Às vezes eu me pergunto se é possível que em algum lugar do planeta – qualquer um – adolescentes não se comportem tanto como...adolescentes. Era de se esperar que quando eu ficasse de férias e pudesse finalmente me juntar aos outros semideuses, eu visse algo diferente de valentões atirando salgadinhos uns nos outros e tentando aparar com a boca, que é o que eu vejo quando estou na escola. Mas não. Eu vejo a mesmíssima coisa quando estou no Acampamento Meio-Sangue. E parece que eu sou o único que acha isso uma idiotice completa. Quíron acha que eu devia fazer amizade com eles, já que eles ficam bem atrás de mim durante as refeições, mas eu não sei que tipo de diálogo eu poderia estabelecer com um cara tipo o Tobey Grant. Quero dizer, ele anda por aí exibindo um celular novo toda semana, apesar de Quíron viver dizendo a ele que ele não deve usar telefone celular. Mas o que é que eu estou dizendo? Até parece que ele precisa de algum objeto para exibir! O que ele mais gosta é de se exibir. Tá legal, a família dele tem montes de dinheiro, as garotas acham que ele é o máximo porque é musculoso e vive bronzeado, ele é o líder do chalé de Hefesto e tem um bando de outros caras fortões que fazem tudo que ele manda. Só que, disso tudo, Tobey Grant tem apenas uma coisa que é realmente interessante para mim: ele namora a garota mais legal do acampamento. Se não fosse assim, eu nem iria desprezá-lo tanto. Mas é de Hannah Pope que estou falando. Ela não é apenas linda e simpática, ela é inteligente e divertida, sem falar que é a melhor arqueira do acampamento. Me pergunto todos os dias o que uma garota como ela faz ao lado de Tobey Grant. Não concordo com o que Eve diz. Ela acha que o fato de Hannah namorar um idiota é porque ela é tão ou até mais idiota do que ele. Eve continua me atormentando com relação à Dione Stevens. Aquilo foi só um momento de descontração, mas ela insiste que eu devo "dar uma chance ao amor verdadeiro". Até parece. Maldita hora em que eu aceitei sair com Dione e pior : fui legal com ela. Isso foi numa sexta. Depois de um fim de semana um tanto atarefado para mim, Eve me atacou na segunda-feira. Sério. Ela simplesmente se sentou aqui na mesa de Hades comigo. O que fez o refeitório inteiro cair em um silêncio absoluto e todos começaram a nos encarar feito loucos. Isso porque, na verdade, eu sou o primeiro filho de Hades a freqüentar o Acampamento Meio-Sangue e também o único. Ou seja, não há ninguém para se sentar comigo e tradicionalmente não nos sentamos em mesas de deuses que não sejam nossos pais. O negócio é que ela falou muito naquele dia e todo dia depois desse. Ela simplesmente não me deixa mais em paz. No começo era irritante, mas acho que acabamos nos tornando amigos no final das contas. Eve meio que abandonou seus irmãos e irmãs na mesa de Deméter para ficar xingando o grupinho que fica na mesa de Hera logo atrás de nós. Pois é, este é outro fato sobre Hannah: ela é filha de Hera. Sei que isso parece impossível já que Hera é a deusa do casamento e supostamente deveria dar exemplo de fidelidade, mas parece que de tempos em tempos Hera se cansa das puladas de cerca de Zeus e resolve se divertir um pouco também. Ouvi dizer que Hannah nasceu logo depois de Hera ter descoberto a respeito de Thalia, a filha de Zeus. Mas então, o fato é que Hannah não fica sozinha na mesa dela como eu. Tobey e seus amigos do chalé de Hefesto se mudaram para lá, assim como o melhor amigo de Hannah do chalé de Afrodite, o Allan. Ele é um cara legal, a única pessoa decente com quem ela anda, pra falar a verdade. Eve acha que eu estou imaginando coisas quando digo que Hannah e eu somos amigos. Bom, pelo menos nós tentamos ser. Quando ela chegou ao acampamento, ainda não conhecia ninguém e por isso ficava sozinha na mesa de Hera. E eu estava bem ao lado, então nós conversávamos durante todas as refeições. Isso só durou alguns meses, porque o Tobey começou a segui-la por todo lado e quando eu menos esperei eles começaram a namorar. Eu realmente não acreditava que ela fosse dar bola para ele, porque ela parecia ser imune a todos os presentes caros que ele dava para ela. Acabou dando certo, eu acho. Eles estão juntos há uns dois anos. E agora não consigo mais conversar com ela. Não por mais de trinta segundos, pelo menos. Ela chega sozinha à mesa dela algumas vezes, sorri e diz "Oi" para mim. Eu pergunto como ela está e ela responde " Bem , eu..." , mas aí Tobey chega e a beija e em um milésimo de segundo a mesa de Hera está tão lotada que eu mal consigo ver Hannah lá.
