Parte I

And if I came to you empty handed searching

for pieces after the fall

A verdade era que New York era o máximo. Mas isso não queria dizer que ela não aniquilasse a minha autoestima e felicidade.

Porque acho que essa era uma característica inerente da cidade.

New York era uma fábrica de sonhos inalcançáveis e era justamente por isso que estava lá. Saíra da minha pequena cidade, Lima, em Ohio, com esse sonho: começar a minha vida na Big Apple. Se era inalcançável como quase todos os outros? Provavelmente. Porque, se a minha vida já era reduzida a quase nada em Lima, em New York, posso dizer com certeza, que minha vida era absolutamente nada.

Tudo bem, não podia subestimar o que conquistara: conseguira sair daquele buraco chamado Lima em definitivo. Estudava na NYADA, uma das escolas de preparação musical de grande renome e prestígio. E tinha um namorado. Que, na verdade, não era uma conquista tão grandiosa assim, pensando bem. Mas tanto fazia. Pelo menos eu tinha uma vida.

E pagava por ela.

Meu melhor amigo Kurt, que não tinha conseguido entrar na NYADA tal como eu, tinha ido para New York comigo. O pai dele é que percebeu que, na verdade, Kurt não estava feliz por ter ficado para trás, o que eu achei a melhor coisa do mundo, pois era muito ruim dividir o quarto com a minha colega que só queria transar com pessoas que eu nem conhecia. Então eu e ele arranjamos um loft grande o bastante para abastecer nossa bagagem – que era pouca; o suficiente para ter roupas limpas por pelo menos duas semanas consecutivas e alguns aparatos úteis como cafeteira e secador de cabelo. Conseguimos, afinal, arrumar o nosso canto comprando móveis de segunda mão num mercado de pulgas no centro da cidade. Apesar de tudo, era uma casa, se é que me entende. Não que eu fosse me acostumar rapidamente com aquela falta de luxo, entretanto, era melhor que dormir em albergues, ou sei lá onde (voltar para o quarto conjunto na NYADA estava fora de cogitação). Logo, eu consegui um emprego num restaurante, o Spotlight. Ser garçonete não estava nos meus planos, mas eu sabia que precisava me bancar de algum jeito – e com certeza não seria vendendo meus rins pro mercado negro.

Seis meses se passaram assim. Enquanto isso, eu conhecia melhor o Jesse, meu namorado. Ele tinha sido o meu veterano na primeira semana, e acho que justamente por depender tanto dele para achar as salas, para não me dar mal nas aulas da Cassandra e para ter alguém com quem conversar sobre as desilusões da vida que me aproximamos tanto. Não foi nada imediato, nem muito do tipo ai-meu-deus-estou-apaixonada. Para falar a verdade, não me sentia apaixonada por ele na maior parte do tempo (não que, algum dia, eu tenha confessado isso para alguém além de mim mesma). Às vezes, pesava nosso namoro. Não conseguia encontrar as razões para ele estar comigo, nem muito menos para eu estar com ele, já que agora estava completamente adaptada à rotina. Poderia muito bem me afastar dele, que isso não me machucaria nem um pouco.

Antes do meu primeiro Natal longe de casa, Santana, uma colega em comum em Lima, percebeu que New York tinha mais a vibe dela e decidiu se juntar a mim e ao Kurt. Não que eu a odiasse, mas era tão fácil desaprová-la em certos aspectos! No entanto, como as despesas estavam consumindo boa parte do nosso dinheiro, permitimos que Santana se alojasse conosco. Logo ela já arranjou uma vaga no Spotlight e, sem ter ideia com o que fazer da vida, exatamente como Kurt, foi ficando em New York como uma espécie de parasita. Não tinha muito a oferecer, mas também não poderia sair da cidade. Por um lado, eu estava feliz por estar estudando; mas, por outro, estudar e trabalhar num restaurante como garçonete não era nada parecido com ter a fama que eu sonhava. E parecia que aquela fama estava muito longe de acontecer.O que me deixava um pouco desesperada e desolada. Não que eu achasse que conquistar um trabalho decente na Broadway acontecesse num estalar de dedos – eu sabia que tinha de batalhar muito, muito mais. Mas, em seis meses, em nada a minha vida de fracassada na grande cidade tinha se modificado e, com certeza, não conseguia parar de pensar que ali não era o meu lugar. Que quando saí de Lima estava sonhando muito alto.

