Capítulo 01 – Entre Mortes e Memórias
Olhei em meu relógio de pulso enquanto mantinha meu lábio inferior preso entre meus dentes. Quinze segundos. Apenas mais quinze segundos e eu poderia entrar em ação.
Meu relógio estava sincronizado com o de Jasper, se eu ou ele adiantássemos um segundos sequer... tudo podia dar absurdamente errado. Por isso eu devia esperar ali, no início da escada, sabendo que Jasper subira pelo lado de fora do prédio, usando as escadas externas, daquelas que os prédios mais antigos possuem pra serem usadas em caso de incêndio. E elas eram muito usadas realmente, menos nos casos de incêndio.
Cinco segundos. Segundo informações, eles estavam se reunindo logo acima de minha cabeça, no telhado do edifício. Quando eu subisse aqueles degraus e saísse pela porta, tinha que estar certo de que Jasper estaria a postos, escondido no alto das escadas de incêndio, pronto pra ação.
Sabia que ele não estaria no meio de seus simples lacaios, mas eu precisava de informações precisas sobre as coisas grandes que estavam sendo tramadas na surdina. E eu sabia que aqueles caras que estavam trocando informações no alto do prédio me dariam o que eu tanto buscava.
Dois segundos, isso seria o suficiente. Apertando minha arma com firmeza em minha mão direita, segurei o corrimão pra me dar o impulso necessário, eu subindo os poucos degraus em tempo recorde. Então, quando eu sabia que o ponteiro do relógio terminava a contagem regressiva, eu escancarava a porta em um estrondo, berrando a usual frase a plenos pulmões.
- Parados! Aqui é a polícia! – bem, eu não era simplesmente a polícia, mas isso era mais do que suficiente pra fazer qualquer pessoa suspeita simplesmente entrar em ação: correr ou atirar.
Pude ver brevemente que estavam em dois deles, assim como me haviam informado. As informações eram todas verbais, ou seja, eles não traziam nenhum papel em suas mãos. Wolf era o bandido mais desgraçado e esperto que eu conhecia. E a quem eu perseguia há mais de cinco anos.
Vi quando um deles puxou rapidamente sua arma, começando então a atirar em minha direção, ambos buscando o pilar que sustentava a caixa d'água que abastecia o prédio pra se verem livres de meus disparos. Mas Jasper fizera bem sua parte, pois surgiu por um dos lados do prédio, berrando enquanto apontava sua arma diretamente pros mal elementos que estavam ocultos de minha mira, mas não da dele.
- Abaixe essa arma ou eu atiro! – era um aviso. Percebi que ele não tinha sido ouvido quando dois disparos secos soaram, o barulho de um corpo que caía chegando até mim. Mais do que depressa, corri em direção ao pilar, antes mesmo de chegar vi Jasper com a arma em punho, apontada pro único homem vivo ao qual acuávamos. O outro eu pude vislumbrar assim que cheguei ao lado de Jasper, o sangue que provinha dos buracos da bala em seu peito já escorrendo pelo chão de concreto batido.
- Não tente nenhuma gracinha ou terá o mesmo fim! – rosnei também apontando minha arma pro homem que estava a nossa frente, de costas pra rua, movimentadas àquelas horas, e de frente pra nós, que o acuávamos. – Só queremos conversar, nada mais do que isso.
- Eu sei o que vocês querem. – ele disse entre ofegos que era sua respiração, seus pés recuando pra mais perto da beirada do teto. – Vocês querem informações, não é, seus malditos?
- Vocês sabiam que viríamos? – perguntei enquanto semicerrava meus olhos, sentindo cheiro de armação ali. Ele gargalhou me fazendo trancar meu maxilar pela fúria. Sim, era uma armação. Eles eram apenas as malditas cobaias! Apenas algo pra nos distrair enquanto poderiam trabalhar livremente em outro lugar, longe dali.