Capture a bandeira era sempre um tanto complicado para mim. Não a parte da batalha, é claro. Mas a parte de escolher uma equipe. Porque apesar de eu já estar no acampamento há quatro anos, a maioria das pessoas ainda tinha um certo receio comigo por eu ser filho de Hades, de modo que não me escolhiam de primeira para fazer parte de suas equipes. Desse jeito, sempre cabia a Hector Madison, líder do chalé de Apolo e um dos mais velhos do acampamento, obrigar uma das equipes a me aceitar. Costumava variar muito no passado, mas depois que Hannah e Tobey começaram a namorar, a equipe vermelha passou a ser fixa e composta pelas crianças de Hefesto, Afrodite, Apolo, Ares e por Hannah. Os demais – as crianças de Deméter, Dioniso, Hermes, Atena e outros – se juntavam a mim na equipe azul. Era um tanto raro a minha equipe ser a primeira a capturar a bandeira, já que apesar de termos os filhos de Atena ao nosso lado, os filhos de Ares sempre deixavam mais da metade de nossa equipe incapacitada logo no começo do jogo. Foi pensando na nossa pouca chance de vencer que eu demorei para me preparar para jogar naquela sexta –feira. Quíron percebeu que eu não estava lá muito animado e veio falar comigo.
- Você está se sentindo bem, Nico?
- Eu? – Me surpreendi com a pergunta. – Claro. Por que não estaria?
- Tenho achado você muito pensativo desde que Rachel esteve aqui no domingo. Não está se preocupando por antecipação, está? Porque se está pensando que ela dirá uma profecia em breve, acho que você não deve ter...
- Está tudo bem, Quíron. – Eu o cortei. – Não estava pensando nessa possibilidade.
Ele não pareceu se contentar com aquela resposta. Mas, o fato é que ele se preocupa demais comigo o tempo todo. E não é como se eu fosse uma criança, eu já tenho 16 anos! Mas ele parece achar que eu ainda não me recuperei de tudo que aconteceu no passado. Não é isso que está acontecendo. É a primeira vez desde que derrotamos Cronos que Rachel, nosso oráculo, diz que tem tido visões estranhas. Ela mesma disse que não foi nada claro ainda, mas eu sei que algo está acontecendo, algo ruim. Queria poder falar sobre isso com alguém, mas acho que nem Eve acreditaria em mim. Naquele momento, achei melhor forçar um sorriso e fingir repentina animação, para que pudéssemos começar logo o jogo e eu me distraísse um pouco.
Hector chamou a nossa atenção pela milésima vez para que não matássemos ninguém. Quíron soou a trombeta de caramujo. Todos correram para o meio da floresta e eu logo encontrei dois campistas de Ares para enfrentar. A batalha estava quase de igual para igual naquele dia. Os garotos de Hermes estavam acabando com os de Hefesto. Teve uma hora em que seis da nossa equipe foram para cima de três da equipe vermelha. Torci para que Tobey estivesse levando uma surra ali. Adentrei mais na floresta e vi Hannah e alguns filhos de Apolo levando boa parte da minha equipe abaixo com suas flechas. Desviei por pouco de algumas que ela mesma atirou em mim. Ela sorriu de um jeito que me deixou anestesiado por algum tempo, depois de ter quase me acertado. Continuei lutando e procurando pela bandeira vermelha, e foi quando eu parei em uma região da floresta onde não havia ninguém que me dei conta de que ainda não tinha visto Maureen Lewis dando ordens por ali desde o início do jogo. O que era muito estranho. Maureen era a líder do chalé de Atena e praticamente comandava a equipe azul no Capture a bandeira. Não que eu sentisse falta da presença dela, já que ela era mesmo insuportável, mas era esquisito ela não ter nos dito qual era o plano. Isso mesmo... Nós não tínhamos um plano! Mas o que estava acontecendo ali? Resolvi voltar para onde a batalha estava acontecendo e fiquei procurando um aliado para saber qual era o nosso plano. Vai ver eu passei tanto tempo viajando em pensamentos antes de Quíron soar a trombeta que não percebi quando Maureen chamou a equipe para dizer a estratégia do dia.
A coisa estava mesmo pegando fogo quando cheguei perto do rio, tanto é que foi difícil encontrar Eve no meio daquela confusão.
- Ei, Eve! – eu gritei, mesmo estando ao lado dela, porque era muito difícil ouvir alguma coisa com todo aquele barulho de lâminas se chocando. – Você viu a Maureen?
- Quem? – ela gritou de volta.
- Maureen! – gritei mais alto ainda.
- Não! Algo errado?
- Acho que viajei na hora em que ela estava nos dizendo qual era a nossa estratégia... Você lembra o que ela disse para eu fazer?
- Eu... – ela pareceu muito confusa. – Não me lembro! – e acertou um cara de Apolo, que tentou se aproveitar da sua distração, na cabeça com o seu escudo. – Eu não me lembro de ela ter dito qual era o nosso plano hoje! Nós nos reunimos antes da luta?
- Eu não sei! – a equipe vermelha estava vindo em peso pra cima de nós dois. Certamente perceberam que nós estávamos distraídos. – Vamos nos separar! – gritei para Eve. – Vou procurar alguém de Atena! – e sai correndo dali.
Não perdi meu tempo tentando identificar quem era quem no meio da batalha e fui para o lugar onde certamente havia um filho de Atena: o buraco na árvore torta. Havia um garoto de Atena chamado Daniel. Ele era um dos caras mais inteligentes que já conheci, mas era também um fiasco com a espada. Por causa disso ele sempre se escondia no grande buraco no tronco de uma árvore particularmente horrorosa e ficava lá até ter certeza de que era seguro sair. Cheguei à árvore e lá estava ele todo encolhido.
- Daniel. – eu já não precisava berrar naquele lugar.