Porque ser garçonete, e isso é sério, não era tão fácil quanto parecia.

Havia dias de pura tensão, de puro cansaço. Não havia um sequer dia que eu acordava e dizia "Uau, eu amo o meu trabalho". Em parte, porque aquele era apenas um quebra-galho. Não queria ser garçonete para sempre, afinal eu estava estudando para sair daquela vida. Não que eu desmerecesse as garçonetes – agora eu as entendia muito mais, sinceramente. Mas eu tinha instrução o suficiente para dar o próximo passo.

Que parecia que não aconteceria muito em breve.

A certeza estava bem na minha frente: o restaurante estava lotado e, enquanto Santana tentava pacientemente entender uma espanhola, eu estava responsável por pendurar as comandas já recolhidas, para que o pessoal da cozinha preparasse os pratos. Eram quase de da noite, e eu estava louca para sair dali. O expediente só terminava às onze, mas nós tínhamos de ficar até um pouco mais tarde para organizar as mesas e limpar o chão. Era tão gratificante quando enfiar alfinetes nos olhos.

Mas tinha um lado bom. O Spotlight era um bar/restaurante que disponibilizava música ao vivo. Havia um palco e um piano, e qualquer um – qualquer um mesmo – poderia se dignar a cantar. Apesar de eu estar numa escola de música, a falta de tempo me impedia de subir e cantar para todos.

Então, quase sempre havia alguém tocando e cantando nos finais de noite. Aliviava um pouco o estresse, dependendo do estilo da pessoa, ou da banda.

Infelizmente, naquela noite não havia ninguém no palco. Apesar do grande movimento, as pessoas pareciam mesmo apenas interessadas em conversar e comer.

Santana, no sentido contrário, praticamente jogou o prato de comida da cliente espanhola nas minhas mãos. "Será que todo mundo acha que falo espanhol fluente? Eu nasci em Lima, por favor!", ela reclamou. "Só não cuspa no prato dela, ok?", pedi. "Então, pouca pimenta?", perguntei olhando para o prato cheio de ovos mexidos e sei lá mais o quê. Coisas que não comia, pois era vegetariana. "Pouco quente. Mas, por favor, me diga que também está vendo a fumacinha desse monte de porcaria", Santana me lançou um olhar ameaçador. Era claro que o prato estava quente o bastante para pessoas normais, mas talvez a cliente tivesse algum distúrbio, vai saber. Andei até a abertura da cozinha e estendi o prato. "Prato insuficientemente quente", eu disse. O cara que estava recebendo os pratos – um garoto mais novo que eu – me olhou como se eu fosse louca. Dei de ombros, não podia fazer nada. O cliente sempre tinha razão. "Eu realmente preciso de um emprego decente", Santana disse. Ocupei-me em limpar os aparadores de guardanapo, sendo ágil – pois nesse tipo de coisa, se você fica parada pode ter certeza de que, ou não receberá seu ordenado inteiro, ou será mandada embora após o período de experiência. Eu também precisava ocupar o meu tempo com outras coisas, além de limpar mesas, levar pratos de lá pra cá e receber alguns xingamentos por 'não ser rápida o bastante'. Será que aquela gente entendia o que eu fazia e que eu não era uma espécie de escrava? Pelo jeito, não. Vou te falar, impaciência era a virtude daquela gente.