- Você jamais acabará com os Dark Killers. – ele disse com um riso arreganhado e um olhar fanático em seu rosto. – Wolf reina. – novamente aquela maldita frase enquanto ele fazia o maldito gesto que me perseguia até mesmo em meus pesadelos: os braços cruzados em X, pressionados contra o peito. Uma demonstração viva do símbolo que todo assassino daquela maldita organização deixava na cena do crime: uma caveira com dois ossos cruzados.
Perdi minha cabeça naquele momento. Nem mesmo quis saber se ele não tivera tempo de puxar sua arma, sendo assim inofensivo pra nós dois. Com um rugido de fúria, simplesmente descarreguei minha arma no cretino, que pareceu dançar no ar por um momento enquanto recebia meus disparos, um a um. O odioso sorriso de superioridade ainda estava lá quando o corpo já sem vida perdeu o equilíbrio, caindo pra trás e deslizando pela borda do teto, indo se espatifar na calçada lá embaixo.
- Você enlouqueceu? – Jasper bradou incrédulo, seus olhos me encarando a espera de uma resposta. Pra que dizer se ele já sabia da resposta?
- Ele mereceu, esse infeliz filho da puta. – rosnei e então apontei pro corpo baleado caído a nossa frente. – Pra todos os efeitos, aquele reagiu assim como esse o fez. Fim da história.
E rumei pra porta que me levaria de volta às escadas, Jasper logo me seguindo. O caminho até o carro foi feito em silêncio, Jasper então fazendo uma ligação pra informar das duas mortes que haviam acontecido em nossa missão. Nossa missão fracassada, é importante frisar.
- Que porra! – rosnei assim que entramos no carro. Soquei o volante com força. – Mais uma vez aquele maldito fugiu! Mais uma vez aquele infeliz nos faz de palhaços, Jasper! Mas eu não me dei por vencido, mão mesmo. – disse mais pra mim do que pra meu parceiro, que permanecia calado ao meu lado. - Ainda pegarei o Wolf. Aquele filho duma puta...
- Não duvido disso, cara. Não mesmo. – Jasper disse naquele seu tom calmo. – Mas, se quer um conselho, é melhor ir com calma. Sei que está com raiva, pois estamos atrás do Wolf há muito tempo e ele sempre arruma um jeito de escapar por entre nossos dedos, mas ficar irritado e esmurrar tudo o que ver pela frente agora não adiantará de nada.
Massageei minhas têmporas enquanto suspirava. Wolf não poderá viver fugindo. Eu o pegaria. Mais cedo ou mais tarde. Jasper tinha razão, devíamos manter a mente fria e objetiva, só me atrapalharia perder a cabeça naquele momento. Encostei minha cabeça no banco enquanto suspirava.
– Aquele merda pode fugir quantas vezes quiser, mas uma hora ou outra ele dará um deslize e ai sim eu colocarei minhas mãos nele. São cinco anos, Jazz! Cinco anos trás desse marginal. Só me contentarei no dia em que estiver cara a cara com ele.
Chequei se a arma estava com munição e empunhei a mesma. Só em falar no desgraçado, o meu sangue fervia e meus dedos comichavam... Jasper estava no mesmo caso que eu, mas só agora. Ele estava atrás de Wolf há mais de um ano. Eu estava atrás do mesmo há mais de cinco.
- E você vai fazer o que? Pegar essa arma e sair por aí apontando pra todo mundo, perguntando se conhecem o Wolf? Acha que assim o irá encontrar? – Jasper riu revirando os olhos. Ok, eu ali todo enfezado e ele fazendo piada. Era nessas horas que eu tinha vontade de dar um belo tiro nas bolas dele. - Ele pode ser tudo menos burro. E já nos provou isso, você bem sabe. – sim, ele merecia não apenas um, mas três tiros nas bolas. Um em cada uma delas e o terceiro pra dar sorte. - Não é a toa que está atrás dele há anos, mas o que você precisa é ter paciência. Wolf sabe que você está atrás dele e quer exatamente isso. Que você perca o controle e aja de cabeça quente, por impulso, e vá atrás dele. Você tem que pensar com a razão e não com a emoção.