Daniel se encolheu mais e começou a tremer feito louco.
- Está tudo bem, Daniel. Sou eu: Nico.
- Ah, oi, Nico. – ele relaxou e tirou o escudo da cara. – O que foi? Encontraram alguma bandeira?
- Não. Nada ainda. É que eu não me lembro do que Maureen disse antes do jogo. Qual é o nosso plano mesmo?
- O nosso plano? – ele me olhou com a mesma cara esquisita que Eve fez quando lhe perguntei a mesma coisa. – Ora, essa é uma boa pergunta!
- Você não sabe? – fiquei surpreso. A função de Daniel era sempre ficar ali escondido e orientar quem não tivesse entendido o plano. Ou seja, ele sempre prestava atenção ao plano. – Mas o que é que está acontecendo aqui?! – eu me enfureci. Como era possível que ninguém estivesse ligado antes da batalha?
- Pra falar a verdade, Nico... Eu acho que nós não temos um plano. – ele disse sem olhar para mim. Estava pensando consigo mesmo.
- Maureen estava lá? Você a viu?
- Ela estava jantando com a gente hoje. Mas eu confesso que não a vi antes de começar o jogo.
- É... Nem você nem ninguém por aqui.
- O que fazemos? Pedimos a Quíron para parar? – ele pareceu satisfeito com aquela possibilidade. Ficar ali sem um plano poderia colocar em risco a segurança dele.
- Ele não vai atender. É culpa nossa não termos nos organizado antes. Vou tentar achar a bandeira. Mas acho que os vermelhos vão encontrá-la primeiro. Isso aqui está uma bagunça hoje, cara. – deixei-o apavorado ali na árvore e corri para tentar concertar aquela confusão.
Mesmo sem um plano, nossa bandeira devia estar muito bem protegida porque o jogo estava durando mais tempo que o normal. Resolvi voltar para aquela parte isolada da floresta para tentar pensar um pouco no que fazer. Quando me aproximei, ouvi passos sobre as folhas e gravetos caídos no chão. Um pouco abaixo de onde eu estava, vi Hannah olhando em volta cautelosamente. Me perguntei o que ela fazia sozinha ali, pois devia estar com os outros arqueiros. A maneira como ela olhava para os lados me fez pensar que havia me ouvido chegar, mas eu não achei que tinha feito barulho. Me pus a observá-la dali de cima e vi quando ela se virou rapidamente para um monte de arbustos à sua esquerda. Ela havia ouvido algo se mexendo ali e eu também ouvi. Fiquei alerta. Hannah ficou olhando assustada para a mata muito densa a sua frente, mas depois de algum tempo ela relaxou um pouco. Eu também estava quase deixando para lá quando vi alguma coisa brilhante entre os arbustos. Era uma coisa pequena, vermelha e brilhante. Hannah havia dado as costas e estava prestes a se encostar para descansar em uma árvore ao seu lado quando eu percebi que aquilo era uma ponta de flecha e alguém estava mirando nela. Aquilo me deixou paralisado de medo. Nunca vi uma flecha daquele jeito e algo me dizia que não era igual às outras. Quando eu finalmente voltei à razão, olhei rapidamente para os arbustos e vi que o atirador já estava em posição. Não pensei duas vezes: escorreguei de onde eu estava e gritei:
- Hannah, cuidado!
Não sabia se tinha chegado a tempo de salvá-la, nem se eu mesmo não tinha sido a vítima no lugar dela; só sabia que tinha me jogado encima de Hannah e nós dois estávamos caídos ali no chão.
- Nico...? – Hannah me chamou, com a voz um pouco rouca.
Ergui um pouco a minha cabeça para olhar para ela.
- O que é aquilo? – ela me perguntou apontado com a cabeça para a árvore ao nosso lado.
Olhei também e o que vi foi a flecha com a ponta avermelhada pegar fogo instantaneamente e transformar a árvore que ela havia atingido em cinzas em meio segundo! Hannah me olhou apavorada.
- Eu não... isso... – eu tentei dar alguma explicação lógica para ela, mas eu também estava em choque.
Foi nessa hora que um monte de gente apareceu de todos os lados. Provavelmente viram a árvore pegando fogo. A primeira pessoa que chegou até nós foi Tobey Grant. Exatamente quem eu não queria que aparecesse. Ele agiu como o troglodita de sempre.
- O que você pensa que está fazendo, Di Angelo?! – ele gritou para mim. – Quer sair de cima dela?!
Eu o ignorei, me levantei e ajudei Hannah a se sentar.
- Você se machucou? – eu perguntei, fingindo que não via Tobey ficar roxo de raiva ao olhar para nós.
- Acho que não. Foram só alguns... – ela começou a dizer, mas aí Tobey chegou e me empurrou dizendo "Sai pra lá!" e fez com que ela ficasse de pé rapidamente. Ela cambaleou.
- Ei! – eu me revoltei. – Vai com calma! Ela acabou de tomar um susto, está mal.
- Não me diga como eu devo cuidar da minha namorada! – ele gritou de volta.
Então outra pessoa desagradável apareceu por ali. Se bem que essa eu até queria que aparecesse. Maureen saltou do mesmo lugar de onde eu saltara e começou logo a gritar comigo:
- Que idéia foi essa, Di Angelo?! Ela é da equipe adversária, por que estava protegendo ela? Você entende as regras desse jogo ou não? Nós supostamente temos que derrubar nosso inimigo e não salvá-lo!