O prato da espanhola retornou. Santana olhou para mim com aquele olhar de que se recusava a fazer aquilo. "Não mesmo", ela pontuou e foi encher um copo vazio próximo de refrigerante. Meio que bufei, porque a maior parte do serviço não era tão absurda assim. Eu preferia ter de limpar o restaurante inteiro, do chão ao teto, a lidar com o público. Andei rapidamente até a mesa indicada na comanda. Uma senhora meio gordinha demais observava o seu celular, acho que estava contando os minutos para poder reclamar em caso de demora. Pelas minhas contas, não tínhamos demorado nem três minutos para retornar com seu prato, de modo que ela não poderia retrucar nada ofensivo. "Não está quente", assim que eu depositei o prato em sua frente ela me disse. O prato estava tão quente que tive de levá-lo num pano de prato para proteger a minha mão, e ela ainda tinha a coragem de dizer que não estava quente? Aquela mulher tinha problemas muito sérios. "Senhora, eu garanto que está quente o bastante", eu disse. "A mocinha de antes com certeza não lhe explicou a situação: eu gosto de pratos muito quentes", ela refutou. Ok, isso eu já tinha entendido, além do fato de ela ter uns parafusos a menos. "Senhora...", tentei mais uma vez. Nisso, para minha grande desgraça, fui procurar a Santana pelo restaurante com o meu olhar. Eu sabia que era bem mais paciente que Santana, mas aquela situação pedia reforços. Santana me olhou, do outro lado do restaurante, e deu de ombros, numa atitude clara de quem dizia para eu me virar sozinha. Naquelas horas, eu meio que a odiava. "Vou ter que explicar para o seu gerente, mocinha?", a senhora perguntou. "Absolutamente não", respondi.

Tudo bem, ela não estava me destratando. Mas qual era o problema dela?

Tratei de apanhar o prato mais uma vez, sentindo-me ridícula, e bem quando iria caminhar de volta ao balcão, esbarrei em alguém. Estava pronta para ser muito grossa com a pessoa, porque eu tinha corrido o risco de derrubar o prato, fazendo com que eu tivesse de repô-lo com o meu dinheiro – e eu sabia que os pratos dali não eram uma ninharia –, mas então percebi que não era Santana, nem um daqueles caras babacas da universidade que iam ali só para ficar bêbado e criar briga por conta de garotas. O cara para quem olhei não tinha o cabelo ensebado, nem usava roupas caras; ele era mais alto que o normal. E isso era tudo. Tudo que consegui registrar no momento. Ele pediu desculpas rapidamente e seguiu para uma mesa vaga, perto da porta. "Vai ficar parada, mocinha?", a senhora me perguntou.

Hein?

Por que ela não podia parar de me chamar de 'mocinha'?

Desviei os olhos do cara em quem tinha esbarrado e segui em frente.

Porque coisas assim são necessárias, você tem que seguir em frente.

"Torre essa porcaria", eu disse na abertura da cozinha. Estava tão cansada de servir de empregada para aquela gente de nariz empinado!

Olhe para a última mesa, para o cara grandão. Ele olhava o cardápio. Estava sozinho numa mesa para quatro. Era uma constatação estranha. Ou estava esperando mais gente, ou estava apenas de passagem. Não queria ir até ele. Ele quase tinha jogado o meu prato no chão e tinha pedido desculpas tão rapidamente que, pelo jeito, não tinha se importado com quase causar um acidente. Mas ele parecia tão na dele, não parecia estar à procura de confusão. "Rachel! Não fique parada!", Kurt me advertiu, ao meu lado de repente. Ele carregava uma bandeja lotada de louças e guardanapos usados. Para alguém tão peso-pena, Kurt parecia ser capaz de suportar bastante coisa. Levei um susto, é claro. Além do cara grandão não tinha entrado ninguém, e ele nem tinha feito algum tipo de movimento para chamar atendimento. "Eu sei", falei meio aborrecida. "Então andei logo até aquele cara, você sabe que o Gus odeia que os clientes implorem por serviço", Kurt disse, passando por mim e chegando até a cozinha. Ele desapareceu, e eu caminhei lentamente – evitando passar perto da senhora espanhola – até a última mesa. "Olá, gostaria de pedir algo?", eu tentei ser simpática. No Spotlight, você tinha de aparecer ser muito simpática para cativar a clientela. Então eu estava me esforçando. O cara retirou os olhos do cardápio na mesma hora.

