Escócia,
Dez anos atrás, um garotinho de cabelos compridos, castanhos com um brilho singular de vermelho assistia ao lado de seu padrinho a chegada de uma nobre família inglesa em suas terras. Todos os habitantes do pequeno povoado os recebiam com mimos e atenções dignos do próprio rei.
O garotinho franziu a testa enquanto os observava atentamente, seus olhos verdes cheios de vida contrastando com as roupas surradas de cor puída entre o marrom e o verde escuro. Com a mão esquerda apoiada firmemente sob seu pequeno e magro ombro, um homem bastante alto, com garbosos cabelos negros e rosto pálido como a morte, o temido pirata Gancho, seu guardião.
O pirata assistia a tudo com uma expressão de desgosto absoluto enquanto apertava agressivamente os dedos pontiagudo no ombro do pobre menino o obrigando a olhar o feliz casal Darling com seus dois estimados filhos.
O primeiro Darling a ser visto era um homem de porte ameaçador, com cabelos e olhos profundamente castanhos no auge de seus trinta e poucos anos, Edward Maxuell Darling. Ao seu lado uma mulher de cacheados e brilhantes cabelos loiros e olhos de um azul tão claro quanto o céu.
-Estas vendo Peter?
A voz rouca e amargurada de Gancho alcançou venenosamente os ouvidos do garoto.
-Olhe bem meu caro, aqueles são os culpados da ruína e morte de seus pais! Não se deixe enganar pela falsidade de seus sorrisos, Edward traiu a confiança do seu pai, tudo por culpa de uma única mulher... Wendy Darling! A criatura mais traiçoeira e inescrupulosa que já conheci.
Confidenciava o velho pirata rancorosamente esfregando o gancho de metal de sua mão direita perigosamente próximo ao pescoço de Peter. Tentando compreender o ódio de seu padrinho pelos culpados da morte de seu pai o menino voltou a encará-los severamente.
Segurando orgulhosamente a mão direita de Edward, estava uma pequena menina de olhos tão azuis quanto a sua mãe e curtos cabelos escorridos e loiros escuros enquanto desfilava em seu requintado vestido lilás.
E escondido nas saias de Wendy, um pequeno garotinho de no máximo quatro anos de idade tenta abraçar um cachorro do seu tamanho, que escapando dos braços do menino voltou-se para a filha mais velha do casal dando-lhes uma vistosa lambida no rosto delicado arrancando uma deliciosa gargalhada de Wendy.
Peter sentiu o peito doer, pareciam felizes, uma família de posses, nobreza e muito respeito, os olhos verdes de Peter não saíam da garotinha, que além de rica, tinha seus pais, um irmão e um cachorro, roupas novas, presentes e certamente não passava necessidades como ele.
-Está prestando atenção neles Peter?
Questionava o pirata friamente.
-Essa era para ser a sua vida! Era a você que esses camponeses ingratos deveriam aclamar e não a essa corja de traidores imundos, consegue me entender Peter?
O menino tão nervoso quanto assustado com os conflituosos sentimentos de raiva, apenas concordou com seu padrinho enquanto assistia a caminhada dos traidores dos seus pais para uma estalagem da região.
-Um dia Peter, conseguiremos tudo de volta! Um dia vingaremos seus pais causando a dor à Wendy e Edward Darling!
Jurava Gancho levando o jovem garoto com ele para longe do povoado.
CAPÍTULO UM
Londres,
Numa noite especialmente calma e estrelada de verão, velas e lustres de cristal iluminavam requintadamente o interior do salão daquele belo casarão vitoriano cercado por um vistoso jardim de rosas rubras como o sangue.
Havia agitação e exclamações de criados por todos os lados, mesas repletas dos mais finos pratos, porcelanas orientais, guardanapos bordados a fio de ouro e cidra da melhor qualidade.
No grande portão de entrada avistava-se as luxuosas carruagens que não paravam de chegar trazendo personalidades importantes da sociedade londrina, afinal era a filha mais velha de Edward e Wendy Darling que estaria casando nesta maravilhosa e esperada noite de 20 de agosto.