Então ela ficou falando um bocado durante uns cinco minutos. Ela não parava de dizer a mesma coisa! E eu só fiquei observando algumas coisas estranhas na aparência dela. Não estou falando do fato de ela ser muito baixa para a idade, meio gorda e com cara de gnomo de jardim, mas o fato de ela estar impecável , como se não tivesse lutado nada. Porque depois de Capture a bandeira, todos (com exceção de Daniel) ficam sujos de terra e no mínimo arranhados. Mas naquele dia Maureen estava impecável, como se tivesse passado aquele tempo todo lendo no chalé de Atena. Além disso, ela carregava um arco, mas nenhuma flecha. Ela raramente usa arco e flecha e, quando usa, usa um especial azul com alguns dizeres em grego que eu nunca tive oportunidade de ler. Foi por isso que eu a interrompi e perguntei simplesmente:
- Onde você estava?
Acho que todos que estavam ali acharam a pergunta um tanto fora de contexto, porque fizeram cara de confusos.
- O quê? – ela fez a cara mais estranha de todas. Eu repeti a pergunta. Ela hesitou por alguns segundos. – E o que isso tem a ver com o fato de você ter tirado Hannah do caminho da flecha?
Opa. Tinha algo errado ali.
- Como você sabe que tinha uma flecha? – eu perguntei, intrigado.
- Porque eu vi o que aconteceu. Eu estava ali encima. – ela apontou para o montezinho atrás de nós.
- Não. Eu estava sozinho ali encima.
- E eu estava bem atrás de você.
- Não tinha ninguém ali. Eu tenho certeza.
- Eu estava lá! – ela gritou. – Não tenho culpa se sou silenciosa, diferente de Hannah que parece que quer atrair o inimigo fazendo tanto barulho enquanto anda.
Pensei por um momento e conclui que ela devia mesmo estar perto de mim quando aconteceu. Afinal, como ela saberia que Hannah estava fazendo barulho pisando nos gravetos? Mas...
- E por que você só apareceu agora?
- Porque eu fiquei assustada quando a árvore pegou fogo e corri. Só voltei quando ouvi vozes. A voz de Tobey, eu acho.
Aquilo ainda soava estranho para mim e eu queria perguntar de novo onde foi que ela se meteu, mas Tobey falou primeiro:
- Flecha? De que flecha vocês estão falando?
- Alguém tentou acertar Hannah com um flecha esquisita, uma que tinha a ponta vermelha. Ela pegou fogo e incendiou a árvore quase que imediatamente. – eu expliquei.
- Uma flecha em chamas? É permitido atirar flechas em chamas no jogo? – ele perguntou a Maureen.
- Deve ter sido um acidente.
- Alô! Eu vi a flecha, tá legal? Não estava em chamas quando a atiraram. – eu disse. – Maureen, você disse que estava aqui. Viu que essa árvore era enorme e virou cinzas num segundo! Não foi natural!
- Ah, mas é claro que não foi! – Tobey falou comigo, furioso. – Eu já entendi o que aconteceu aqui. Você atirou em Hannah!
- O quê?! – eu fiquei perplexo.
- Ficou maluco? – Hannah partiu em minha defesa. – Nico veio lá de cima e me tirou do caminho, como ele poderia ter atirado a flecha dali? – ela apontou para os arbustos.
- Você não percebe, Hannah? – Tobey agia como se ela fosse muito burra para não enxergar a verdade. – É exatamente isso que ele quer que você pense: que ele a salvou! Eu sei como ele fez isso. Deve ter convocado um daqueles cadáveres dele para atirar a flecha enquanto ele espreitava lá de cima. Então ele sabia exatamente o que ia acontecer e te tirou do caminho.
- Ah, faça-me o favor! – eu olhei para ele sem acreditar que ele havia mesmo dito uma idiotice daquelas. Era demais, até para ele. – E por que eu faria uma coisa dessas?
- Porque você queria impressioná-la! – ah, mas que maravilha! Eu já não precisava mais me preocupar com a possibilidade de Hannah descobrir o que eu sentia por ela, porque Tobey havia acabado de fazer esse favor para mim. Olhei de relance para Hannah e vi que ela ficou muito vermelha. Felizmente, ela respondeu por mim:
- Tobey, cale a boca! Já passou, tá bom? Vamos para a enfermaria, eu estou cheia de arranhões. – e tentou puxá-lo, mas ele não se moveu e continuou me encarando.
- O que foi, Nico? – ele sempre usava uma entonação ridícula ao pronunciar o meu nome. – Toquei em algum ponto sensível?
Eu já não me agüentava mais. Estava cansado, estressado, preocupado com Hannah e ainda por cima envergonhado com o que ele havia dito sobre eu querer impressioná-la. Foi por tudo isso que eu não me segurei e parti pra cima dele. E não foi com minha espada, foi com os punhos mesmo. Tobey devia estar no limite também, porque ele já parecia preparado para brigar. Ficamos nos esmurrando ali e o pessoal que estava em volta estava adorando, tinha gente fazendo até apostas a respeito de quem ia ganhar. Ouvi um garoto dizendo que tinha certeza de que eu ia abrir um buraco no chão que iria engolir Tobey e mandá-lo direto para o mundo inferior. Achei uma idéia fantástica, mas quando eu pensei em fazer algo mais do que dar socos, alguém entrou no meio de nós dois e conseguiu nos afastar. Era Hector Madison, do chalé de Apolo.
