Nota: Esta história é baseada nos personagens do filme, não nas pessoas reais. No entanto, alguns eventos reais serviram de base para o desenvolvimento.


Não havia muito a se fazer nas tardes de Bridgeport, Connecticut, fora jogar bola ou vagar a esmo pelas ruas do centro. Mas essas tarefas já não interessavam, e a ociosidade não caia bem em Ed Warren. Além disso, a companhia de outros garotos da sua idade nem sempre lhe agradava. Eles haviam, de certo modo, crescido juntos, e nem todas as memórias eram das mais agradáveis.

Então ele conseguiu um emprego no lugar que tinha tudo para ser a sensação da cidade: o Colonial Theatre. Ed trabalhava nos fins de tarde e começo da noite, após a escola. Sua função era guiar as pessoas para os lugares vagos, organizar a sala de modo que todos os que entrassem encontrassem rapidamente um lugar para sentar, evitando causar tumulto. Não era o emprego mais badalado do mundo, mas valia a pena pelos filmes grátis.

Em sua segunda semana no cinema, Ed direcionava as pessoas para a saída após o filme quando ouviu um pequeno gemido abafado. Ao se virar, só teve tempo de estender a mão automaticamente e segurar a mão de uma jovem que tropeçara logo atrás dele.

- Meu deus, Lorraine! Tome cuidado - uma outra mulher exclamou, logo atrás dela.
A jovem se apoiou no braço de Ed que a ajudou a se equilibrar novamente, soltando-a apenas quando teve certeza de que ela estava firme em seus pés.

- Tudo bem, mãe. Foi só um tropeção - a jovem explicou enquanto afastava do rosto mechas de seu cabelo ondulado que se soltaram na quase queda. – O senhor... desculpe, qual seu nome? - ela se voltou para Ed.

- Ah, é Ed, senhorita. Ed Warren. – ele se apressou a responder, um pouco sem jeito.

- O Sr. Warren aqui me ajudou, e está tudo bem. Obrigada, Sr. Warren.

- Não tem de quê. E pode me chamar de Ed. – ele ofereceu um sorriso tímido.

Lorraine estendeu a mão novamente, dessa vez com um propósito.
- Muito prazer, Ed. Sou Lorraine. Lorraine Rita Moran. - ela ofereceu seu nome todo, como ele tinha feito também. - Esta é minha mãe, Georgiana.

Ed segurou a mão dela brevemente sentindo a pele macia e suave se encaixar na sua, então, educadamente, estendeu a mão também para a mãe da moça.
- É um prazer, meu jovem. E desculpe atrapalharmos o trânsito no corredor. - a senhora ofereceu um sorriso simpático.

Só então Ed se lembrara de sua função, que ficara totalmente de lado quando ele se virou para ajudá-la. Dando uma rápida olhada ao redor, ele notou que as pessoas estavam saindo sem problemas e deu de ombros.
- Tudo bem. Está tudo sob controle.

- Bem, nós também temos que ir. Venha, Lorraine. Muito obrigada, meu jovem. Até mais. – ela se despediu enquanto se dirigia para a saída.

- Até mais, Ed. - Lorraine se despediu enquanto seguia a mãe.

Ao vê-las se afastarem, Ed esboçou um sorriso, esperando que realmente se vissem novamente. Mas o restante da semana veio e se foi, uma nova semana começou e, com tantas pessoas indo e vindo, ele não teve tempo ou oportunidade para procurar por elas em outras sessões. Na semana seguinte, no entanto, seu pedido foi atendido. O filme estava para começar quando duas sombras se esgueiravam pela sessão, silenciosas, mas um pouco perdidas. Todas as outras pessoas já estavam acomodadas e ele se apressou em ajudá-las a encontrar lugares ainda vagos.

- Olá! Boa noite. Se me acompanharem vou encont... – quando a luz da projeção se lançou no ambiente iluminando as duas figuras, Ed prontamente as reconheceu. - Lorraine! Sra. Moran. Olá, que bom vê-las novamente.

- Ed! Olá! Como vai?

A voz de Lorraine subiu um pouco pela surpresa em encontrá-lo e um "shhhh" veio de algum lugar perto deles, fazendo o pequeno grupo reduzir suas vozes para pouco mais que sussurros.

- Lorraine, não grite! – a mãe dela pediu de forma gentil. E, voltando-se para Ed - Estamos muito bem, meu rapaz. E você?

- Estou ótimo. Obrigado por perguntar, Sra. Moran. Mas venham por aqui. Tem dois lugares ótimos logo ali na frente, vou levá-las até lá. Particularmente, é minha parte favorita da sala.