De onde Peter Pan estava, escondido sobre as sombras dos muros de videiras, ele conseguia enxergar pelas imensas janelas a movimentação do interior do salão, no centro, rodeado por flores e castiçais, encontrava-se o altar armado como um palco extravagante de um teatro onde o sacerdote de meia idade e poucos cabelos abençoaria a união dos noivos.
Mais adiante, o irmão mais novo da noiva, Daniel Darling, brincava com seus amigos e colegas enquanto seus pais recebiam os ilustres convidados, com desgosto percebeu a chegada do noivo, alto de olhos escuros e expressão arrogante, virtualmente detestável.
Todos pareciam em êxtase, o primogênito do almirante real da coroa inglesa desposaria a herdeira Darling levando o nome da família para os brios da sociedade londrina e pela primeira vez naquela noite, ele percebia o olhar de felicidade nos olhos da senhora Wendy Darling.
Mas caso o plano de Peter saísse como planejado, nenhuma cerimônia matrimonial seria realizada tão breve. Aprumando o chapéu sob os rebeldes cabelos cor de cobre, ele estreitava os temíveis olhos verdes em direção à janela do primeiro andar, onde estaria a jovem noiva a se preparar.
Mal sabia a mocinha que esta noite não guardaria a felicidade de um casamento nobre, mas, a reviravolta dos tramites do destino, a realização tão esperada de uma vingança que perdurava quase vinte anos.
Esperou por tanto tempo a oportunidade perfeita para levar a cabo seu plano de vingança perfeito, raptando a filha favorita de Wendy e William. Esteve observando-os nos últimos anos com perícia e desconfiança, conhecia todas as rotinas, planos e negócios daquela família, mas nada do que poderia fazer causaria tamanho sofrimento se comparado a importância que davam a sua primogênita Jane.
Agora era questão de tempo, não de sorte, para levar a noiva sem levantar muitas suspeitas. Peter no auge de seus dezenove anos já não confiava na sorte, sabia que manter a mente fria era a melhor arma para se executar uma vingança à altura do que seu padrinho Gancho esperava. Anos em alto mar com piratas da pior espécie o ensinaram a agir sempre com cautela e a sempre e unicamente confiar em seus instintos.
Sempre fora assim, independente, nunca conseguira nada facilmente, sua vida toda fora atormentada com os fantasmas do passado de seus pais e do ardente desejo de vingança inflamado por seu padrinho pirata.
No entanto, esta noite, a sorte estava-lhe a favor. Fora com espanto e ceticismo total que Peter percebeu já não ser mais preciso pular na janela da jovem noivinha. Caindo graciosamente sobre o gramado verde, uma corda longa improvisada de lençóis brancos diretamente do quarto de Jane Elizabeth Darling.
A primeira coisa que Peter viu, foi a perna delicada, levemente arredondada e a sua coxa graciosamente firme, protegida pela meia branca de ligas azuis, sair habilmente pela janela, seguida por outra, e em instantes a saia rendada e repleta de babados brancos do que seria um dos vestidos de noiva mais caros de Londres.
Assim que sentiu-se segura, Jane apertou as cordas com as mãos e permitiu tirar o corpo inteiro do peitoril da janela, exibindo desta forma, o justo e ousado corpete de cetim e seda trabalhados em bordado delicados. Seus cabelos presos no alto em um elegante penteados adornados de grampos com pingentes de pérolas que destacavam os cabelos claros e acetinados.
O rosto da Darling estava corado, e Peter percebeu um misto de hesitação e determinação no olhar dela, e por fim, num baque surdo e quase perfeito Jane chegou ao chão. Preocupado com a inesperada fuga da sua vítima, Peter averiguou rapidamente o jardim em busca da presença de um possível amante que estivesse á espera da noiva, não era fora do comum jovenzinhas fugirem de casa para aventurarem-se nos braços de um amor proibido embaladas por uma paixão ridícula e passageira.
Ele precisaria agir rápido, mesmo com um escândalo de um amante, sua vingança não deveria ser interrompida, seria ele, tão somente ele a causar a ruína e humilhação de Wendy e Edward e não um almofadinha qualquer.