Por mais puto que Jasper pudesse parecer às vezes, ele estava totalmente com a razão. Por um momento pensei em suas palavras e soltei um suspiro resignado, guardando minha arma.
- Você está certo. Não pensarei nisso... Por enquanto. – liguei o carro, saindo dali. Já ouvíamos as sirenes da polícia se aproximando junto com a ambulância, provavelmente. Mera formalidade já que os desgraçados estavam mais do que mortos.
- Espera! – Jasper disse num rompante, me assustando. Mas revirei meus olhos ao perceber que ele ria, debochado. - Edward Cullen está dando o braço a torcer e ainda me dando razão? Cara, ganhei meu dia. – ele riu da própria piada.
- Vai à merda, Jasper. – resmunguei enquanto virávamos em uma esquina. – Vamos passar naquele prédio lá, do Conselho Tutelar, antes de voltarmos a base. – informei meio sem vontade.
- Ah, sim. – ele se lembrou. - É hoje que você vai pegar a guarda da Alice em definitivo, não é?
- Sim é hoje. – assenti. – Como você sabe, meus pais morreram em um acidente de carro há duas semanas. – engoli em seco só em pensar no caso. Que maldito filho da puta eu fora! Esnobe e egoísta, preso em minha própria dor durante aqueles anos... - Mas eu só soube depois, por causa da minha falta de contato com eles. Eu sou um grande filho da puta. – verbalizei em um rosnado.
- E como a sua irmã esta encarando tudo isso? - Jasper perguntou com certo receio. Sim, éramos amigos. Na verdade ele era o único amigo com o qual eu ainda mantinha contato depois de tudo. Mas minha vida pessoal... bem, esta sempre parecia ser um tipo de tabu pra mim. - Já conseguiu conversar com ela?
- Não. – suspirei. – Eu até que tentei vê-la, mas ela se recusou a falar comigo. Está chateada por causa do meu afastamento.
- E não é para menos. – me olhou repreendedor. – Eu entendo e sei que o falecimento de Victoria tenha o abalado profundamente, mas se fechar e perder o contato com a família não foi a coisa mais sensata a se fazer. E você sabe disso.
Odiava quando ele tocava naquele assunto.
- Não comece, Jazz. – o alertei, mas ele ignorou como sempre fazia.
- Eu sei que ainda esta recente, mas você não pode ficar se culpando por algo que você fez somente para se defender. Agora que aconteceu e você fez a burrada de se afastar de tudo e todos por causa disso, conserte seus erros tentando se aproximar de sua irmã. É o mínimo que você pode fazer.
Eu não disse nada e Jasper também não deu mais nenhuma palavra. Ele sabia o quanto falar sobre a morte de Victoria mexia comigo. Inconscientemente suas palavras trouxeram de volta lembranças as quais eu queria muito banir de minha mente. Mas estas, como uma punição divina, sempre me vinham, eu estando dormindo ou acordado.
Estava chegando em casa depois de mais um dia exaustivo de trabalho. Eu era agente secreto, tendo me casado com Victoria três anos antes, ocultando dela tal profissão. Aos seus olhos, eu era um mero empresário. Suspirei ao trancar a porta pelo lado de dentro, pronto pra mais uma sessão de discussão de casal. Ela estava insuportável nos últimos meses, sempre me acusando de a estar traindo, de mentir pra ela, de enganá-la.
Eu não podia lhe contar o que fazia. Já tinha me arriscado e muito ao me envolver e me casar com ela. Mas nada pudera fazer já que com Victoria... bem, eu simplesmente me apaixonara. Depois de várias noites de sexo ardente, a pedi em namoro. Meses depois, em casamento.
E então, três anos depois, eu estava pronto pra mais uma de suas explosões ciumentas.
