Chuva

Chuva. Era a terceira curva que ele passava, e a lama subia a cada metro corrido. Já estava quase clareando. Ele decidiu aumentar a velocidade. Olhou para os lados. Faróis.

Um estrondo, e tudo virou.

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Ela entrou na sala, pequena, porém de cabeça erguida. Encarou os alunos presentes de um a um, e por fim, falou, elevando a voz.

- Bom dia. Nesse horário vocês teriam aula de Escultura, mas o professor de vocês não pôde comparecer...

Algumas palmas soaram, de coro com gritos de alegria.

-... Porque ele se acidentou.

Um silêncio reinou, quase instantaneamente.

- Não é grave, porém ele deverá se ausentar esse semestre, por medidas de precaução. Logo, vocês terão um novo professor.

Um braço se levantou no meio das cadeiras.

- Fale.

- Chiyo-baa-sama, e o que acontece com os projetos já iniciados? Hoje teria prova.

A velha sorriu, e caminhou até a porta. Antes de sair, virou o rosto.

- Isso, decidam com ele. Não se preocupem, é alguém em quem eu confio muito.

Assim que a imagem dela sumiu de vista, os passos foram ouvidos. Ele entrou, e caminhou até a mesa, sem dirigir nenhum olhar aos presentes. Podia se ver a gravata frouxa, na camisa social branca, com as mangas levantadas. Usava uma calça e sapato sociais, ambos pretos. Abriu a pasta lentamente. Depois, levantou o rosto.

- Prazer em conhecê-los. Akatsuna no Sasori. Serei o responsável pela matéria esse semestre – falou de forma calma, sem nenhuma expressão. Os olhos frios, contrastando com o rosto infantil, percorreram a sala rapidamente, parando no único aluno que não prestava atenção. Ele encarou-o, mas o menino continuava com o olhar distante.

A sala ficou em espera. Logo, uma mão se levantou no fundo da sala.

- Pode falar.

O menino se levantou, rindo, com algum burburinho em volta. A expressão do professor não se modificou.

- Sabe o que é, professor... Hoje nós teríamos uma prova e...

- Não terá mais. – cortou.

Houve risos, gritos e até assovios. Ele lançou novamente o olhar sobre o menino, que permanecia do mesmo modo. Continuou:

- Próxima aula vocês deverão trazer uma escultura que represente o período da renascença. Valerá metade da nota do semestre. Quem não trouxer, vai zerar.

Silêncio absoluto.

Foi quando uma bela menina, que parecia ser muito escandalosa, questionou o mais novo professor:

- Como é que é? Você nem chega, e já está mandando a gente fazer um trabalho que vale metade da nota pra uma semana, sendo que uma escultura dessas provavelmente vai demorar quase um mês para ser feita!

Realmente, qual foi mesmo o motivo que o fez ser professor...? Ah, é mesmo, a promessa. Não levava nenhum jeito com "crianças", nunca teve contato com elas e nunca se interessou por seguir tal carreira. Mas, com um pouco de esforço, respirou fundo e olhou-a de modo sério e frio, o que fez ela se calar.

- Primeiro, não admito que fale assim comigo ou com qualquer outro professor, pois isso é uma falta de educação. Imagino que todos aqui receberam educação nas suas respectivas casas. Segundo, não permito que gritem e se quiser falar algo, levante a mão. Por fim, sobre o trabalho, se você me deixar terminar de explicar, acho que você entendera não só seu propósito, mas também como eu o preferirei.

Cochichos como "ele é um chato"; "ele vai matar a gente" se proliferaram rapidamente.

- Como eu dizia... Quero com os seguintes elementos, vou escrever na lousa e creio que deveriam copiar, pois fora desses padrões o trabalho será zerado.

- Bem, - ele começou a escrever – o tema da pintura deverá estar entre o século 14 e 16, não importando em que área seja. Quero uma fundamentação teórica para a escolha. Caso seja baseado em alguma obra, você deverá citar o autor. A escultura poderá ser feita de qualquer material, porém espero que sejam inteligentes o bastante para ligá-lo ao tema principal.

Poucos minutos se passaram e todos estavam anotando, afinal, era de longe a matéria mais difícil do curso, onde poucos se sobressaiam. Todos?... Talvez não... O mesmo que não prestou atenção no que o professor lecionava, era o mesmo que não anotava. Parecia desinteressado ou simplesmente não queria e nem iria fazer o trabalho.

- Dispensados.

Ainda faltava cerca de 50 minutos para a aula acabar, mas nenhum aluno, por mais nerd que o fosse, decidiu contestá-lo. Em poucos instantes, a sala estava vazia. Finalmente o menino se levantou, sem nenhuma pressa e começou a guardar o material, que não foi usado. Sasori analisou-o. Usava calça e blusa preta, semelhantes a um colegial. Tinha a pele muito branca, e um cabelo preto escorrido relativamente curto.

- Seu nome. – o professor inquiriu.

O menino virou-se.

- Meu?

- Há mais alguém aqui?

Ele deu um sorriso visivelmente falso e caminhou até a mesa.

- Sai.

- Então, Sai, se você preferir, eu posso te dar a nota que você quiser e te dispensar das minhas aulas.

- Por que o senhor diz isso? – falou sem expressão.

- Se não está interessado na minha matéria, não vou obrigá-lo, mas pelo mesmo pareça interessado na explicação. Afinal, se fizer o trabalho diferente do que eu digo, vai zerar.

- Está dizendo que finjo mal?

- Eu não sou um especialista nisso.

- Professor, eu realmente ficaria feliz em ter a nota que quiser. È a única matéria na qual tenho dificuldade, mas, sinto em ter que recusar.

