Era mais uma noite fria. Há quanto tempo deveriam estar ali? O tempo parecia ter simplesmente parado. Reunidos os 13 no mesmo salão onde se ajuntavam toda noite, no mesmo salão onde tragicamente suas vidas mudaram. Há quanto tempo? Olhavam em silêncio para o fogo na lareira que reluzia em suas armaduras ainda tão brilhantes como haviam sido no passado. Chovia forte do lado de fora, relâmpagos cortavam o céu furiosos e o vento soprava pela janela, mas que importava? Ninguém ousava falar nada. Do outro lado o retrato do velho feiticeiro consumido pelo tempo, porém inteiro o suficiente para que pudessem ver o sorriso sádico, como se risse do destino que impôs a eles. Não havia ninguém capaz de livrá-los daquilo.
-Parece que foi ontem… - Finalmente um dos 13 falou, quebrando o silêncio. Tinha os cotovelos apoiados nas pernas e mantinha a cabeça baixa deixando suas longas melanes azuis cobrirem-lhe o rosto, mas logo se calou: ninguém parecia querer lembrar-se daquela noite.
- Eu lembro bem… - Disse outro depois de um minuto de silêncio como se ponderasse sobre algo tendo presos os longos cabelos lilases.
O salão estava iluminado pelas velas acesas cujas chamas tremulavam. O vento abriu os vidros da janela que se estilhaçaram ao bater na parede pela força do impacto trazendo consigo a chuva. Um relâmpago iluminou o rosto do homem que agonizava. Outrora um poderoso feiticeiro, agora morria pelas mãos dos próprios servos, acusado de traição.
Não havia lua no céu naquela noite, não havia nada além de um céu enegrecido pelas nuvens, sem estrelas. Uma noite deprimente e triste, como se os céus chorassem a perda que estavam tendo. Não a do homem, mas o bebê. Ah, aquela criança inocente.
-Onde está Ângelo? – Um dos 13 gritou para os outros enquanto um homem alto, jovem apesar dos cabelos brancos, e olhos avermelhados entrava.
-Aqui, Saga…– Disse ele como quem nada queria dizer.
-Terminaste?- Ainda sem olhá-lo, Saga indagou.
-Fiz o que tinha de fazer… - Foi a resposta.
-Ótimo. Mu, você e os outros terminem o que deve ser feito. Ainda esperam aquela criança lá embaixo. – Saga ergueu a espada para o golpe de misericórdia enquanto Mu olhava seu senhor.
- Traidores… - O feiticeiro levantou-se com dificuldade e, por um momento pareceu mais alto do que realmente era e mais assustador. Tomados por um temor que até então nunca tiveram, ficaram todos incapazes de se mover. – Eu os acolhi sob meu teto, deixei que comessem à minha mesa e é assim que me pagam? Pois a partir de hoje não deixarão este lugar. –Disse erguendo sobre eles as mãos enquanto o vento passava a soprar mais forte – No instante em que deixar este corpo, sereis reduzidos a meros espíritos que rondarão este castelo sem descanso pela eternidade! Malditos serão até o fim dos tempos, pois já não há mais ninguém que possa salvá-los agora. E tu – Apontou para Ângelo neste ponto – Tu serás, de todos, o mais atormentado. Perderás a fala e tua expressão. Por tua sede de sangue… Máscara da morte será teu nome e tu… não, todos vós, tereis as almas aprisionadas por todo o sempre nas armaduras que hoje vestem. Desaparecereis durante o dia e jamais a luz do sol os encontrará novamente! Agora minha hora é chegada e minha casa cairá… – Tendo proferido tais palavras, conjurou uma magia. Sua vida já se esvaia, mas não seria pelo fio da espada que morreria. Seu corpo foi tomado por chamas até que este desapareceu por completo.
Todos se olharam assustados e então olharam pela janela. Parava de chover e tornou-se possível ver a lua. Depois de alguns minutos de temor, concluindo que nada acontecera, desceram e terminaram de matar aqueles que o rei lhes ordenara matar, Ângelo no entanto ainda demorou-se um pouco mais olhando a lua para então descer.