- Mas o que está acontecendo aqui?! Ficaram malucos?! – ele pegou cada um de nós pela camisa e empurrou um para cada lado.
Eu me acalmei um pouco quando vi que tinha deixado uma bela marca ao redor do olho direito de Tobey. Já estava de bom tamanho. Mas acho que ele não devia ter feito muito estrago em mim, porque ele tentou avançar contra mim outra vez.
- Ei, Grant! Dá pra pelo menos fingir que você tem maturidade? – Hector o segurou firme.
- Tira a mão de mim, príncipe encantado! – Tobey tentou puxar a mão de Hector, mas parece que havia alguém mais forte do que ele no acampamento.
- Cala essa boca se não quiser que eu mesmo cale para você! – Hector o empurrou bem longe daquela vez. – Alguém vai me dizer o que houve aqui ou não? – ele olhou para as cinzas no chão e depois para Hannah, que estava muito suja e com folhas secas no cabelo. – Hannah, você abandonou o seu posto. O que aconteceu?
- É uma história complicada. Ainda não entendemos o que aconteceu. – ela respondeu. – Talvez seja melhor encerrarmos o jogo agora. Temos problemas.
- Certo. – Hector tirou uma trombeta do bolso e a soprou.
-Isso tudo é muito confuso... – Quíron coçou a cabeça.
- Ah, você não entendeu ainda? Para mim está muito claro que toda essa confusão foi obra do Di Angelo, exatamente como o Grant falou. O que mais poderia ser? – Sr. D estava do jeito de sempre: nem aí para nós. Só ficou lá bebendo e nos assistindo como se fôssemos um programa de humor meio chato.
Depois de termos encerrado o Capture a bandeira daquela noite sem um vencedor, e de eu ter ido para a enfermaria para dar um jeito no corte que Tobey havia feito na minha boca no nosso pequeno embate, Quíron convocou uma reunião com os líderes dos chalés para esclarecer melhor o que tinha acontecido com Hannah. Eu já imaginava que seria praticamente uma carnificina verbal, mas acho que o que de fato aconteceu na casa grande foi demais até para a minha imaginação.
Tobey estava ali berrando feito louco para quem quisesse ouvir que eu estava apaixonado por Hannah e que eu tinha usado meu exército de mortos para pôr o meu plano em prática. Maureen não parava de dizer que eu traí a equipe azul ao tirar Hannah do caminho na noite passada e que as regras do Capture a bandeira deviam ser mais bem explicitas para os novatos. Hector só fazia perguntas para tentar entender como uma confusão daquelas aconteceu bem debaixo do seu nariz. Eu até tentava dizer alguma coisa, mas eu mal formulava uma frase e já vinha alguém contestando o que eu dizia. Hannah e os líderes dos outros chalés só ficaram calados, olhando assustados para quem falava. Depois de mais de duas horas tentando discutir a questão, Quíron deu a reunião por encerrada e disse que achava melhor conversar a sós com cada um de nós. Ele disse que eu devia ser o primeiro. Eu já sabia. Os outros se retiraram (Tobey fez isso com muito esforço) e eu fiquei sozinho com Quíron e o Sr. D.
- É... Eu não achei que você estava muito bem ontem , Nico... – Quíron disse de um jeito amigável.
- O quê? O senhor acha que eu fiz o que o Tobey acha... – eu comecei.
- Não, claro que não. – ele garantiu. – Talvez queira me contar a sua versão da história.
Então eu contei todos os detalhes a ele, desde a falta de estratégia da nossa equipe até a misteriosa flecha da ponta vermelha.
- Havia algo escrito na flecha? – Quíron me perguntou.
- Não prestei atenção nisso. Como eu disse, assim que eu olhei para a flecha, ela pegou fogo.
- Entendo... Bom, e você não viu mesmo quem atirou dos arbustos?
- Não. Seja lá quem for, conseguiu escapar fácil, porque Hannah e eu ficamos encarando a flecha. Confesso que me esqueci de pensar no atirador depois. Mas, tem uma coisa... – me lembrei de Maureen naquele momento.
- O quê?
- Maureen. Ela havia desaparecido, certo? E depois ela disse que estava logo atrás de mim no monte. Mas eu realmente não notei a presença dela. E ela estava com um arco que não era dela, não era aquele azul.
- E você está supondo o quê? – Sr. D interferiu. – Que Maureen Lewis tentou matar a outra? Francamente, Di Angelo, não há assassinos aqui.
- Bem, já houve. – eu o lembrei.
- Essa é uma acusação muito séria, Nico. – disse Quíron.
- Não estou acusando Maureen. Até porque eu não acho que ela tenha motivos para matar Hannah. Eu só disse que tudo nela estava muito estranho ontem à noite. Vocês não acham?
- Nós vamos conversar com ela. Agora chame Hannah até aqui, sim? – Quíron deu a nossa conversa por encerrada.
Eve ficou uma pilha com tudo aquilo. Ela mal conseguia conter seu ímpeto de apontar para o olho roxo de Tobey toda vez que ele passava.
- Então, você acha que isso é possível? – ela me perguntou pela vigésima vez só naquele dia.