Fechando as mãos em punhos em volta do punhal que carregava no cinto, Peter percebeu que não encontraria nenhum suposto amante, já que era ele o único homem naquele jardim deserto. Com um fantasma de um sorriso, ele voltou sua atenção para a bela Jane Darling novamente.
A noiva resmungava baixinho distraidamente, enquanto sustentava suas saias pelas mãos delicadas e enluvadas.
-Maldito Gabriel Smith!
Repetia Jane adentrando na escuridão do jardim de rosas, se aproximando ainda mais de Peter. O rapaz não escondia a surpresa em seus olhos ao ouvir os lamentos da Darling sobre seu futuro marido, se não existia um amante, qual a razão para a fuga da noiva horas antes de subir ao altar?
Respirando fundo, Peter decidiu intervir, já era hora de fazer sua presença conhecida por sua vítima, especialmente agora que encontravam-se numa área isolada do jardim.
-Falando sozinha milady?
Intervém Peter numa galante reverência á jovem que empalideceu sobressaltada.
-Oh Deus! Que susto me destes!
Repreendia Jane ofegando em nervosismo ao ser pega de surpresa. Peter mantinha um sorriso cordial em seus lábios enquanto deliciava-se com a inquietação da moça.
-Peço minhas mais sinceras desculpas!
Responde Peter com um floreio exagerado do seu chapéu fazendo a jovem noiva soltar um suspiro exasperado olhando em volta alarmada.
-Deves ser um dos amigos brincalhões do Danny!
Diz impaciente Jane prestando mais atenção na forma como o rapaz vestia-se, calças e coletes escuros sob uma camisa de linho imaculadamente branca, sob os ombros largos, usava uma pesada capa em tons esmeralda e na cabeça um chapéu da mesma cor com uma pena vermelha. Notadamente vestido como um aristocrata de classe.
-A esta hora as noivas costumam estar em seus aposentos e não no meio de um jardim sombrio!
Provocava o ruivo percebendo Jane corar fortemente com seu comentário.
-Certamente senhor, mas... mas desejava tomar um pouco de ar fresco antes de subir na forc.. no altar é claro!
Responde irritada a jovem de intensos olhos azuis. Peter teve que morder a língua para não rir.
-Jamais pensaria o contrário milady, afinal é bastante comum damas descerem de suas janelas com lençóis, ignorando a existência das escadarias não é mesmo?
Insistia Peter diante do choque no rosto delicado de Jane. A jovem filha de Wendy era conhecida por toda Londres como uma das maiores e mais desejadas beldades desde seus tenros quatorze anos, no entanto o que mais destacava-se na menina era sua personalidade marcante e sua independência.
-Em primeiro lugar meu senhor, posso sair dos meus aposentos da forma que melhor me convier, e segundo, este jardim não é sombrio, mas sim o mais refinado jardim de rosas de toda Inglaterra!
Defende-se fervorosamente Jane apertando as mãos em punhos ao lado do corpo enquanto estreitava os olhos para ele furiosamente.
-Tens razão milady, não tornarei a intrometer-me em vossos assuntos novamente!
Garante Peter com ironia enquanto andava distraidamente ao lado dela, a levando cada vez mais para longe do casarão sem que ela percebesse.
-Que o seja!
Responde Jane virando-lhes as costas e erguendo o rosto com altivez preparando-se para seguir com sua fuga quando Peter pronuncia-se novamente a fazendo congelar.
-O que será que Gabriel pensaria se soubesse disso?
Foi o golpe de misericórdia, depois disso a bela Jane Darling prendeu a respiração com força esperando ser entregue ao noivo.
-Você não faria isso, faria?
Pergunta completamente desesperada Jane.
-A questão milady, é porque eu não deveria fazer isso?
Rebate sagaz o ruivo olhando de soslaio para ela, mesmo que por dentro estivesse a cantar vitória por seu plano sair melhor do que imaginava, não conseguia evitar admirar a beleza rebelde à sua frente. Jane Elizabeth Darling estava maravilhosamente linda em seu vestido de casamento, as pérolas em seu luxuoso colar e braceletes apenas serviam para torná-la mais desejável ainda, os lábios avermelhados, o nariz empinado, a pele clara de aparência suave, as curvas perfeitas de seu corpo e a voz tão sedutora quanto exigente.