-Quem diria… - A voz de Saga agora os despertava de tais pensamentos e os trazia de volta ao presente – Mais de 20 anos já se passaram. Naquela noite achamos que nada acontecera… mas bastou amanhecer… - Não ousou continuar, na manhã seguinte, assim que despontou o sol um forte vendo os varreu da face da terra.
-Pelo menos voltamos ao normal durante a noite! Mas seria melhor se…– O primeiro que falara levantou o rosto recebendo um tapa de um amigo.
-Milo, por que não fica quieto? – O repreendeu com o olhar, porém Milo apenas rolou os olhos.
-O que? Vai dizer que também não sentes falta de… - Ia continuar, mas nesse instante bateu os olhos em Shaka que era aprendiz do feiticeiro naquela época. O olhar ameaçador o fez calar por um instante.
A discussão recomeçou ainda mais acalorada. Milo queixava-se de sentir falta de mulher, pois desde que a história dos fantasmas que rondavam o castelo se espalhou, ninguém mais ousou colocar os pés ali.
No entanto, completamente indiferente a toda aquela confusão, sentado na janela, um vulto olhava a lua. Não se importava com essas conversas noturnas, visto que não havia nada importante a ser discutido e não podia falar. Por quê? Era parte do castigo que recebera pelo crime que naquela noite. Olhou para as mãos por um momento. A única coisa que dava forma a seu corpo era sua armadura. Entre uma parte e outra do metal, onde deveria haver pele, havia uma espécie de fogo azulado que queimava e em seu rosto uma máscara era a única forma de demonstrar o que sentia.
Ironicamente, Máscara da morte era como o chamavam, pois desde aquela noite, não se podia mais chamá-lo pelo verdadeiro nome. "Não há ninguém capaz de livrá-los agora" as palavras do mago soavam em sua mente, no entanto, somente ele pudera entender o que ele falara depois.
Lembranças vinham e naquele momento, não encontrou uma maneira de trancá-las no fundo da mente novamente, então se deixou levar por elas, lembrou-se com nitidez daquele dia.
Deveria ser uma noite de alegria. O senhor do feudo apresentaria sua filha recém nascida a toda sociedade. Os convidados animados aguardavam ansiosos enquanto alguns dançavam ao som o quarteto de cordas que ali estava. Os guardas de prontidão, caso ocorresse algum imprevisto ou confusão olhavam cautelosamente para o salão. Todos estavam à espera da senhora que iria aparecer com sua filha nos braços para receber os presentes e mimos dos que ali estavam.
Enquanto isso... no segundo andar do castelo
-Está tudo muito quieto! – Um dos guardas reclamou.
-Apenas faça seu trabalho… a nós não é dado participar da festa. Fique de olho na porta, bastardo. – O outro homem ali presente bufou passando a mão pelos cabelos brancos, apesar de ainda ser jovem e então foi até o berço onde o bebê chorava.
Ângelo recebera esta tarefa, pois era o único capaz de matar uma criança sem hesitar. Sua sede de sangue e lutas era praticamente incontrolável, por isso se tornara um cavaleiro naqueles tempos de guerra. Olhou-a por um instante e, depois de certificar-se de que o outro não estava prestando atenção guiou suas mãos até o rosto da criança. A mataria sufocada. O som do choro soava abafado agora e era apenas questão de tempo.
-Minha senhora! – A voz do outro cavaleiro o fez retirar-se rapidamente. O bebê não chorava mais, porém ainda era possível ver que respirava.
Uma jovem mulher de cabelos negros presos numa trança, pele alva, olhos castanhos ligeiramente puxados, devido a sua ascendência oriental, usando um vestido branco com bordados azuis entrou no quarto e dirigiu-se ao berço, passando pelo guarda, tendo dispensado sua serva. Ângelo fez uma rápida reverência.
-Minha senhora… - Disse baixo.
- O que fazes tão próximo ao berço de minha filha? – A mulher indagou enquanto ia ver como estava o bebê. Aparentemente tudo estava bem, mas ainda assim, ela sentia que algo estava errado.