- Maureen ter tentado assassinar Hannah? Não sei, Eve. Pra falar a verdade, prefiro não pensar mais nisso. O Sr. D está certo: isso é muito surreal.
- Ora, quando uma garota tem inveja de outra, quero dizer muita inveja mesmo, acho que ela tem sim muita vontade de cometer um assassinato. E para as semideusas isso é bem possível.
- Maureen tem inveja de Hannah?
- Claro que sim! Hannah é tudo que ela não é.
- Pensei que achava Hannah idiota.
- Eu não a conheço. Mas você me parece o tipo de cara que se apaixona por meninas fúteis e fáceis.
- Ela não é nada disso.
- Ah, é sim! Se não fosse não teria começado a namorar Tobey Grant.
- Cala a boca, Eve.
- Eu acho que isso que você sente por ela é só atração física. Tenho certeza de que você irá descobrir sua alma gêmea em outra garota, como...
- E por que não pode ser o contrário? Por que o que ela sente pelo Grant não é só atração física e logo ela encontrará sua alma gêmea em outro cara? – eu a cortei antes que ela começasse a falar de Dione.
- Isso é o seu cérebro se recusando a aceitar a realidade. Ok. Pode ser que ela não seja idiota. Pode ser que ela só esteja com Grant para ganhar presentes caros. Mas isso faz dela uma espécie de prostituta.
- Ah, meus deuses, Eve! Quando você vai parar com isso?
- Desculpa, mas é você que sempre toca no assunto Hannah.
- Sei disso.
- Mas, se você quer que eu diga algo legal, eu posso te dar um conselho.
- Isso envolve Dione?
- Não.
- Nesse caso... Manda a ver.
- Certo. Eu acho que se você realmente gosta dela e acha que ela vale a pena, você deve lutar por ela. Ou pelo menos dizer o que sente a ela.
Olhei para ela, incrédulo. Ela continuou:
- É sério! Escolha o seu método. Você pode se esmurrar com Grant até um de vocês desistir ou morrer; ou você pode dizer que gosta dela.
- Grant já fez esse favor para mim ontem, lembra?
- Não é a mesma coisa.
- Mas ela já devia saber antes mesmo de ele falar.
- Mesmo assim. Diga a ela. Mesmo que ela não queira ficar com você, ela vai ficar feliz em saber disso.
- Como pode ter tanta certeza?
- Porque eu sou garota. Ou você não notou isso ainda?
Eu dei risada.
- Na verdade, não. Achei que você era só uma criaturinha irritante que grudou em mim e não larga mais. – brinquei.
- Haha, mas como você é engraçado! – ela disse com sarcasmo.
- Mas, para você ter toda essa noção do assunto, alguém já deve ter dito que gostava de você, não foi?
Parece que eu mexi com um tema delicado, porque ela ficou vermelha como um pimentão.
- Você é um idiota, Nico Di Angelo!
- Idiota? Eu? Por que? Porque eu descobri que você tem um admirador? – eu continuei rindo dela.
- Se você não parar, eu vou embora! – ela foi se afastando de mim.
- Você é muito nova para ter um namorado, Eve! – eu disse, chorando de tanto rir, enquanto ela dava as costas.
- Ah, me deixa em paz! – Eve saiu em direção ao seu chalé, revoltada, e me deixou sozinho na arena de batalha.
Ou pelo menos eu achei que ficaria sozinho. Porque quase imediatamente, alguém se sentou ao meu lado e disse:
- Que bom que vocês resolveram ter essa discussãozinha logo agora.
Eu pensei que estava tendo uma ilusão porque eu reconheci aquela voz: era Hannah. E ela estava sozinha, o que era um milagre. Fiquei mudo e ela falou:
- Eu preciso conversar com você a sós. E acho bom aproveitarmos enquanto Tobey está lá com o Quíron e o Sr. D.
- Hã... – eu tentei manter a calma. Quando foi a última vez que ela conseguiu concluir uma frase ao falar comigo? – Certo. Algum problema? Quero dizer, além de você ter se machucado quando eu te empurrei ontem? – olhei para as mãos dela com curativos e o rosto arranhado.
- Ah. Isso aqui? – ela olhou para as próprias mãos. – É bem melhor do que virar cinzas, não é? Não era bem isso que eu queria falar, mas já que você tocou no assunto, eu queria te agradecer pelo que você fez por mim ontem à noite. Você podia ter se machucado... ou pior. Então... Obrigada! – ela sorriu para mim.
- De nada. – foi o melhor que eu consegui dizer.
Ela quase me fez ter um ataque cardíaco quando me abraçou apertado depois do que eu falei.
- Bem... – eu procurei fingir naturalidade – Sobre o que você queria conversar?
- Quíron me disse que você supôs que Maureen havia atirado a flecha em mim ontem.
- Ele disse isso a você?! – eu quase gritei. O que havia acontecido com a confidencialidade de certos assuntos? – Olhe, Hannah... Esqueça isso, ok? Foi só uma bobagem que me passou pela cabeça, mas eu sei que é um absurdo. Afinal, vocês são amigas e eu não vejo porque ela tentaria te matar, ainda mais de um jeito tão covarde. Eu devo ter pensado isso porque toda essa história me deixou uma pilha e eu fiquei preocupado com você e queria que encontrassem logo uma resposta. Sabe como é, fazemos besteira sob pressão.
