Capítulo Um: Uma breve temporada em Azkaban.
Eu já sabia que os jornais estampavam a minha cara logo na primeira folha, com letras garrafais e palavras vergonhosas. Se não soubesse, também... Esse é o tipo de notícia que as pessoas querem ler. Naquele momento de tortura, eu olhava para os ratos passeando por meus pés e respirava fundo. Lei da Física. Ação e reação. Queria encolher a perna e afastar meus pés calçados com uma botina caríssima e suja de lama, mas estava exausto. Que subissem e me dominassem. Fui homem para matar uma comunidade inteira, posso ser homem para sentir ratos entrando por minha boca.
Os suspiros em Azkaban eram frequentes. Um tédio. Dementadores cercavam algumas celas, mas não a minha e eu não sabia o porquê. Eu podia vê-los passar por uma janelinha minúscula, mas não ousavam olhar para mim.
Será que ainda sou tão temido ou será que minhas lembranças não valem à pena ser sugadas?
Algumas vezes um ronco doído assolava minha perspectiva de melhora de condição, e eu sabia que precisava comer. Embora a fome fosse avassaladora, ela esvaía quando pratos porcos eram servidos por debaixo da porta. Eu deitava sob o chão de pedras com inúmeras saliências e tentava dormir para que a fome sossegasse, mas é claro, eu acordava, e sentia tudo com maior intensidade. Fome, dor, cansaço...
Não medo, desta vez.
Um mês se passou. Durante trinta dias, só sabia constatar o quão nauseado eu estava. Como todo vilão playboyzinho, acho que o sofrimento era mais... adequado. Naquele mesmo dia, assim que o prato de comida foi jogado, eu não me contive. Engoli.
Era no máximo comível. Só calava o estômago, embora ruim. Tinha um cheiro insuportável de fezes e urina e algumas formigas, mas sacrfícios devem ser feitos as vezes. Como exemplo urinar na parede. Eu gosto de banheiros, mas acho que Azkaban não se importa com isso.
Dois meses.
Meus pés estavam adormecidos e eu não conseguia me mover. O ar era escasso e quase inalcançavel. Eu não comia mais durante duas semanas.
Não era injusto. Eu realmente merecia, e acho que muito mais. No entanto, fui preso sem cometer o crime do qual me culparam. Cometi vários outros e deveria mesmo estar ali, e acho até que demoraram para me pegar, mas não pelo acontecido.
Três meses.
O nome do assassino era James Scott. Um sonserino do meu ano, que era o último, mas estou aqui e felizmente - Ou não, não estou na escola. Ele matara Arthur Weasley, um senhor sem muito dinheiro e pai de uma grande família ruiva. Os filhos dele eram de Hogwarts, mas de outra casa.
No terceiro mês eu já estava quase esfregando meu corpo nas pedras, até que conseguisse arrancar pedaços dos meus órgãos e os parasse finalmente. Ainda assim, eu queria continuar vivo. Um dia eu saíria de lá, não importando realmente quantos anos levassem.
Anos... Eu não posso imaginar que ficarei preso aqui por anos. É algo realmente assustador.
Eu conseguia ouvir de tudo. Gemidos de dor, gemidos de prazer — Que pra mim estavam mesmo é enlouquecendo, e diversas frases personalizadas. Todas com uma versão diferente do pedido de socorro. Somente socorro. Pediam somente por isso. E não iam conseguir.
Eu tinha dó, as vezes. Mas não era de mim, e sim deles. Eu não tinha coragem nem força para gritar por alguma coisa. E sinto que aquilo não seria nem metade do meu esforço e do meu tempo preso, por isso, para poder viver, eu comi mais uma vez.
Estava pior, de modo que é desnecessário dizer do que aquilo tinha gosto. Vomitei. Meus cabelos estavam sem brilho e um pouco pretos. Meus olhos... Imagino que brilhantes como sempre e vazios como sempre. Meus pés estavam cansados de não fazer nada, exigindo uma caminhada. Minhas mãos estavam totalmente pretas, assim como as unhas. Meu rosto era iluminado por um pequeno feixe de luz da janelinha, que foi coberto repentinamente. Eis que um olho, um nariz e uma boca eram visíveis. A voz fez eco.
— Malfoy, é sua vez de tomar banho.
Seis meses.
Ri por dentro. Por algum motivo, achei que poderia ir embora.
Me apoiando nas paredes, levantei com extrema dificuldade. Meus pés quase me deixaram cair. Talvez tivessem esquecido como se andava. Murmurei palavrões ao notar que eles tinham notória dificuldade para movimentação e com um minuto cheguei até o portão. Pude ouvir barulho de correntes. Cerca de dois minutos depois, a última corrente do portão ia ao chão. Ao abrir este vagarosamente, uma varinha foi apontada para meus pulsos no mesmo instante, e então eles estavam acorrentados. Não me prendi à detalhes do homem feio e barbudo que me levava dali. Só conseguia olhar para o céu.
Parecia uma pintura. Algo que eu não conseguiria presenciar de verdade por muito tempo. Tons arroxeados cercavam o sol que brilhava fortemente e dava calor à Terra. Poucas nuvens cobriam o céu azul e faziam daquele, um paraíso.
— Entre aí.
Um banheiro porco.
Fechei o box e passei a tirar a roupa, posicionando-as para fora. Liguei o chuveiro e quase sorri verdadeiramente. Gostosa a sensação de estar limpo de novo. Peguei o sabonete rapidamente e me esfreguei cerca de cinco vezes, só então me enxaguei. Estava cheiroso. No mesmo momento em que ia desligar, o homem pediu que eu o fizesse, e eu o fiz. Jogou algumas roupas por cima do box e tive de vesti-las. Roupas de prisioneiros. Vesti uma bota limpa porém de segunda mão e notei que meus dedos dos pés já pediam arrego. Eram apertadas.
