Nada nos prepara para o inusitado.
Mesmo aqueles que sobrevivem dele.
A sala da clínica tornava-se cada vez menor. As paredes brancas pareciam tomar-lhe o ar. Os dedos longos seguravam fracamente os papéis recém impressos.
- Você pode tentar um tratamento, sabe? – a enfermeira lhe disse.
Nada saiu dos lábios dele.
"É mais fácil suportar a morte sem pensar nela do que suportar o pensamento da morte sem morrer."
(Blaise Pascal)
O chacoalhar do ônibus parecia deixar seus pensamentos ainda mais confusos. Entre as mãos, embalado no papel marrom ordinário, o líquido âmbar dançava a sua frente, impedido pelas paredes da garrafa de vidro de espalhar-se mais.
O rosto inexpressivo não transparecia o vazio impresso dos olhos.
O Vazio.
Sua vida daqui para frente tinha o mesmo formato.
"A morte não se aproxima com trombeta."
Mas não se pode dizer que não vem de outras formas.
- Cigarro?
Ele virou a cabeça em direção a voz que não veio de muito longe. Entre as sombras, um pequeno vulto se aproximava tomando forma aos olhos enquanto se deslocava para o ponto de luz da rua.
Um sorriso tranquilo e cabelos de um encarnado forte; foi aquilo o que ele primeiro assimilou.
O fogo do fósforo pareceu fazer parte daqueles olhos castanhos, antes de ela extinguí-lo com um sopro que lhe arrepiou os pêlos da nuca.
Quando se está perdido nos agarramos ao primeiro foco de luz...
- Aceitar uma mão amiga, às vezes, pode nos tirar do buraco.
- E quando se quer apenas se enfiar em um?
Ela sorriu, os dentes à mostra.
- Você não quer morrer, Draco.
- E quem disse?
- Trocar uma chance de cura por uma morte precoce? Não me parece o seu estilo de vida.
- Tem alguma idéia melhor?
- Salvação. – seu tom sóbrio não a livrou do sorriso sarcástico que brotou dos lábios dele.
- Você não faz parte de alguma "Ode às almas", certo?
- De certa forma.
- Você quer o quê? Me convencer de que Jesus me ama e me fazer entregar a alma a ele?
- Não era bem essa a idéia.
- Então..?
- Eu curo você. Você me concede a sua alma.
- Para quê? Pra salvá-la? – ela não respondeu. Ele sorriu ainda mais, otimizado pelo momento cômico. – Você me cura em troca da minha alma pagã. Onde eu assino?
- Não é assim que eu fecho o contrato. – ela disse. A voz rouca.
Os olhos dele reluziram em malícia e o rosto ficou próximo dela, ainda ereta e com o mesmo sorriso sóbrio nos lábios. O olhar cinza foi para eles. Os próprios lábios foram molhados pela língua antes dele dizer:
- Então me mostra.
O único sorriso aberto dela naquela noite foi antes de sentir os lábios dela nos seus. Se ele prestasse a atenção teria visto os olhos castanhos crisparem com um fogo incomum. E foram eles que o acompanharam quando a confusão em sua cabeça começou.
N/A: Esta fic é universo alternativo, como pode-se notar... Um novo projeto de DG que espero que dê certo. Interessados?
