Ilusão de Liberdade

por Ireth Hollow


– Tens a certeza?

Ignorei a súplica presente na sua voz, certa de já não poder recuar na minha decisão.

– Sim.

Harry fechou os olhos, cansado. Apeteceu-me passar a mão pela sua face, dizer-lhe para esquecer o meu pedido e a desconfiança que tal lhe despertara. No entanto, sabia que, enquanto não visitasse a campa de Voldemort, a minha relação com Harry seria sempre assombrada por esse fantasma. Por isso, limitei-me a envolver a sua mão com as minhas, numa tímida tentativa para o fazer voltar à realidade. Funcionou; ele fitou-me intensamente, por momentos, antes de desviar o olhar e começar a caminhar.

Não prestei grande atenção ao trajecto. À medida que a visão do rodopiar das folhas se ia tornando cada vez menos nítida, as minhas recordações iam ganhando força, ao ponto de quase me convencerem de que eu já não estava a caminhar numa fria tarde de Outono, mas sim na Câmara dos Segredos.

– É aqui.

As palavras dele fizeram-me regressar ao presente. Intimamente, agradeci-lhe por me despertar daquele transe, por me libertar outra vez do domínio de Tom. Contudo, seria eu verdadeiramente livre? Gostava de acreditar que sim, que as amarras que me prendiam a ele já tinham sido totalmente cortadas. Mesmo assim, não pude deixar de me perguntar o que raio é que eu estava a fazer em frente à pedra tumular de Voldemort, quando nem mesmo os seus antigos seguidores ousavam fazê-lo.

Harry murmurou qualquer coisa e deixou-me só. Foi nessa altura que me dei conta que havia um único túmulo naquele cemitério, túmulo esse que tinha a pedra tumular mais simplória que eu já vira:

1926 – 1998

Lord Voldemort, aquele que temia o que não compreendia.

Súbita e inexplicavelmente, senti-me irritada. Seria porque não encontrara qualquer referência a Tom Riddle? Ou apenas porque achava que aquela frase não era suficientemente adequada ao feiticeiro a que se aplicava? De qualquer modo, eu não tinha razões para me sentir daquele modo.

A custo, reprimi o meu estranho mal-estar. Tentei concentrar-me no que me trouxera àquele local: enterrar o passado. Contudo, eu não conseguia bloquear a torrente de lembranças que ameaçava tomar conta de mim. A letra de Tom, tão incomum como ele, mostrava-me palavras de conforto; a voz de Tom, sussurrando o meu nome, por entre os meus sonhos; a face radiante de Tom, no instante em que saiu do diário; o toque frio dos seus dedos, cujas pontas ousaram pousar na minha pele.

Eu já não sentia o vento outonal, mas sentia a humidade da Câmara. Eu já não conseguia distinguir o amarelo e o vermelho das folhas mortas, mas conseguia distinguir os contornos de uma estátua gigantesca. Eu já não ouvia os passos lentos de Harry, mas ouvia o discurso carregado de ansiedade de Tom. Eu já não sabia quem era, mas sabia que tinha estado enganada. Porque eu não era livre, nem nunca poderia ser, até ser capaz de visitar aquela campa e não ser assaltada por todas aquelas memórias.

Recuei até junto de Harry, abracei-o e, mentalmente, desculpei-me pelo meu fracasso. Como se tivesse lido os meus pensamentos, ele apertou-me com mais força e murmurou algo semelhante a está tudo bem.

Não estava, Harry, ainda não estava.

Mas um dia iria estar.

Até lá, teríamos de continuar a viver como tínhamos feito até agora. E isso seria o suficiente. Por enquanto.

xxx

Visitei Tom todas as semanas, durante mais de 50 anos, até deixar de poder mover-me. E, em todas essas vezes, nunca deixei de me iludir, nunca deixei de pensar que, um dia, quebraria aquele ritual. Que um dia seria livre.


N/A: Bronze no XIII do 6 Vê, thanks Leuh!

Btw, fic para o Leuh xp