- Você não vai conseguir chegar a Silent Hill por aqui, eles fecharam a ponte por causa da neve. – explicou o atendente do posto.

- Não tem um caminho alternativo?

O atendente pensou um pouco antes de responder.

- Você pode tentar chegar à Avenida Nathan. Existe a chance de ela estar bloqueada por causa da neve, então não é garantia, mas você vai ter que dar uma volta enorme se quiser usar qualquer outra entrada na cidade. Seria mais rápido ficar por aqui e esperar eles reativarem a ponte.

O homem no carro avaliou seu mapa mais uma vez comparando o que via com o que tinha acabado de ouvir do funcionário. Após uma breve pausa ele se decidiu.

- Bom, ainda tem algum tempo antes de escurecer. Vou tentar chegar à Nathan, se estiver bloqueada eu volto.

- Fique a vontade, temos vários quartos vazios essa época do ano e ficamos abertos a noite toda.

Agradecendo a boa vontade do atendente em ajudar, o jovem ligou o carro e deu meia volta para seguir viagem. Foram quase duas horas de estrada para conseguir chegar a Avenida Nathan e agora que ele estava bem longe do centro da cidade aonde queria chegar, pensava no quanto tudo aquilo seria inútil se a avenida estivesse bloqueada pela neve.

Alguns minutos depois ele estava andando pela neve. A estrada estava cheia de neve, em certo ponto o bloqueio chegava a ser mais alta que o próprio carro e ele não teve escolha a não ser desistir. Ele teria dado meia-volta se não tivesse visto uma construção mais a frente. Ele pensou que podia ser um hotel de estrada, então escondeu o carro e seguiu a pé, porém tudo que encontrou foi um observatório. Novamente ele teria dado meia-volta, mas por fim pegou seu mapa e viu que o observatório era próximo resto da cidade e decidiu seguir caminho a pé.

- Péssima idéia – ele repetia para si mesmo em voz alta.

Mas a esse ponto já estava mais perto de um hotel do que de seu carro, após andar por uma longa trilha e até por um pequeno cemitério ele finalmente conseguia ver os primeiros resquícios de civilização. Logo estava no balcão de atendimento de um lugar chamado "Jack's Inn". Na recepção havia apenas uma outra pessoa.

- Você trabalha aqui? – perguntou.

- Não, também estou em busca de um lugar para ficar. Parece que estamos com sorte, não acha?

O homem apontou para um pequeno cartaz improvisado feito a mão sobre o balcão, nele estava escrito: "Escolha seu quarto e deixe o pagamento sobre o balcão."

- O interior é incrível, não concorda? – O homem respondeu sorrindo – Me chamo Christopher, muito prazer.

- Muito prazer, eu sou Will.

- Então Will, se não se importa vou me retirar para meus aposentos.

- Sim, claro.

O homem subiu a escada que leva aos quartos, deixando Will sozinho.

- Cara estranho.


Christopher abriu sua pasta e pegou um pequeno livro assim que chegou em seu quarto. O que tinha descoberto naquele dia era surpreendente. Ele precisava contatar o lado de fora urgentemente, mas não conseguia usar nenhum feitiço de comunicação. Ele até tentou usar telefones, mas nenhum tinha linha.

Sim, Christopher era um mago, e mais do que isso pertencia a Associação. Ele chegou à cidade dois dias antes seguindo denuncias de magias proibidas, o que significa que o risco de exposição dos segredos da magia eram altos o suficiente para um membro da Associação precisar vir pessoalmente.

Mas a coisa toda acabou sendo pior do que ele imaginava. Ele precisava de reforços, mas estava sendo impedido de sair. E não tinha nada a ver com o seu "inimigo", seja lá quem fosse. Era como se a cidade em si estivesse evitando a saída dele. Pior do que isso, não tinha visto uma única pessoa em toda a cidade desde que chegou.

- Pelo menos não até agora a pouco – pensou em voz alta.

Abrindo o livro em suas mãos começou a sua leitura. Ele tinha ouvido falar sobre isso, nessa cidade as vezes coisas estranhas que nem mesmo pessoas que vivem em constante contato com a magia conseguem compreender.

Folheando as páginas ele finalmente encontrou o que procurava. O livro em particular falava sobre a história da cidade e sobre as crenças místicas por trás dela, e o texto que encontrou era o depoimento de um homem que foi encontrado na cidade após desaparecer por três anos. Christopher leu o trecho que lhe importava em voz alta.

"Era como se algo me chamasse para a cidade, para onde eu olhasse via algo que indicasse Silent Hill. Até que decidi vir. Mas quando cheguei, não era a cidade da qual eu me lembrava. Era um lugar diferente. E tinham essas criaturas por todos os lados..."

Christopher parou para pensar. Algo claramente era estranho sobre aquela cidade. Sua investigação apontava isso claramente. O ritual mágico que ele veio para impedir estava enraizado na cidade, como se sugasse a energia dela para funcionar por ela ser quase infinita. E pior, ele não podia interferir. Ele teve problemas para sequer encontrar o fluxo da magia, como se a cidade em si estivesse o rejeitando.

