A bela garota jazia sentada abraçada ás próprias pernas, sozinha na imensidão estonteante formada pela bela campina esverdeada e os diversos tons quentes que formavam aquele raro entardecer. A verdade é que ali, a noite nunca chegava, pelo menos não no lugar exato em que ela se encontrava agora.

Céu, Paraíso, Firmamento, Espaço, Glória... Não importa. São muitas as crenças que pregam a existência desse lugar inalcançável e nesse momento, lá estava a garota de cabelos rosa bem ali.

Ela ainda se lembrava como se fosse ontem, havia sido em Londres nos meados do século dezesseis:

"As duas crianças desesperadas corriam de seu perseguidor e com elas, a menina um pouco mais moça as guiava naquela difícil corrida. Tudo isso por causa de uma mísera maçã que os irmãos haviam pegado de uma banca de frutas. Roubar era errado, mas os pequenos Liz e Jacob haviam pedido gentilmente para que a velha dona da barraca lhes desse algo o que comer. Obtiveram apenas uma bronca recheada de palavras rudes e como a fome apertava mais á cada instante, eles não viram alternativa se não aquela.

Já a garota mais velha, que não tinha nenhuma participação no furto, era apenas uma vizinha e amiga próxima que sempre caminhava e brincava com os dois. Encontraram-na no meio do caminho e quando notou que as crianças estavam sendo perseguidas, não pensou em entregá-los ou simplesmente cobrar satisfações e sim juntou-se á eles em busca de algum lugar que fosse seguro dos três homens que insistiam em pegá-los.

A única certeza que tinha era a de que se fossem pegos, ninguém mais saberia deles. Os guardas tinham autoridade o suficiente para sumir com pessoas da noite para o dia, ainda mais se tratando de simples trabalhadores de terras como ela que não tinha dinheiro nem para comprar alimentos com fartura, quanto mais sapatos decentes.

Era inegável que a morte deles não chamaria a atenção de mais ninguém, apenas de seus pais e ela não permitiria que aquele casal tão humilde perdesse seus dois filhos pequenos de uma só vez.

A bagunça pela feira foi inevitável, os mais novos corriam á frente enquanto a mais velha derrubava carrinhos de madeira com mercadorias e caixotes no meio do percurso para atrasar os homens. Nenhum dos habitantes se atrevia á intervir.

Foi quando chegaram á um beco sem saída, nada além de um muro antigo em seu caminho.

O que vamos fazer agora? –a menininha de cabelos e olhos castanhos perguntou aflita.

Notando a aproximação dos perseguidores, a mais velha entre eles ergueu o garoto nos braços se esticando toda para que o menino alcançasse o topo do muro.

Tem uma carroça cheia de feno aqui, podemos pular. –ele disse olhando para o outro lado.

Pois então pule Jacob e ajude sua irmã quando for a vez dela. –sua protetora aconselhou.

O menino de cabelos igualmente castanhos assentiu e saltou em segurança. Ergueu então a menina, que antes de saltar olhou para os homens que estavam á poucos passos da moça e com tristeza em seus olhinhos disse:

Obrigada.

Apenas vá Liz. –murmurou de volta empurrando a garota que caiu do outro lado junto com o irmão e recomeçaram á correr, tendo mais tempo agora para encontrar um esconderijo, mas sentidos com o que havia de acontecer com a amiga agora.

A garota de cabelos cor de rosa virou-se, cercada pelos três homens de antes. Olhavam-na de cima á baixo, seu vestido bege encardido de camponesa com o corpete de couro barato por cima, eles não puderam deixar de sorrir maldosamente.

Então ajudou os dois ladrõezinhos á fugirem... Terá que ser duplamente castigada por isso. –um deles disse caminhando mais á frente e ela tinha a certeza de que tentaria algo.

E ela estava certa. O homem tentou puxá-la para si, mas tudo o que conseguiu foi um belo tapa na face.