A menina que vira há tantos anos na Escócia tornou-se definitivamente uma bela e desejável mulher. No entanto, Peter optou por ignorar esse fato.
-Me enganou!
Acusa ferozmente a noiva apontando o dedo para o peito do ruivo.
-Me deixou pensar que era um dos amigos do meu irmão quando és mais um comparsa de Gabriel Smith!
Praticamente gritava Jane ficando com o rosto completamente vermelho. Peter deu de ombros antes de responder.
-Nunca a enganei milady, o fizestes sozinha! Jamais disse ser amigo de Daniel Darling ou Gabriel Smith!
Diz solenemente Peter com um sorriso de canto, percebendo-se gostar da breve discussão com a jovem noiva em fuga.
-Como é descortês senhor!
Repreende Jane colocando ambas as mãos na cintura fina como uma mãe que dá bronca no filho levado.
-Vindo da noiva covarde... não me parece tão ofensivo assim!
Exclamou Peter cruzando os braços sobre o peito assistindo com satisfação a expressão de pura indignação de Jane.
-Covarde?
Repete incrédula a noiva.
-Mal me conheces e me julgas por covarde?
Continuava furiosamente Jane espetando o dedo no peito de Peter intimidadoramente.
-Quem disse que não a conheço milady?
Sibilou Peter ameaçadoramente antes de segurar com força o pulso da jovem noiva e arrancar de seu bolso um lenço embebido de sonífero e colocá-lo sobre o rosto de Jane.
A noiva rebelde ainda tentou desesperadamente se defender, agitando os braços e pernas para o alto, agarrando com força as mãos do homem, mas seus esforços não tinham efeito diante e toda a força de Peter Pan.
Em poucos instantes, Jane desmaiou. Sentindo o coração acelerado e as mãos tremerem em ansiedade, Peter deitou Jane sobre a grama verde e tirou-lhe os braceletes, brincos, colar e presilhas e jogou-os no meio do jardim, ele poderia ser muitas coisas, mas nãoera um ladrão.
Depois de desfazer-se das jóias, ele deixou um pergaminho com um brasão de um navio sendo guiado por duas estrelas sob suas velas erguidas, o tão temido símbolo de Neverland.
Voltando-se para Jane, Peter arrancou o punhal do seu cinto e rapidamente cortou a saia do caríssimo vestido de noiva até que estivesse na altura dos joelhos dela. Logo depois disso ergueu-a do chão colocando sua capa sobre ela escondendo por completo o que restava de seu vestido.
Dessa forma seria mais fácil seguir até o porto sem levantar suspeitas, pois todos a confundiram com uma prostituta bêbada qualquer! E com orgulho e satisfação Peter levava a filha favorita de Wendy e Edward para longe, para Neverland, onde sua vingança finalmente aconteceria.
-oOo-
Primeiríssimo capítulo online junto com o prólogo! Esta fic é uma adaptação maluca de dois romances que já li com umas pitadinhas da minha imaginação sobre Peter Pan e Jane Darling!
Justificativa:
Simplesmente me encantei por esse shipper, nada contra Wendy, até achava bonitinho quando era criança, mas depois que assisti "De volta à Terra do Nunca" me identifiquei muito com Jane, ela me cativou bastante, teve sua infância levada pelas dificuldades de uma guerra, e mesmo tão jovem cuidava do irmão e da mãe!
Ela foi a primeira criança a literalmente desafiar Peter, a desejar sair da terra do nunca, a se tornar a primeira garota perdida, mesmo prejudicando Peter, Sininho e os outros garotos, ela não pensou duas vezes antes de levantar uma espada e salvar Peter! Por isso acredito que a presença de Jane em Neverland foi muito mais marcante do que qualquer outra criança para Peter, ela o intrigou, questionando-o e indo contra suas "ordens". Definitivamente ela conseguiu um lugar muito especial no coração do menino que nunca cresce e isso me fez adorá-los juntos!
PS: Correção relâmpago graças à minha primeiríssima leitora oficial Kira-chan \o/
