Aprendizado
Ele não sabia escrever. Nascera na roça, há nada menos que sete décadas... e sempre ganhara o sustento da terra. E então...? Como fazer para lidar com aquilo?
Um belo dia, seu neto lhe disse para aprender a escrever. Seu Honorato olhou as mãos, calejadas pela idade e por uma vida inteira trabalhando na terra... e riu.
- Oh, meu neto... como ocê quer que eu escreva? Dá não... a cabeça num vai, a mão num deve ir tumém...
- Vai sim, vô! - respondeu o rapaz – Nunca é tarde pra aprender! Tem gente mais velha que o senhor que tá voltando a estudar! Vai lá...
Contrariado e ainda achando aquela ideia muito maluca, seu Honorato se matriculou no EJA (Ensino de Jovens e Adultos). A secretária escolheu justamente uma turma de pessoas mais velhas, para que seu Honorato não se sentisse discriminado pela juventude.
E assim foi. No começo foi difícil, mas depois as letras foram saindo. E as curvas... e as garatujas se transformaram em seu nome enfim.
O senhor olhou seu nome, satisfeito. Quem diria que seu nome teria aquele feitio!
Tomou gosto e continuou aprendendo, até saber ler e escrever fluentemente. Não foi fácil nem rápido, mas ele conseguiu.
E com o tempo, sozinho em casa... tinha vontade de escrever. Imaginava coisas desde pequeno, contava-as para as paredes e para os bichos, mas queria imortalizá-las de alguma forma.
E escreveu. Devagarzinho, mas escreveu. Logo, o neto olhou e quis levar pra uma editora. Contou toda a história sofrida do avô, da vida na roça, do aprendizado tardio nas letras. A editora achou um barato as histórias da roça contadas daquela maneira por um senhor de idade, e publicou. E além disso, seu Honorato, não contente em ser só inscritor, se candidatou a voluntário para ensinar a ler e a escrever. Como um dia fizeram com ele.
Foi assim que, aos setenta e cinco anos, seu Honorato virou escritor e professor.
FIM OoOoOoOoOoOoO Homenagem a Seu Orfeu, meu aluno e ao mesmo tempo meu sensei de karatê, o qual aos 75 anos resolveu aprender inglês e me apresentou ao Caminho das Mãos Vazias.