Ele as acompanhou e as guiou até os dois lugares vagos que, segundo um pouco de sua própria experiência, eram alguns dos melhores lugares para se assistir ao filme. Do seu lugar perto da porta ele as observou durante espaços do filme. Embora fosse relativamente popular na escola, muitas das garotas que iam até o cinema o tratavam mal, como se ele fosse apenas um empregado ou coisa do tipo. Não o enxergavam de verdade. Lorraine fora gentil com ele. E sua mãe também parecia ser uma boa mulher. Elas não eram o tipo esnobe que costumava aparecer por lá, e isso era um alívio. Na saída elas voltaram a falar com ele e Lorraine até perguntou o que ele achara do filme. Tentando mostrar seu lado gentil, ele se ofereceu para acompanhá-las até o hall e, durante o tempo que levaram para chegar lá, ele descobriu que elas iam ao cinema toda quarta-feira.

Quando se despediu das duas, Ed se sentiu leve e, ao mesmo tempo, um pouco anestesiado. Ele não sabia explicar o porquê, mas sentia-se ligado a Lorraine. Ela parecia diferente das outras pessoas que ele conhecia. E, sem questionar sua decisão subconsciente, Ed decidiu que queria conhecer melhor a jovem. Conversar com ela, saber suas aspirações, suas paixões, seus planos para o futuro, e contar a ela os seus. Falar sobre filmes, livros, sobre poesia e sobre a vida.

Ele se aproximou do balcão, vazio a esta hora, e puxou conversa com Jimmy, o rapaz responsável pelas vendas de pipocas e doces que estava limpando o balcão. Ele devia ser dois ou três anos mais velho que Ed e já trabalhava no Colonial há alguns meses.

-Hey, Jimmy. Sabe alguma coisa sobre aquelas duas que acabaram de sair? Mãe e filha. – ele perguntou, cruzando os braços na tentativa de parecer casual e desinteressado.

O outro rapaz levantou os olhos de seu serviço momentaneamente para observar a direção da porta.

- Ah, elas? Na verdade não sei muito. – ele deu de ombros. – Vêm todas as quartas, quase sempre pedem uma pipoca média. Ela gosta de balas de alcaçuz. Não falam muito, mas também não me tratam mal.

Ele ficou quieto por alguns segundos, então acrescentou, como um segundo pensamento:

- Ouvi o filho dos Morrison dizer que a garota é esquisita, mas não sei porquê.

- Ela pareceu bem normal para mim.

Deixando a quase apatia de Jimmy de lado, Ed foi se preparar para ir para casa pensando nas informações que conseguira. Desde então, quartas-feiras passaram a ser o dia que Ed mais esperava. Algumas vezes ele tinha sorte de tirar o uniforme rápido o bastante para ainda encontrá-las na saída observando os cartazes e conversando sobre um ou outro ator ou cena do filme que acabaram de ver. Nessas ocasiões ele andava com elas até a bifurcação no caminho que fazia obrigatória a separação. Lorraine se tornara uma boa companhia, e Ed estava grato por ela ter tropeçado naquela noite, algumas semanas atrás. A mãe da jovem também era gentil com ele, embora falasse pouco quando ele e Lorraine conversavam. E mesmo que ele às vezes notasse o olhar curioso que ela lhe lançava ocasionalmente, não pensava muito nisso.

A amizade dos dois progrediu gradualmente, e cada vez mais Ed sentia que devia estar ao lado dela. Durante suas conversas, ele descobriu que ela tocava piano e que estudava na série anterior a dele, mas em outra escola. Que seu sorvete preferido era de chocolate com nozes, ela adorava dançar, sua atriz preferida era Katharine Hapburn e ela amava Jane Eyre e os livros de Jane Austen.

A verdade é que ele encontrara em Lorraine mais que uma verdadeira amiga, uma igual. Eles compartilhavam das mesmas crenças, das mesmas opiniões, das mesmas expectativas para o futuro, para o mundo, e dividiam também a sensação de não se encaixar, de não fazer parte daquela comunidade.
E cada vez mais eles queriam passar o tempo um com o outro.
Por isso, na próxima vez que tirou um dia de folga, Ed pensou em levá-la ao cinema. Parecia tolo, já que ela ia ao cinema toda semana com a mãe, mas seria um tempo só para eles. Eles conversariam sobre um filme que realmente veriam juntos, que comentariam no momento e trocariam sensações, emoções, impressões sobre o que acontecia diante de deus olhos. Estariam criando suas próprias memórias. E a mera possibilidade de que ela aceitasse era o bastante para dar a sensação de um milhão de borboletas em seu estômago e deixá-lo acordado até tarde pensando em como a abordaria na próxima quarta-feira. Ele pediria diretamente para ela ou devia pedir à sua mãe? E se a mãe dela não permitisse? E se Lorraine recusasse? Se isso acontecesse ele nunca mais seria capaz de encará-la. E tampouco seria capaz de se encarar no espelho se nunca a chamasse para sair por medo de um "não". Não conseguia se lembrar quando passou a se sentir tão nervoso por falar com uma garota, e isso o assustou. Fosse a resposta qual fosse, ele precisava tentar.