"Oi", ele me olhou. Ele não tinha de levantar muito o queixo, porque eu sou muito baixinha, então ele somente teve se levantar o olhar. Sorri meio nervosa. Eu nunca ficava muito nervosa ali dentro – não do jeito como eu estava naquele momento; apesar de ter ficado com aquela sensação de nervosismo durante a primeira semana de experiência, aquele tipo de nervosismo que eu experimentava agora era completamente diferente. "Quero um frappuccino à base de café e caramelo", ele disse. Franzi a testa. "Desculpe, mas deve pedir isso no Starbucks, o mais próximo que temos disso é um milk-shake de caramelo", eu lhe disse. Será que ele tinha achado que tinha entrado no Starbucks? Quer dizer, a placa do Spotlight era bem grande e vermelha, não tinha como confundir. "Desculpe, sou novo por aqui. Vou querer um milk-shake, então", ele sorriu simpático – de um cheio simpático genuíno, digo – e me ofereceu o cardápio para levá-lo para longe. Sério que ele estava ali para tomar um milk-shake, numa mesa para quatro? Com certeza, ele tinha namorada. Uma daquelas namoradas líder de torcida.

Afastei-me dele com sua comanda e a pendurei no local certo.

Peguei o pedido da senhora espanhola, que agora estava quase que queimado, e entreguei a ela. Não disse nada e saí rapidamente. Se ela quisesse reclamar, seria com outra pessoa. "Ei, mocinha!", ela exclamou, quando eu já estava longe. Fingi que estava ocupada demais trocando os biscoitinhos sortidos, porque de hora em hora era preciso haver uma troca para que não fosse oferecido nenhum murcho. Andei até uma das outras mesas e enchi de mais café um dos copos. Acho que estava tão nervosa – a senhora ainda me chamava, eu podia ouvir, e eu estava ignorando –, que isso me fez esbarrar no copo e fazê-lo de despedaçar, juntamente com seu conteúdo, no chão. O café espirrou para todos os lados, inclusive no meu sapato e nas minhas pernas. "Desculpe, eu realmente sinto muito", eu disse rapidamente para os clientes da mesa. Eles me olharam me reprovando, é claro. Porque eu era o saco de pancada deles. "Vou pegar um pano para...", nem terminei a minha frase e, enquanto eu estava indo para o balcão apanhar um pano úmido, Kurt, como mágica, apareceu passando por mim e me arremessando um trapo. "Foi totalmente sem querer", eu disse a ele, que continuou a andar, sem prestar atenção em mim. Eu queria desaparecer. Especialmente, porque quase que metade do restaurante estava olhando para mim com aquele mesmo olhar de reprovação do dono do copo partido. "Eu realmente sinto muito", repeti para os clientes da mesa. Eles não disseram nada, somente ficaram me olhando preencher outro copo de café. Então me abaixei, recolhi os cacos grandes e comecei a enxugar o café derramado. Ergui o olhar, para ver se os clientes ainda estavam esperando algo, mas me deparei com outro alguém me olhando: o cara da última mesa. Seu olhar tinha outra conotação, ele não estava me condenando pelo acidente. E daí, ele sorriu de um jeito que mostrou o quanto ele sentia muito pelo meu trabalho horrível, como se estivesse se solidarizando pelo incidente. Não consegui reagir a tempo, somente abaixei os olhos novamente para o chão.


Parte II

And if you came to me empty handed I'll find the pieces

to make you fall

Achei que minha vida começaria de fato se eu me permitisse. Permiti-me sair da casa da minha mãe e arranjar um local mais ou menos organizado com meus amigos. Ninguém tinha muito para onde ir, na verdade.

É uma ilusão o que dizem que, quando chegar o momento certo, você vai saber o que fazer da sua vida. Não vai. Aliás, esse tal de 'momento certo' vai ser o momento de maior terror da sua vida. Você não vai conseguir pensar direito, vai escolher a pior das opções e vai se ferrar. Porque para você acertar tem que errar um pouquinho pelo caminho a ser trilhado.

E eu já tinha errado o bastante.

