nee-chan... – o garotinho se pronuncia, com voz chorosa.
- Souta... – a menina diz com carinho, para logo depois ver que seu tempo se esgotava, pois seu perseguidor se aproximava deles.

A menina então corre para o lado oposto em que seus familiares estão, intentando desviar a atenção do youkai para ela.
- Não, Kagome! – tenta chamar a mulher, mas se detém por ter que proteger o filho mais novo. Ela apenas pode ver sua filha correr para um destino incerto...

Assim que a avistou, o youkai correu rapidamente em seu encalço. A jovem corria com todas as forças que ainda possuía, já apresentando sinais de esgotamento, porém o ser infinitamente mais veloz que ela rapidamente a alcança e agarra com suas enormes mãos terminadas em garras. Ela ainda se debate numa tentativa inútil de fugir, mas não obtêm êxito, apenas se cansando mais com isso. O youkai parecia enfadado com a fácil perseguição, a segurou pelos pulsos levantando-a do chão e a levou sem nenhuma delicadeza, como se fosse apenas uma mercadoria - pois era isso que humanos eram. A mãe via tudo ao longe, onde apenas podia se lamentar e rezar para que o destino da filha não fosse tão cruel quanto o diziam...

O youkai levava sem pressa a garota que se debatia e gritava tentando inutilmente fugir. Ela pára de tentar fugir ao perceber que não adiantará em nada e põe-se a olhar ao redor, notando que havia diversos outros humanos na mesma situação que ela. Viu quando um deles carregava uma criancinha que chorava interminavelmente, uma mulher mais ao longe também se debatia nas garras de outro youkai enquanto era afastada de sua filhinha.

O youkai que a carregava enfim chegou a uma espécie primitiva de carroça, a jogando bruscamente na parte traseira da mesma, onde havia uma gaiola de madeira. Uma vez trancada ali, pôde notar que havia diversos humanos a dividirem a gaiola junto com ela, obviamente também acabavam de ser capturados. Mas sua preocupação no momento era saber se sua mãe e irmão estavam a salvo, e após olhar para as outras gaiolas e não localizá-los em nenhuma, supôs que eles conseguiram fugir, isso a acalmou levemente.

A um sinal dos youkais, a carroça começou a partir. Através das grades a garota fitava o lugar afastando-se lentamente, enquanto a névoa aos poucos se dissipada, revelando a paisagem selvagem e desolada. Apenas incerteza e medo tomavam seu coração agora, apenas podia tentar acalmá-lo se dizendo que não era a única naquela situação. Defendia-se em seu egoísmo, levemente mais aliviada pensando que aquelas outras pessoas sofreriam o mesmo que ela; pensamentos puramente humanos e egoístas, coisa que não podia evitar, apesar de se achar horrível por senti-lo.

O enfado da exaustiva jornada começava a atingi-la por fim. Sentou-se no pouco espaço que lhe sobrava na gaiola apinhada de humanos e num suspiro fechou os olhos intentando descansar um pouco. Atrás da carroça que os levava vinham mais tantas outras seguindo em fila indiana, eram puxadas por cavalos youkais por estes serem mais resistentes que os comuns. Subitamente um grito do youkai que guiava a carroça que liderava a despertou:
- Estamos chegando! – avisou aos outros.

A menina rapidamente abriu os olhos para fitar a paisagem que começava a mudar a partir de agora. Não era mais aquela selvagem região florestal, e sim apenas uma lisa planície gramada. Aos poucos começavam a surgir às primeiras casas de aparência rústica, logo dando lugar a outras mais ricas. Enfim chegaram à cidade. Youkais andavam de um lado a outro pelas ruas tranqüilamente, crianças youkais brincavam nas calçadas, e humanos... seguiam seus donos youkais onde fossem, sempre de cabeça baixa e em silêncio. Alguns carregavam coisas para seus amos, muitos deles apresentavam sinais de maus-tratos e outros até mesmo de desnutrição.

Kagome levou a mão à cabeça quando sentiu alguma coisa a atingindo. Olhou para fora da gaiola e viu crianças youkais com pedras nas mãos, olhavam com raiva os humanos e pareciam se divertir lhes acertando pedras enquanto proferiam xingamentos. Um dos youkais que cuidava da carroça tratou de espantar as inconvenientes crianças dali.

A carroça andou um pouco mais até que parou em frente a um estabelecimento de onde saiu um enorme e gordo youkai sapo. Um dos dirigentes das carroças iniciou uma conversa com o youkai sapo, a qual pôde ser ouvida pela garota:
- Aqui está o carregamento de humanos que conseguimos hoje. Até que pegamos bastante... – disse o youkai pensativo.
- Oh, ótimo! – respondeu o youkai sapo – Espero que sejam aptos para o serviço. – prosseguiu olhando atentamente para os humanos nas gaiolas. Subitamente Kagome se sentiu nervosa ao ser observada pelo youkai, mas este porém passou o olhar ligeiramente pelos outros seres sem lhe dar muita importância. – Não pegou velhos desta vez, não é? – perguntou desconfiado.
- Não senhor! – disse de pronto – Mas creio que peguei uma criancinha.
- Isso é menos mal... – dizia enquanto procurava com os olhos a criança em outra carroça – Há youkais que gostam de ter filhotes humanos de estimação. – acrescentou rindo – Coisa de muito mal gosto, eu creio.

Após observar mais um pouco suas novas 'mercadorias', o comerciante ordenou que os levassem para dentro do estabelecimento, o que foi feito de maneira nada delicada. Aos tropeços e empurrões, logo quase todos os humanos estavam dentro do estabelecimento. Era um lugar mal-iluminado por algumas tochas, um sombrio corredor levava a diversas jaulas ao fundo, tendo grades de madeira, e um pouco de capim seco ao chão, destinada ao 'conforto' dos escravos.

Kagome foi jogada em uma das celas, juntamente com diversos outros humanos. Só então reparou em volta, as celas eram um tanto mais escuras que o corredor, eram sujas e as paredes pareciam entalhadas na rocha, a qual sofria a umidade do local a fazerem a superfície delas adquirir um tom escuro. Olhou para os outros humanos a se encolherem uns contra os outros ainda assustados, ela mesma estava muito assustada.

Os youkais abandonaram o local, apenas deixando dois guardas vigiando. A garota então não se conteve mais, pôs-se a chorar compulsivamente, seu pequeno corpo tremendo devido aos soluços, as lágrimas saindo livremente sem impedimento. A única coisa que conseguia pensar era sair daquele lugar e se juntar a sua mãe e irmão.

Ouviu mais outro lamento junto ao seu, e ao olhar em volta, viu outra garota, pouco mais nova que ela, também começava a chorar, a pra dizer a verdade, todos em volta tinham seus olhares tristes e marejados. Percebendo que seu pranto apenas piorara o clima, ela tenta então consolar a garota:

- Calma. Vai dar tudo certo. – dizia enquanto dava um abraço acolhedor na estranha. Não acreditava em suas próprias palavras, mas parecia ter surtido um efeito positivo sobre todos. Ela agora só podia rezar para que realmente tudo desse certo...

Notas:

miko: sacerdotisa
hakama: espécie de calça larga, parecida a uma saia longa
onee-sama: maneira formal de se referir a irmã mais velha.
youkai: criatura das lendas japonesas, possui poderes e energia maligna (youki). Apesar de serem chamados de demônios, não são como os da religião católica. Podendo até ser bons com os humanos.
oni: demônio. Espécie de youkai com aparência de um ogro. Frequentemente usam tanga e carregam uma clava com espinhos na mão.
nee-chan: irmã, mana.