— Use o banheiro e bata na porta quando terminar.
A voz não tinha empolgação. Era mecânica, como se sempre dissesse a mesma coisa. Ao ouvir a porta ser fechada olhei-me no pequeno, velho, sujo e quebrado espelho que havia em cima da pia. Meu cabelo estava lavado, mas não cheiroso. Apenas aparentemente limpo. Suspirei de novo. Perdi as contas de quantas vezes suspirei ali dentro.
Bati na porta. Não queria usar banheiro nenhum.
Para minha surpresa, a única coisa que encontrei ali fora Harry Potter. Um sorriso estampado, como se algo bom estivesse acontecendo. Não preciso dizer que minha boca abriu alguns centímetros.
— Olá Malfoy. Acredito que estava desfrutando da hospitalidade de Azkaban.
— Oh sim. Realmente. Um lugar muito agradável, Potter. - Revirei os olhos e cruzei os braços. Embora preso por alguns meses, eu ainda sabia ser irônico. - O que faz aqui?
— Estou o livrando do lugar. Eu e Ronald Weasley.
Pisquei por dois segundos freneticamente. Livrando-me? Mas... Achavam que eu havia matado Arthur Weasley!
— Livrando-me daqui? Cadê o Weasley? Matei o pai dele!
— Não. Você não matou. James Scott é o assassino.
Sério mesmo?
Quanta inocência!
Eu estava impaciente. E estava sendo criança com pensamentos tolos. Não havia matado nenhum Weasley, porém havia matado toda uma comunidade. Talvez ainda fosse segredo que o assassino daquelas pobres pessoas era eu.
— Harry, podemos ir embora?
Eu olhei rapidamente para a dona da voz melodiosa. Ruiva, alta, branquela, sardas.. Ginevra Weasley. Jamais me esqueceria destas características tão marcantes. Estava ofegante. Talvez correndo para chegar até nós. Não me surpreende que esteja com medo do ar de Azkaban, que me parece mortal.
Não os ouvi por segundos. Deduzi que estavam esperando que eu respondesse alguma coisa. Desviei os olhos da menina para encarar o sol se pondo. E como eu faria se por acaso fosse realmente embora? Não me restava riqueza alguma.
Como se ouvisse meus pensamentos, a voz de Potter soou sombria:
— Não se preocupe. Ficará na casa dos Weasley por alguns dias até que saia a papelada do que herdou do seu pai.
— Herdei do meu pai?
— Sim. Ele morreu mês passado aqui em Azkaban. Enlouqueceu. - Potter não parecia realmente preocupado, mas maneou a cabeça. Talvez lamentando por mim.
— Vamos logo. Explicamos para você no caminho. Esse lugar é horrível.
Realmente a vista era horrenda, mas a Weasley nunca ficou um segundo sequer. Os gritos eram o menor dos problemas. Pesadelos todas as noites ganhavam o primeiro ponto negativo de permanecer naquele lugar, onde as paredes absorvem e observam todos os devaneios e atos de loucura. Sucumbi e renasci. Me via mais maduro e também mais cansado.
A vida ali fora parecia diferente da primeira vez que vi até meus dezenove anos. Meus pés desciam as enormes escadas de pedra alegres por poder percorrer algum caminho significativo. Quando saí no meu último ano da escola para ser comensal, quis voltar meses depois. Meu pai já havia sido preso. Voltei e depois fui preso. Não tinha muita vontade de concluir qualquer coisa, nem mesmo a escola e as aulas de poções com Snape, que eram minhas favoritas. Na época eu estava transtornado. Não sabia dizer de que lado estava, embora estivesse claro para mim: Nenhum lado era o que eu deveria estar.
Antes mesmo de livrar-me das lembranças de Severus e de algumas batalhas internas, Potter virou-se para mim com uma varinha dizendo algumas coisas que não ouvi. Finalmente!
Pilriteiro, pêlo de unicórnio, 25 cm, flexível. A melhor de todas.
— Obrigado. - Disse, sentindo repentinamente gratidão por eles. Embora tivessemos diferenças alguns anos atrás, elas deveriam ser esquecidas.
Ao final da escadaria eu já me sentia cansado, mas grato e de certa forma feliz. Alguns borrões de minha infância passavam em minha cabeça de forma que eu não sabia porquê, mas mostravam-se importantes.
Qualquer que fosse minha trajetória a partir dali, voltar para Azkaban estava descartado da lista de passagens. Até mesmo porque em algum lugar bem lá dentro de mim eu tinha certeza que a minha prisão tinha algum privilégio a mais que a dos outros coitados.
E eu pretendia descobrir porquê, mas num futuro bem distante.
Parte extra: Capítulo Um: Uma breve temporada em Azkaban.
Parei e observei. Parte de minha vida havia sido uma daquelas celas. Eu não me esqueceria jamais. Algo sussurrava em meus devaneios fora de horário. Algo maligno.
Era meu outro lado.
Aquele, que todos têm medo.
O negro.
Eu voltaria para lá cedo ou tarde. Mas não agora. Como o medroso que sempre serei, irei embora de cabeça baixa, orgulhoso como sempre, mas não direi o que mereço:
O sofrimento.
xXx
N/A: Olá! Aqui é a Gabriela Manfio. Me chamem de Gabi! :D
Minha descrição não é uma réplica da conduta do Draco, mas estou mostrando como eu acho que ele estaria depois da guerra. Boa leitura! Espero que curtam. :/
E não se preocupem, os capítulos vão crescendo conforme a ação vai chegando. Mais uma vez, espero que gostem. Obrigado!