Tinha saído da escola no segundo ano, juntamente com meu melhor amigo, para ajudá-lo com um negócio nosso que ele vinha fazendo desde os quinze anos: limpar piscinas. Eu sei, parece ridículo e parece que ninguém tem muita piscina nessa grande cidade de arranha-céus, mas a verdade é que havia piscinas o suficiente para nos bancar parcialmente. É claro que, depois de um tempo, o tal negócio fracassou. Sempre fracassava. Fracassara tantas vezes, que eu tinha certeza que, daquele jeito, nunca conseguiríamos algo com ele. Mas então Puck, meu melhor amigo, tinha uma 'ideia genial' e, de início, conseguia empurrar tudo aquilo para frente. Eu, já um pouco cansado de ser um ninguém, um mero limpador de piscina, um empregado de segundo calão, pulava diversas vezes fora. Dizia que iria ter dignidade de arrumar um emprego melhor. Mas é claro que eu e Puck acabávamos não fazendo nada de útil, além de entregar pizzas, ou ficar vestido de coisas bizarras pela cidade promovendo estabelecimentos à beira da falência.

O negócio das piscinas continuou. Continuava sempre. Às vezes nos afastávamos, mas enquanto houvesse clientela, estávamos debaixo do sol pescando coisas nojentas das piscinas alheias.

Por isso, eu tinha a perfeita ciência de que a vida era muito maior do que poderíamos imaginar. Não havia glamour, não havia dinheiro infinito, não havia holofotes. O que havia era um pouco de ruína, erros constantes e muito suor.

Em outras palavras, a minha vida era um fracasso.

E eu não fazia quase nada para mudá-la. Por um lado, estava completamente acomodado; por outro, tinha medo de fracassar como das outras vezes.

Eu não tinha muitos sonhos. Talvez dois, ou três. Mas nada grandioso.

Mas tudo o que eu sabia era que ter saído do interior do estado tinha sido uma boa escolha. New York era sempre uma grande promessa.

Eu percorrera o estado diversas vezes num espécie de road trip com Puck e os outros e vira que em muitos outros lugares a vida era muito melhor. Eu sabia que muitos procuravam a fama em New York, afinal aquela parecia ser uma opção viável. New York: a cidade onde os sonhos 'se realizavam'. Pois a grande parcela somente ficava na cabeça de muitos, é claro. No entanto, estar ali ainda estava me rendendo. Eu sabia que, fosse qual fosse meu grande sonho, provavelmente encontraria meio de realizá-lo em New York.

Longe de New York, eu não conquistara muita coisa. Minha antiga namorada do ensino médio ainda era a mesma (o que era incompreensível; será que ela não tinha nada de útil para fazer da vida?). Meus amigos, também. Minha vida, em suma, não mudara praticamente nada. Há seis anos que vivia do mesmo modo, à exceção de algumas viagens por pura diversão e conhecimento. E agora, depois de tantos lugares visitados, eu estava na Big Apple.

No entanto, eu estava tentando mudar minha condição. Acho que se você está vendo que a sua vida tá uma droga, precisa urgente fazer algo. E eu era ótimo na bateria, aprendera praticamente sozinho e era capaz de aprender o que fosse. Puck era ótimo na guitarra, e Sam até sabia um pouco de baixo. Éramos uma ótima banda instrumental. Porque ninguém ali tinha a coragem de se apresentar como vocalista. Então, como Puck tinha dito que no ambiente rock n roll não havia bom ou mau cantor, todos nós cantávamos meio que juntos, propagando um som distorcido e meio esquisito. Era meio que um efeito de banda de garagem, mas Puck dizia que, se fôssemos fazer daquilo um negócio, estávamos indo bem. Poderíamos fazer covers, porque ninguém ligava para as letras das canções, era o que Puck também dizia. Eu tinha minhas suspeitas, já que qualquer ideia de Puck sempre parecia um tormento.

E eu estava naquele restaurante, pois Puck tinha me dito para aparecer. Estávamos na cidade há quase uma semana, dormindo num hostel no Brooklyn. Ele dissera que já tinha ido ali algumas vezes quando ia visitar seu pai na cidade (que já estava preso de novo) e que se estávamos dentro do 'negócio da banda' aquele estabelecimento parecia ser o certo. A princípio, o local parecia ser bem normal – um restaurante típico. Mas então notei um palco e um piano de cauda.