Dito isso, ele se afastou, e saiu da sala. O outro voltou sua atenção para a cadeira, vendo um pequeno livro sobre ela. Levantou-se e o pegou.

- Interessante...

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Ele passou pelo corredor, e ignorou os assovios. Passou a mão nas madeixas ruivas e entrou na coordenação, sem falar com ninguém. Estava cansado das pessoas daquele lugar. Tão tediosas...

- Bom dia, Sasori. Como foi a aula ontem? – a velha sorriu, e indicou a cadeira.

Pôs a pasta em cima da mesa dela e sentou-se.

- Previsível. Pode me passar o horário?

- Foi tão bom assim?! - a velha brincou com o mais novo professor, que parecia nem um pouco contente com a brincadeira

- Não imagina como - falou secamente.

- Você mudou muito!- disse de uma forma triste.

- Todos têm que mudar um dia.

- Gostava de seu antigo jeito de ser.

- Eu era um garoto ingênuo e estúpido, agora eu...

- Tem medo de se ferir, não é mesmo?

- Me passe os horários, por favor, tenho o que fazer.

- Está bem...

- Obrigado.

Mas antes que pudesse pegar totalmente o pequeno pedaço de papel, foi barrado pela mulher, que era sua avó, e com um sorriso cheio de amor perguntou:

- Não vai desistir?

- Eu nunca volto atrás com minha palavra.

- Algo lhe chamou atenção?

- Não. Por que diz isso?

- Liberou os alunos 50 minutos antes do combinado. Achei que algo tivesse ocorrido.

- Não, apenas fiz isso por que quis e não tinha mais nada a fazer.

- Fiquei sabendo que passou um trabalho para semana que vem, valendo metade da nota e errasse ou não entregasse no prazo correto, ficaria com zero.

- Se eu combino algo eu quero que cumpram, quero responsabilidade.

- Então... Era apenas uma brincadeirinha para testá-los?

- Ache o que bem entender, isso vai valer nota sim

- Esse caderno que está carregando... É de quem?

- De um menino alto de cabelos e olhos negros, ele acabou esquecendo.

- Menino alto de olhos e cabelos pretos que esteve na sua aula... Ele por um acaso seria o Sai?

- Sim, acho que é esse o nome dele.

- Um ótimo aluno, realmente. È um orgulho para mim. Ele é ótimo em todas as matérias só é ruim em esculturas... Você bem que poderia ajudá-lo, não é mesmo?

- Se eu o ajudar, terei que ajudar a todos.

- Pense no assunto.

- Até mais – levantou calmamente, e saiu da sala.

- Até...

Quando a porta se fechou e o ruivo passou, Chiyo deu um longo suspiro e sorriu do fundo do coração. Um sorriso fraco, mas sincero.

- Este vai ser um longo semestre!- olhou para a janela.

- O dia está lindo lá fora, com certeza será de grande ajuda para nossos artistas – disse a voz masculina

- E como será!

- Quer um copo d'água?

- Não, obrigada.

- Já está a tanto tempo em pé ouvindo minha conversa com meu neto, que pensei que você estaria com sede.

- Achou errado?

- Acha que ele vai conseguir?

- Ser um ótimo professor?

- Ele já é um ótimo professor, só que não sabe disso.

- Então do que está falando?

- Da promessa!

- Quem sabe... Só depende dele daqui em diante! Você não pode fazer mais nada além de esperar.

- Você tem razão...

- Eu sempre tenho razão!

- Metido.

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- Olá Sai!

- Olá, Karin.

- Já tem idéia de como vai fazer o trabalho que aquele professor passou?

- Não.

- Vai pensar hoje? Sabe temos pouco tempo para fazê-lo...

- Não.

- COMO NÃO? - falou indignada e alto, atraindo muita atenção para os dois - Quero dizer... Como não?

- Não estou com vontade de fazê-lo.

- E vai ficar sem nota?

- Depois eu penso, vou desenhar agora.

- Depois não vai reclamar da sua nota!

- Não vou reclamar.

E assim se foi a garota e o garoto em rumos diferentes. E em estados de espírito diferentes.

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O sol estava lindo, dava uma cor majestosa a tudo ao redor. O vento soava calmo, parecia que estava acariciando os presentes, o lago com os peixes estava dourado, o que lhe fazia ficar mais bonito do que já era. Aproveitando isso, um aluno concentrado desenhava, tanto, que nem pode perceber a presença de outro perto de si.

- Se... - deu um susto no garoto que estava desenhando.

- Professor! – disse com mais um de seus sorrisos falsos.

- Fora da sala não sou seu professor.

- Então, como eu devo te chamar?

- Estava tão distraído na aula assim, que nem ouviu meu nome?

- Desculpe-me.

- Sasori.

- Está bem Sasori, o que queria me dizer antes?

- Se você não apertasse tanto o lápis seu desenho sairia perfeito.

- Oh, sim... – disse, passando de leve a mão no papel – Obrigado, Sasori.

- Meu nome sai tão estranho vindo de você – disse, sem nenhuma expressão.

- Me desculpe, então.

- Não precisa se desculpar.

- Está bem então

- Já está escurecendo, seus pais devem estar preocupados, é melhor voltar.

- Eu não tenho pais.

O surpreendeu um garoto tão jovem como aquele sem pais, o que o fez recordar de seu passado rapidamente.

- Então vamos... Eu te levo em casa.

- Obrigada, mas passo.

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- Me parece que vou ter que reconsiderar a proposta de minha avó...

Sentou-se na beirada da grade da varanda e admirou a lua com o caderno do menino em suas mãos. Talvez tivesse um semestre interessante.