Logo no hall da entrada, dei de cara com Victoria. Mas não foi isso o que me surpreendeu no momento, e sim o que ela segurava: Uma arma. E eu conhecia aquela arma...
Era minha. Mas... ela estava no meu escritório? Trancada em meu escritório? Como ela tinha a achado lá?
Victoria fora esperta. Se apossara de minhas chaves e fizera cópias, entrando então em meu escritório quando eu não estava em casa. Sabia que ela não abrira nenhuma das gavetas onde eu guardava documentos confidenciais, mas também sabia que a arma estava numa das gavetas que não estavam trancadas.
E ela a encontrara. Logo depois de ter visto as fotos de um de meus casos (não extraconjugais, mais sim de trabalho), todas reunidas em uma pasta.
Como previsto tivemos mais um discussão. E mais gritos vindo de Victoria, que manipulava a arma de forma bem amadora. Meus olhos não se despregavam de suas mãos, já prevendo uma tragédia.
E mais e mais acusações de traições. Mas, em certo momento, ela ergueu a arma e apontou pra mim, dizendo que eu estava a traindo, dizendo que se eu não ficasse com ela não ficaria com mais ninguém. Eu não vi alternativa a não ser tentar desarmá-la. Mas no momento que fiz isso... o gatilho disparou.
Eu pensei que fora eu o atingido, por isso esperei. Esperei pela dor que não veio. Não veio pois a arma não disparou contra mim, mas sim contra Victoria.
Eu tinha matado o amor da minha vida.
Vi o choque passar pelos seus belos olhos azuis, e sabia que o mesmo choque estava estampado em meu rosto. Eu estava em um estado de inércia, desacreditado do que tinha acabado de fazer.
No que tinha acabado de acontecer...
Ver o sangue manchando a sua blusa me fez acordar do meu estado de torpor.
- Victoria. – murmurei incrédulo, enquanto erguia minha mãe e acariciava seu rosto. Então a realidade me atingiu como um tapa na cara.
Ela estava morrendo... seus olhos ficaram sem vida e lentamente foram se fechando.
Eu me desesperei.
Chorei.
Berrei.
Sacudi seu pequeno corpo, querendo que ela voltasse à vida... que ela voltasse para mim.
Mas isso não aconteceu, porque ela tinha morrido. Tinha fechado seus lindos olhos pra sempre.
Eu a tinha matado, e isso não mudaria. A culpa sempre me corroeria... e no caso de eu me esquecer, Laurent, o irmão de Victoria, jamais se cansaria de lembrar. Era pra ele que minha falecida esposa chorava e desabafava, falando sobre minhas supostas traições e mentiras. Pra ele, eu sempre seria seu assassino. E teria que arder no fogo do inferno pra pagar.
De certa forma, ele estava totalmente certo. Eu devia mesmo sofrer o inferno e mais um pouco por ter causado a morte do amor de minha vida.
Voltei para a realidade com barulho das buzinas. Lancei um rápido olhar para o semáforo e vi que estava verde. Mais uma vez eu me desligara do real pra mergulhar em meus fantasmas. Os fantasmas que me seguiam sempre nos últimos dois anos.
Olhei para Jasper e constatei que ele estava observando a rua ao nosso redor, disfarçando o que eu estava cansado de saber. Ele sabia no que estava pensando. Ele sempre sabia.
Chacoalhei minha cabeça querendo afastar tais pensamentos. Ele estava certo, agora eu devia me preocupar com Alice. Ela precisava de mim.
Seguimos a trajetória sem trocar uma palavra. Jasper respeitou o meu silencio e não insistiu mais no assunto.
Depois de alguns minutos rodando pelo trânsito caótico de Nova Iorque, chegamos ao prédio no qual Alice me aguardava. É, era a hora de voltar mesmo a realidade e cumprir com minhas obrigações.
Pois agora eu tinha uma irmã adolescente pra cuidar.
...
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