Aquela, percebi, poderia ser uma bela oportunidade. Se quiséssemos ser, para sempre, a banda horrível composta por três caras que não sabiam cantar.

Mas tudo bem.

Tudo bem mesmo. Porque eu sabia que não precisávamos ser perfeitos. E a julgar a clientela, ninguém parecia muito inclinado a ouvir blues, ou jazz, o que me deixou mais satisfeito.

Estava na metade do meu milk-shake de caramelo, enquanto aguardava Sam e Puck. Observava, da minha mesa, o movimento do estabelecimento: pessoas conversando, terminando suas noites – algumas começando –, alguns casais solitários perto do balcão, os funcionários naquela roupa vistosa, toda vermelha, zanzando de uma mesa para outra, carregando louça, ou comida. Ali não parecia ser muito tedioso. Todos estavam entretidos com algo. Pelo jeito, eu era o único calado e sozinho. Não que eu já não estivesse acostumado com aquilo. Eu sempre me destacara como o garoto solitário. E, para falar a verdade, era melhor do que ser barulhento a todo momento. Era bom ser silencioso num mundo onde ninguém calava a boca.

"Foi mal a demora", Puck chegou e me cumprimentou. "Cadê o Sam?", perguntei. Aquela era ou não uma reunião? "Perdido por aí. Já me ligou duas vezes, parece que está na Morgan, sei lá onde é isso", ele me respondeu. "Devemos nos preocupar?", inquiro. Puck faz um gesto de descaso. "É claro que não. Mas então, você falou com alguém?", ele me olhou e depois fez um sinal para que alguém o atendesse. "Sobre...?", tive de perguntar. Puck me olhou de um modo agressivo. "Pô, cara, sobre a nossa apresentação!", ele exclamou, sem paciência alguma. Fome, era isso que ele estava sentindo. "Cadê alguém nessa porcaria para nos atender, hein?!", ele reclamou, logo em seguida, vistoriando o local à procura de uma garçonete.

"Acho que é só chegar. Tem um quadro de aviso sobre isso ali na frente, chegou a ler?", perguntei.

Mas eu estava lidando com Puck, era claro que ele não tinha lido nada. "Se queremos começar a tocar todos os dias, temos de organizar isso daí, cara", ele me respondeu. "Vamos tocar todos os dias? Ninguém vai suportar nos ouvir todos os dias, Puck!", falei, tentando ser sensato. Quer dizer, éramos realmente horríveis! E nem repertório tínhamos direito! Não podíamos fazer uma coisa dessas sem um planejamento! "Nós nem temos um vocalista!", refutei. Puck repetiu o gesto de descaso. Ele descartava qualquer tipo de observação séria, para ele tudo se dava um 'jeitinho'. "Isso é o de menos, até parece que eles estão preocupados com alguém cantando!", ele deu uma averiguada no pessoal rapidamente, ainda tentando chamar a atenção de alguém. "Eu estou preocupado com isso", assegurei. "Finn, aprende uma coisa, ok? Há até mesmo bandas virtuais por aí, e não será a nossa, sem um vocalista, que vai dar errado", Puck me disse sem paciência alguma.

"Pois não?", alguém disse. Ergui os olhos: era a mesma garota que me atendera antes. Ela desviou os olhos de mim e olhou através da janela, para depois pousá-los em Puck. "Finalmente!", ele reclamou abertamente, fuzilando a garota com um olhar meio assassino. Dei uma cotovelada nele com força, mas fiz parecer que tinha sido sem querer. "Opa", eu disse para ele. Acho que a garota não tinha muita culpa: o restaurante estava cheio, e eu mesmo já a tinha visto correr de um lado para o outro muitas vezes, carregando até mesmo bandejas pesadas demais para seu pequeno tamanho. Puck, desatento, nem se deu ao trabalho de me responder algo. "Quero uma porção gigante de batata frita com bacon e um desses negócios aqui", ele apontou para o cardápio, para uma imagem de uma coisa parecida com carne ao molho de alguma coisa desconhecida pelas minhas vistas. "Costelas com molho de açafrão?", ela perguntou, pronta para anotar na comanda. "É, tanto faz", Puck respondeu meio sem modos. A garota assentiu e anotou na comanda dele. "E um expresso", ele adicionou rapidamente. Ela assentiu de novo: "Mais alguma coisa?". Puck fez que não e lhe devolveu o cardápio. Ela se afastou com passos certeiros até a outra extremidade do restaurante.