-Estava apenas tentando acalmá-la, minha senhora, estava chorando muito – Disse rapidamente para então afastar-se para perto da porta. Fechou-a devagar enquanto o outro cavaleiro estava distraído vendo a mãe brincar com a filha e então desembainhou a espada se aproximando novamente, dessa vez devagar.
Havia sangue espalhado por todo o quarto. O corpo da mulher no chão, encolhida sobre a criança como que para protegê-la. Ângelo afastou-se um momento até que o bebê se moveu para tentar sair dos braços agora sem vida da mulher que a colocara no mundo.
-Mas o que? – Ele aproximou-se novamente tirando-a dali. Achava que tinha acertado também a criança, mas esta estava ilesa. Colocou-a novamente no berço e empunhou a espada segurando-a com força. Hesitou. Foi no instante em que a olhou nos olhos, estava a ponto de morrer e ainda assim riu diante de seu algoz, totalmente ingênua, sem saber o que na verdade estava acontecendo. Reparando bem, ela tinha uma estranha marca de nascença no rosto, lembrava uma lua. Abaixou a espada e com a outra mão fez um leve carinho no rosto da menina. Ouvira a mãe dizer seu nome certa vez.
-Tolice…vou acabar logo com isso -Murmurou e então brandiu a espada novamente.
-Ângelo! – A voz de um de seus amigos o trouxe de volta um instante, olhou rapidamente para o grupo e a imagem na máscara mudou de uma expressão de tristeza para uma de desconfiança.
– Se lembra qual foi a magia que aquele cara conjurou? – Ele indagou ao que o outro fez que não com a cabeça e voltou a olhar o céu nublado procurando pela lua. Então eles ainda discutiam isso? A magia conjurada que consumiu o antigo dono do lugar em chamas? Não era uma magia, no entanto ele parecia ter sido o único que compreendeu o significado daquelas palavras, era como se o falecido quisesse falar somente para ele.
- Máscara da morte será teu nome – A fala do feiticeiro lhe veio à mente – e tu… não, todos vós, tereis as almas aprisionadas por todo o sempre nas armaduras que hoje vestem. Desaparecereis durante o dia e jamais a luz do sol os encontrará novamente! Agora minha hora é chegada e minha casa cairá… - Ao dizer isto o mago o olhou diretamente nos olhos – Jamais encontrarão minha filha! – Disse e então abriu os braços deixando a orla de seu manto pegar em uma das velas, sendo consumido pelo fogo.
"Jamais encontrarão minha filha…" Ele mesmo fora encarregado de matá-la e desferiu o golpe. O que teria acontecido à criança então? Tinha matado aquela criatura, certo? Tinha quase certeza que sim, mas se estava morta, sobre o que aquele homem estaria se referindo então?
As duvidas assolavam a cabeça do guerreiro, que estava tão entretido nos pensamentos que não percebeu que seu melhor amigo, Afrodite, havia se aproximado e estava observando sua mascara.
- O que te preocupa tanto, meu caro amigo? Pareces pertubado…- Perguntou seu amigo, olhando também a lua, que estava parcialmente coberta por nuvens. 'Nossa a noite hoje parece perfeita para contar histórias de terror...a lua cheia, as nuvens, o céu sem estrelas..e animar um pouco isso aqui, esta tudo tão...morto!' Riu com o pensamento idiota que teve, mas saiu de seus devaneios quando Mascara da Morte começou a escrever no ar com parte das chamas que formavam seu corpo, era um jeito bem incomum de se comunicar, porém eficiente.
Ele dizia que não era nada importante, estava apenas lembrando o passado.
- Meu amigo, você precisa de umas aulas de caligrafia, oooh garrancho que você considera letra hein!
Afastou-se rindo da feição furiosa que a máscara mostrava, pensando em como Ângelo deveria estar possesso, afinal, não havia como ele esconder o que sentia no momento, o que, para os outros, era bom, principalmente para Afrodite que tirava proveito disso do modo como podia, para perturbar o amigo, logicamente.