Hannah fez uma cara esquisita e disse:
- Eu não ia dizer que você estava errado, Nico. Vim aqui assim que pude porque... – ela baixou o tom de voz. – acho que você acertou.
Eu precisei de um minuto para absorver aquilo.
- Hannah, é sério. Você passou por um momento e tanto ontem. Vai ver você, assim como eu, quer encontrar logo quem tentou fazer aquilo e está aceitando a primeira e mais absurda solução que apareceu. Tente ficar calma. Peça a Quíron para te liberar de algumas atividades por uns dias. Talvez não seja bom você ficar andando por aí sozinha também.
- Nico, você não percebeu? – ela parecia levemente impaciente comigo. – Não dá pra qualquer um simplesmente ir entrando no acampamento; tem toda uma proteção aqui em volta. Por isso, só pode ter sido alguém de dentro, um campista!
- Certo. Vamos supor que sim. Mas por que teria que ser justamente a sua amiga?
- Ela não é minha amiga! Ela nem gosta de mim, só fica perto para poder me dar uma rasteira na primeira oportunidade. Tobey e Allan não percebem isso; eles a adoram.
- Pode até ser isso mesmo que você está dizendo, mas querer dar uma rasteira e tentar matar são duas coisas muito...distintas , não acha? Além do mais, por que Maureen iria querer te matar?
- Eu não sei! Mas só pode ter sido ela. Quem mais fica querendo ser melhor que todo mundo neste acampamento?
Eu achava Hannah incrível e tudo mais, mas, naquele momento, ela parecia meio fora de si. Eu adoraria passar mais tempo falando com ela, mas não daquele jeito. Foi por isso que eu disse algo que me doeu demais.
- Hannah. Me desculpe. Eu vou continuar fazendo de tudo para descobrir o que houve aqui ontem, mas não vou encorajar você a seguir adiante com essa idéia maluca. Faz o que eu te disse, tá bom? Dê um tempo a si mesma. – e eu sai de lá e a deixei sozinha. Deve ter sido a coisa mais difícil que já fiz nos últimos tempos.
O jantar daquela noite foi terrível. Eve nem parecia notar a minha existência e foi direto para a mesa de Deméter e ficou o jantar inteiro olhando para todo lugar, menos para a direita dela, onde eu estava. Achei aquilo muito dramático. Ela sempre ficava me enchendo a respeito de Dione, de quem eu não gosto, ou então falando mal de Hannah, de quem eu gosto. E eu nunca a ignorei durante o jantar como ela estava fazendo comigo. Hannah chegou a sua mesa acompanhada de Tobey e lançou um rápido olhar para mim. Ela não parecia com raiva. Parecia magoada. Fiquei pensando sobre como eu agi naquela tarde. Conclui que havia sido um péssimo amigo. Ou seja lá o que Hannah me considera. Quero dizer, ela ter confessado aquelas coisas para mim (e não para o namorado ou o melhor amigo), significa que eu era a pessoa com quem ela achava que podia contar; talvez a única pessoa que pudesse ver aquilo do mesmo modo que ela. Comecei a me sentir um canalha ao encontrar o olhar magoado dela de vez em quando naquela noite. Pensei em escrever um bilhete me desculpando e colocar no chalé dela quando passasse, mas achei que a situação merecia mais que um recado e resolvi procurar uma oportunidade de falar pessoalmente com ela. Quem sabe ela não me dava um outro abraço? Ah, mas como eu era idiota! Eu não poderia fazer algo assim! Se eu voltasse atrás no que disse, seria obrigado a insistir com Quíron naquela história da Maureen. Fiquei pensando que, se Eve estivesse falando comigo, ela me diria o que fazer, já que ela é garota e sabe como uma se sente. Mas ela foi embora do refeitório sem dar uma olhada para mim, então eu vi que estava sozinho nessa. Ou não. A idéia me veio de súbito. Quíron me colocou naquela situação. Foi ele quem contou minha teoria a Hannah. Logo, ele iria dar um jeito naquilo. Como? Eu não me importava, mas ele teria que limpar a minha barra com ela. Saí da mesa e caminhei com ar decidido até a mesa onde ele comia, mesmo sabendo que aquilo era algo meio inconveniente de se tratar durante o jantar. Quando eu estava a cinco passos da mesa, alguém surgiu de repente na minha frente e nós trombamos. Eu fiquei de pé, mas o outro caiu. Olhei para baixo: lá estava Daniel, filho de Atena, ajeitando os óculos.
- Daniel! Que idéia foi essa? – quis saber.
- Perdão, Nico. Mas é que eu preciso te mostrar algo.
- Pode ser mais tarde? Eu preciso dar uma palavra com Quíron e é meio urgente.
- Só vai levar dois minutos, eu prometo. É algo importante.
Olhei para ele e me perguntei o que ele teria de tão importante para me mostrar. Geralmente os filhos de Atena fazem grandes descobertas a respeito de estratégias de luta ou algo assim. Pensei que fosse algo do tipo e disse, muito a contragosto:
- Tudo bem. O que é?
- Precisa vir comigo. Não está aqui. – ele se levantou e eu o segui.
Ele estava me levando para a floresta.
- Daniel, aonde estamos indo? – eu perguntei quando já tínhamos andado um bocado.
- À árvore torta. Está lá.