Eu estava pronto para dizer algo sobre a garota, sobre ela não ter tido culpa alguma por ele ser uma pessoa completamente ogra quando se tratava da fome, mas Puck não me deu oportunidade, já que logo emendou: "Podemos não ter um vocalista, mas temos uma bateria, uma guitarra e um baixo. Quer mais?".

"Eu realmente acho que...", tentei dizer.

"Tanto faz. Ninguém liga para o que as pessoas cantam, Finn", Puck me respondeu prontamente. Dei de ombros, perdendo a batalha. Parecia que, se ele estava dizendo, então estava tudo acertado.

Quinze minutos depois, sua comida chegou, sendo trazida por outra pessoa, não pela garota baixinha. Puck, em meio ao seu processo de mastigar e engolir, ficou dizendo que deveríamos perguntar ao gerente, ao subgerente, ao sub-qualquer-coisa sobre como ocorriam a questão das apresentações. Eu lhe repeti o que já tinha dito: que tinha lido que não havia uma fila de espera, também porque parecia que ninguém ali estava a fim de cantar. Desde que entrara ali, ninguém tinha subido ao palco, e já fazia quase uma hora. Apesar de que era final de noite: algumas pessoas estavam cansadas demais, outras, se preparando para o começo da noite bem longe dali. Não podia culpá-los.

"Quando ela voltar, pergunte. Preciso ir ao banheiro", ele me disse. Mas ela quem? Ele se levantou e andou até o final do restaurante, num biombo esquisito, e desapareceu. Fiquei sozinho de novo, calado, observando o movimento, que decrescia um pouco. Muitos casais já tinham deixado o estabelecimento, somente alguns grupos de amigos barulhentos faziam presença. Uma das garçonetes passou pela mesa e eu a chamei. Parecia ser latina, então achei que deveria falar em espanhol. Até que ela abriu a boca: "Querido, agora não dá. Rachel?!", ela chamou alguém, aos berros. Percebi por que não dava: ela estava segurando uma bandeja que parecia que cairia de suas mãos a qualquer instante. A latina seguiu em frente e, antes que eu percebesse a mudança, outra garota com a mesma vestimenta vermelha estava na minha frente. Era a garota baixinha. Rachel.

Ela afastou a franja dos olhos e preparou a caneta para uma nova comanda. "Sim?", ela quis saber. Fiz que não com a cabeça, num gesto automático. "Apenas quero uma informação", eu lhe disse. Ela assentiu e cruzou os braços numa atitude que remetia à autoproteção. "Oh, ok", ela afirmou, aguardando pacientemente. "Os shows", indiquei o palco com a cabeça, "como funcionam?".

"Você chega e canta. Não precisa falar com ninguém, apenas não esqueça de se anunciar", ela me respondeu. Concordei com a cabeça, compreendendo. É claro que eu já sabia que era assim que funcionava. Mas se Puck queria encher o meu saco sobre isso, tudo bem. Sua dúvida estava sanada. "E os instrumentos?", eu quis saber. "Bem, é melhor trazê-los. Quer dizer, ninguém realmente se importa. E solistas se dão melhor, e o piano é realmente muito bom", ela disse. "Você já cantou?", fiquei curioso. Do modo como falava parecia que ela já tinha se apresentado diversas vezes. Ela soltou uma risadinha, em negação. "Apenas trabalho aqui", ela afirmou. E então acertou de novo a franja. Assenti, meio que dispensando seus serviços. A garota entendeu e me ofereceu um sorriso antes de se retirar. Fiquei olhando-a se afastar, a saia mais ou menos curta de seu traje balançava conforme seus movimentos, juntamente com seus cabelos lisos e compridos. Mas era tão baixa que logo sumiu de minhas vistas.