Na próxima quarta-feira ele dedicou uns minutos a mais se arrumando. Quando se deu conta de que estava se esforçando para tentar impressioná-la, se sentiu meio estúpido. Principalmente porque Lorraine já o conhecia, o verdadeiro ele. Mas ele sentia que precisava. E, pelo jeito, funcionou, pois até sua mãe fez um breve comentário sobre o perfume que usava e como ele estava "muito bem arrumado" quando ele saiu para trabalhar aquela noite. E mesmo consumido pela ansiedade, Ed se controlou até a hora de acompanhá-las até a saída. A noite estava clara e fresca e ele notou o quanto Lorraine estava contente. Contente e bonita, em um vestido cor de pêssego, com um cinto vermelho muito fino e delicado, os cabelos ondulados presos só o bastante para não caírem sobre os olhos. Ela e a mãe falavam animadamente sobre Fred Astaire e Clarck Gable e como Fred só era o que era por causa de Ginger Rogers e que, entre os dois, claro que seu preferido era Gable... ela estava relaxada e animada, e Ed sentiu que era hora. Além disso, estavam muito próximos do lugar onde se despediam. Era agora ou nunca, e ele tinha que tentar.

- Lorraine? – ele conseguiu chamar sem que sua voz vacilasse.

- Sim?

- É que... Na próxima semana vamos receber Casablanca e... As sextas feiras são bem movimentadas, é bem divertido. Vai ser meu dia de folga e eu pensei, se talvez... Se não for fazer nada...

- Quer saber se ela está livre para ir assistir ao filme com você? – a mãe dela se interpôs, finalizando a frase por ele. - Talvez devesse pedir minha permissão primeiro, não acha?

Ela tinha uma expressão neutra, e Ed sentiu um leve rubor subir a seu rosto e as palavras sumirem. Ele olhou de Lorraine para Georgiana, e novamente para a moça. Ela parecia estar se divertindo com a situação e por um segundo Ed pensou que havia cometido um erro.

- Eu... Eu... Desculpe, claro que eu não devia ter pedido assim...

- Ed, tudo bem. Mamãe só está perturbando você. - Lorraine riu, acompanhada por uma risadinha de sua mãe.

- Desculpe, Ed. Não queria assustar você. - a mulher respondeu ainda sorrindo - Sobre o convite, só cabe a Lorraine responder.

- Eu adoraria ir. - ela respondeu na voz mais suave que ele já ouvira.
E foi como se algo despertasse dentro dele, uma sensação morna se espalhando por seu peito, e ele não pode evitar o sorriso enorme que, tinha certeza, o deixava com a maior cara de idiota.

- Sério? Quer dizer - ele se aprumou tentando parecer casual - eu fico muito feliz. Posso te pegar as 18:00?

- Claro! Vou anotar o endereço para você.

Ela procurou na bolsa e retirou um bloquinho de papel e um lápis e anotou o endereço, entregando a ele uma folha de papel num tom azul muito claro. Ed pegou o papel e seus dedos roçaram os dela de leve enquanto ele observava a caligrafia delicada, e ele notou de relance que o sorriso dela se ampliou quando suas mãos se tocaram.

- Muito bem, Sr. Warren. Aí está. Espero por você na semana que vem, então.

- Mas vocês ainda vão até lá na quarta, certo?

- Pode apostar que sim. Eu não perderia uma oportunidade de ver Fred Astaire em cena de novo! - Georgiana respondeu animada.

Quando foi pra casa e pensou no assunto, deitado em sua cama, tão contente que nem conseguia dormir, segurando o papel que Lorraine lhe entregara e tinha o mesmo perfume dela, Ed sentiu que estava se preocupando sem motivo. Lorraine gostava dele, a mãe dela gostava dele... E ele gostava tanto dela que às vezes ficava sem ar. Ele estava disposto a dizer tudo isso a ela quando saíssem juntos.

E, se fosse honesto consigo mesmo, aquela seria a semana mais longa de sua vida até então.

Continua...