Mas agora que estava dentro não podia sair. Sem poder sair, sem poder fazer nada. Era a pior situação possível. Mas mesmo supondo que a cidade tenha uma consciência própria ou seja habitada por algo que tem controle sobre ela, porque essa entidade iria especificamente querer evitar a entrada dele? Ele sabia que nenhum mago identificou a sua presença, havia sido impecável em cobrir seus rastros e tinha extrema confiança nisso. E fora isso, tinha outra coisa estranha. Aquele cartaz na entrada que mostrou ao Will mais cedo não estava lá até algumas horas atrás. Era algo pequeno, mas de alguma forma mudou para aceitar a presença daquele estranho.

- Então ele é bem vindo e eu não?

Não fazia sentido, aquele homem obviamente não era um mago, apenas pela sua forma de falar e se vestir dizia que ele não tinha qualquer conhecimento sobre magia. Então o porque desse tratamento diferente? Mas então teve uma idéia. "Se ele é tão bem vindo a ponto da cidade se modificar para adaptá-lo, talvez ela o deixe chegar ao centro desse feitiço." Naquele instante o mago viu uma última chance de agir por conta própria e resolver o caso.


- Você sabia que no meio desse lago tem uma torre mal assombrada?

- Sério?

- Sim, dizem que era uma prisão pra criminosos. Mas parece que na verdade eles prendiam crianças lá dentro e faziam experiências com elas.

- Ei, Will, pare de assustar o seu irmão.


Will acordou com o som de uma sirene, mas não abriu os olhos ainda tentando recuperar aquela lembrança que seu sonho havia trazido. Mas não deu certo, não conseguia se lembrar mais do que aquilo. Aos poucos decidiu abrir os olhos, e se deparou com uma escuridão. Ainda estava de noite, mas ele tinha certeza de que havia dormido por tempo o bastante para se sentir relaxado.

Falhou em encontrar seu celular perto da cama para checar o horário, então decidiu se levantar. A sensação do chão sob os seus pés não era familiar. Andou até o interruptor, mas não conseguiu fazê-lo funcionar.

- Estranho, será que é por causa da neve?

Colocou os sapatos usando a memória que tinha de onde os tinha deixado e saiu de seu quarto cuidadosamente andando próximo as paredes. Seguindo sua memória, logo estava na recepção de onde vinha uma luz. "Talvez os donos estejam de volta" pensou. Mas ao chegar lá só encontrou um pequeno foco de luz que vinha da mesa e pensou que era uma lanterna mas ao se aproximar viu que era muito pequena para uma. Aquilo tinha o formato de um daqueles relógios de bolso antigos, e mesmo assim funcionava como uma lanterna. Após verificar novamente ao seu redor em busca de alguém, decidiu pegar a lanterna. Uma breve inspeção revelou que ela realmente era um relógio, mas os ponteiros haviam sido removidos. Usou a lanterna para olhar ao seu redor em busca de um relógio, mas não encontrou nada... foi o que ele pensou a princípio.

- Esse lugar estava assim tão... acabado?

Continuou sua busca até focar em algo em especial, o caminho pelo qual tinha vindo do seu quarto agora estava bloqueado. Não por uma porta, mas por grades, grades do mesmo tipo que substituíam o chão que se recordava.

- Mas que porcaria é essa?

Como se para cortar aquele pensamento, ouviu um grito vindo do lado de fora e imediatamente disparou contra a saída e abriu as portas com força. Ele não encontrou ninguém do lado de fora. Apenas uma rua que não reconhecia e pela qual não havia passado.

- Isso não é possível...

Mas ali estava a realidade provando para ele o contrário diante de seus olhos. Ele não podia negar o que seus próprios olhos lhe mostravam.

- Então começou.


Christopher caminhou até o lado de fora do hotel observando a neblina que bloqueava o sol da manhã. Como se lembrasse de algo, voltou até a entrada e olhou sobre o balcão de atendimento.

- Como esperado, você encontrou o que eu deixei. Isso é conveniente, assim meu trabalho se torna mais fácil.

Com um sorriso nem um pouco natural no rosto ele voltou ao seu ateliê provisório em seu quarto.

- Me desculpe, mas eu vou te usar para completar o meu trabalho – e olhando uma última vez para o lado de fora do hotel como se estivesse vendo alguém ali, continuou – faça bom uso da ferramenta que eu deixei para você. Ela com certeza vai te manter vivo.


Antes que Will pudesse parar para entender o que estava acontecendo ao seu redor, uma dor aguda surgiu em seu antebraço esquerdo. Era forte de mais para ignorar, ele ergueu a camisa até ver o local da dor. Algo estranho começou a aparecer em sua pele, como se alguém estivesse desenhando uma tatuagem em seu braço sem se preocupar de forma alguma com os seus sentidos de dor, não, a dor era muito mais intensa do que isso. Mas durou apenas alguns instantes. Ele olhou para os lados e para trás na recepção de onde tinha acabado de vir. Aquilo era como uma sequência de coisas sem sentido acontecendo ao seu redor e então sentiu como se sua liberdade estivesse sendo tomada. Só havia um caminho para seguir e ele nem sequer tinha para onde voltar ou como voltar. Mas de alguma forma ele sabia que precisava passar por aquilo, seja qual fosse o motivo. Uma última vez ele apontou a luz para o seu braço e viu a forma das marcas. Como se fossem tribais, uma figura dividida em três partes desenhada em vermelho.