Puck retornou e perguntou: "E aí?". Relatei a minha breve conversa com Rachel nos mínimos detalhes, para ele ter a certeza de que não precisava pedir permissão para o prefeito da cidade para cantar ali. "Então é isso, voltamos amanhã aqui", ele afirmou. Mas havia um problema. A questão os instrumentos. O único veículo que tínhamos era a minha moto, que eu tinha herdado de meu pai. E não dava, exatamente, para transportar uma bateria inteira, uma guitarra e um baixo na minha moto. "Vamos tocar piano?", perguntei. Puck me lançou um olhar perdido. "Você sabe tocar piano, cara? Não sabia!", ele exclamou, já todo empolgado. Rolei os olhos. "É claro que não sei!", tratei de elucidar. "A questão é: não dá para trazer os materiais, então sem chance. Não vamos cantar aqui", eu disse. E aí eu pensei melhor no mesmo instante. "Ou então...", quase pude ouvir um click dentro da minha cabeça. "Ou então?", Puck perguntou, na expectativa. "Ou então, poderíamos fazer uma coisa mais acústica. Violão e voz. Aposto como eles devem gostar disso. Não é blues, pelo menos", expliquei, já todo feliz, porque tinha sido uma sacada muito boa. "Achei que não sabíamos cantar. E que cantávamos rock, porque assim ninguém perceberia com muita exatidão quão horríveis somos", Puck comentou. "Vamos improvisar", eu disse. "É uma coisa ao vivo, tá sabendo? Se gritando já somos terríveis, cantando acusticamente seremos um fracasso...", ele revidou. "O Sam sabe cantar umas músicas. Nós o acompanhamos", eu tentei arrumar uma saída, dando de ombros. "É, ele sabe cantar Justin Bieber. Não estou vendo nenhuma pré-adolescente por aqui, você está?", ele perguntou com muito sarcasmo. "O que sugere, então?", perguntei.

"Precisamos de um vocalista decente", ele respondeu.

Isso era evidente.

Mas quem?

"Bem, só não dá pra trazer a bateria. Podemos vir de táxi com o resto. Então eu posso fingir que sou o vocalista, e você e o Sam improvisam com a guitarra e o baixo", eu falei. Puck assentiu, concordando contra a vontade. "Ainda precisamos de um bom vocalista", ele argumentou. "Você quer ganhar uns trocados, ou não?", finalmente inquiri. Ele deu de ombros. "Ninguém vai dar dinheiro para nós, Finn! Somos uns fracassados!", Puck constatou.

Era uma ótima constatação, realmente.

Éramos muito fracassados, não tínhamos muita experiência. Tudo bem, tínhamos certa coordenação com os instrumentos, mas com o canto? E até parecia que Sam conseguia cantar tão bem qualquer canção do Justin Bieber. Quer dizer, um fracassado cantando uma canção de outro fracassado? Não iria prestar.

Estávamos ferrados, essa era a verdade.

Nem sabia por que Puck queria se dar ao trabalho de aparecer na noite seguinte. Não tínhamos nada para oferecer. Talvez somente uns berros desafinados.

"Por enquanto, vamos improvisar. De certo modo, somos ótimos nisso", eu disse, dando de ombros. Se tínhamos chegado tão longe, se já estávamos em New York, o jeito era continuar a fingir que éramos algo. Uma banda de verdade. Uma banda que, por ora, não precisava de um vocalista. Além do mais, onde achar alguém que concordasse em não receber dinheiro para tal trabalho? Ninguém se associaria à nós! O jeito, então, era continuar sem um quarto membro.

Os Jonas Brothers não fizeram sucesso sendo um trio?

Então nós poderíamos fazer!

É claro que eles tinham algum talento (talento que faltava em mim, Puck e Sam). Mas mesmo assim. Tínhamos de tentar. Afinal, eu tinha de fazer algo da minha vida.

E estávamos em New York, a cidade que nunca dormia! A cidade onde os sonhos, supostamente, se realizavam!

O que eu tinha a perder?


Hey there!

Mais uma Finchel pra vocês, inspirada em Empty Handed. Desde a primeira vez em que a ouvi achei muito a cara dos dois, então resolvi tentar a minha segunda fanfic Finchel, YAY! Se gostarem comentem, por favor!

Love, Nina.