- O que está lá? – ele não me respondeu de imediato. Caminhamos até chegarmos à árvore, ele colocou as mãos no buraco onde ele se escondia durante o Capture a bandeira e retirou de lá um grande e velho livro.
- Isto aqui. – Daniel disse. Por ser muito velho, o título da capa já havia se apagado. Eu não fazia a menor idéia do que se tratava. – Encontrei nas coisas da Maureen lá no chalé. Você disse que a flecha que quase atingiu Hannah ontem a noite tinha uma ponta brilhante e avermelhada, diferente de todas que você já viu. Bom... – ele folheou o livro até chegar a uma página específica – Era essa aqui? – e apontou para a figura de um conjunto de flechas exatamente iguais à que eu e Hannah havíamos visto. Mesmo que eu a tivesse visto por apenas alguns segundos antes de ela pegar fogo, eu tinha certeza de que eram iguais.
- Sim! Isso mesmo! Que livro é esse?
- É um livro proibido. Existem apenas alguns exemplares dele. Os semideuses não deveriam ter acesso a ele.
- E como Maureen o conseguiu?
- Essa é uma ótima pergunta...
- E por que o livro é proibido?
- Fala a respeito das Dádivas dos Deuses.
- Das o quê?
Naquele instante, nós ouvimos algo se movendo sob as folhas no chão.
- Deve ser um animal. – eu disse.
- Não, Nico. – Daniel me puxou pelo casaco e correu. Quase tropecei para acompanhá-lo. Para alguém que se esconde durante uma batalha, ele era até bem ágil.
Ele parou numa área muito densa da floresta, tirou a jaqueta e cobriu o livro com ela.
- Pegue isto e esconda bem! – ele empurrou o embrulho para mim.
- Mas o que está acontecendo com você?
- Ela já deve ter descoberto que eu peguei. Virá atrás de mim. Ouça, Nico: - sua voz era urgente. – Vá direto até Quíron e mostre o livro a ele. Ouvi sem querer sua conversa com Hannah na arena hoje à tarde e acho que ela pode estar certa a respeito de Maureen. Tudo se encaixa perfeitamente, mas não tenho tempo de explicar agora. Acho que Quíron entenderá. Agora vá.
- E você vai ficar aqui?
- Tenho que despistá-la enquanto você chega até Quíron.
- Por que não posso fazer isso no seu lugar?
- Ela sabe que fui eu, Nico. É melhor que ela não saiba quem mais está envolvido. Faça o que eu disse, ande!
Lutei comigo mesmo para deixá-lo ali. Se Daniel estivesse certo e ele tivesse que lutar com Maureen para me dar tempo, aquilo acabaria muito mal. Maureen era uma grande lutadora, enquanto Daniel era péssimo. Procurei esvaziar minha mente enquanto corria para fora da floresta para não me distrair e perder tempo.
Cheguei à casa grande sem fôlego e fui logo interrompendo grosseiramente o jogo de pinoche entre o Sr. D e Quíron, gritando :
- Daniel e Maureen estão na floresta! Ela vai matá-lo! Alguém vá lá ajudá-lo depressa!
- Mas o que é isso, Nico? – Quíron perguntou, muito assustado.
- Foi ela! Ela tentou matar Hannah! A flecha! É igual a desse livro! – comecei a folhear o livro, mas não conseguia encontrar a página que Daniel me mostrara. Depois me lembrei do mais importante: Daniel estava em perigo. – Por que estão parados aí? Mandem alguém ir lá! – eu não parava de gritar e eles continuavam me olhando como se eu fosse uma mosca na sopa deles. – Quíron, por favor! Daniel, ele...
- Argos! – Sr. D gritou. Argos, o chefe da segurança no acampamento, veio imediatamente. – Verifique se há campistas duelando entre si na floresta e traga-os aqui.
Argos se foi num piscar de olhos. Sr. D não parecia convencido de que eu não estava louco e continuava me encarando com desprezo. Quíron veio até mim e me guiou até a cadeira entre eles na mesa. Ele parecia preocupado. Eu devia estar com cara de quem ia começar a chorar a qualquer instante. Sei que ele estava esperando que eu dissesse o que havia descoberto logo, mas eu não conseguia pensar em outra coisa que não fosse Daniel lutando sozinho com Maureen na floresta. Respirei fundo e não olhei para eles. Tirei o livro da jaqueta de Daniel e o coloquei encima da mesa. Sr. D fez uma grande cara de espanto quando o viu. Não dei atenção e comecei a folhear o livro com calma para encontrar a página. Encontrei e apontei para a figura:
- Foi essa flecha que Hannah e eu vimos noite passada. Daniel encontrou este livro nas coisas de Maureen. Ele acha que foi ela quem atirou. Disse que você entenderia, Quíron.
Olhei para Quíron e vi que sua expressão era de puro choque. Primeiro ele estava encarando a figura e depois ele e o Sr. D começaram a se olhar como se já tivessem entendido tudo e estavam tendo uma conversa por telepatia.
Argos retornou naquele instante.
- Você os encontrou? – Sr. D. perguntou.
Argos balançou a cabeça negativamente.
- Por favor, Argos. – pediu Quíron, com a voz seca e sem olhar diretamente para ele. – Verifique se Maureen Lewis e Daniel Evans estão seguros no chalé de Atena. Se estiverem, traga-os aqui. No caso de Maureen, traga-a nem que seja à força.