Os outros dois logo partiram em defesa e lhe seguraram, um de cada lado. Recuperando-se do golpe, ele fez questão de retribuir o tapa que acertou em cheio sua pele pálida deixando a área instantaneamente avermelhada.

A minha vontade é de acabar com você lentamente até que se engasgue com o próprio sangue, mas estou com tanta raiva que o melhor para minha própria saúde é que morras logo! –cuspiu as palavras retirando a espada da bainha e atravessando-a em cheio em seu peito.

Os olhos verde água dela se arregalaram e suas pupilas dilataram enquanto o sangue escorria do ponto mais vital de todo ser vivo. Retirou a lâmina fazendo questão de girá-la ainda em seu interior, jogaram-na no chão como se fosse um mero lixo e deram as costas sem nem ao menos olhar para trás.

Ela ficou ali se sentindo cada vez mais fraca enquanto os últimos pigmentos de vida deixavam sua existência... Foi quando viu surgir diante de si, com suas vistas embaçadas, uma luz branca lhe cercar."

...

E foi assim que ela havia deixado sua primeira existência. Agora, era simplesmente um anjo dos Céus. Lembrava-se também de como foi chegar até ali, tinha uma espécie de tutor, encarregado por mostrar-lhe quando deveria intervir e quais eram suas novas habilidades.

Não era qualquer pessoa que se tornava um anjo. Não bastava ser bom, tinha de receber o sinal divino, algo reservado á poucos pelo próprio Deus.

Então lá estava ela, com seus mesmos cabelos rosa compridos daquele tempo, no mesmo corpo que tinha em seus dezesseis anos. Ali, a cronologia do tempo não era a mesma e além do mais, anjos não envelheciam, pois na teoria já haviam passado pela morte.

Eram muitos os seus poderes. Desde a cura até a habilidade de viajar no tempo e a única coisa capaz de matar um anjo, era outro anjo, na verdade a espada de um. Todos tinham uma lâmina de prata que deveriam usar somente em casos de autodefesa.

Os anjos tinham uma organização parecida com a de um exército. Os mais baixos níveis eram os recém-chegados, os cupidos e querubins, depois os anjos treinados e por último os arcanjos, mas eram poucos os que tinham contato direto com Deus.

Mas nem tudo era um paraíso... Assim como tudo tem seus extremos, também havia o oposto do Céu: o Inferno e seus demônios.

A eterna guerra travada entre aquelas duas espécies. Um lado pelo bem, outro pelo mal. Um prega amor, outro ódio.

No inferno eles tinham seu próprio "líder" e apesar do que os humanos dizem, não era Lúcifer, pois este estava trancado em uma jaula.

Anjos tinham uma força maior principalmente contra os demônios, ainda assim não havia sido possível exterminá-los, já que o número de almas que iam para o sobsolo ainda era maior do que as que iam para o andar de cima. E apesar de tudo, os anjos não deveriam agir sem o consentimento de um superior.

Além das duas espécies, existiam outras dezenas. Vampiros, lobisomens e até bruxas eram algumas delas.

Ela não havia voltado para a terra muitas vezes desde sua morte. Nos primeiros momentos, apenas para ver seus pais que sentiram imensamente a dor de perder a única filha. Liz e Jacob também se sentiram além de tristes, culpados, porém não queria que preservassem aquele sentimento.

Até hoje, quando a humanidade vivia em pleno século vinte e um, era grande a vontade que tinha de reviver seu próprio tempo e estar ao lado daqueles que amou ao menos mais uma vez. Entretanto, mesmo se as almas alcançassem o Céu, se não haviam recebido o sinal, não tinham contato com os anjos.

Lembrava com saudades daqueles dias que apesar de difíceis, foram o período literalmente mais vivo que presenciara, quando uma voz grave e ao mesmo tempo aveludada, pronunciou:

– Sakura. –essa era a única coisa que manteve além de sua aparência e suas memórias: seu nome, Sakura Haruno.

...