Fim

A primeira vez que ela chorou ao pentear os cabelos foi quando a mãe os puxou com muita força, na noite que se seguiu àquela pergunta. Na época, Isuzu era muito pequenapara entender porque os pais haviam ficado irritados por tê-los indagado sobre sua estranha felicidade. Porque o sobrenome Souma parecia tornar as pessoas incapacitadas a tirar algo bom da vida. Era o que ela vira em todas as famílias do clã até então. Em sua inocência, não entendia porque era a única criança merecedora de alegria.

Naquela noite, como em todas as outras, Isuzu estendeu o pente de madeira para que a mãe desembaraçasse seus cabelos. A dor a fez soltar um gemido agudo e fitar a mãe com olhos assustados. Apesar da reação dos pais, não esperava aquilo. A mulher mandou-a entrar no quarto, com um único gesto ríspido. Antes que a porta se fechasse atrás da filha, jogou o pente, que caiu no chão com um baque seco.

Era ainda o mesmo quarto, com os mesmos móveis. O mesmo espelho, manchado de óxido pelo tempo.

Devia estar feliz. Antes, os cabelos davam trabalho, dado o tamanho absurdo. "Crina ridícula", Akito dizia deles, e os chamara do mesmo jeito quando os cortara à força.

Era aquilo ou ver Haru castigado. Como se importava mais com ele do que com qualquer pessoa, entregou-se à punição. Segurou os gemidos no fundo da garganta e conteve as lágrimas que queimavam-lhe os olhos. Sob uma saraivada de risadas e insultos, deixou o quarto sombrio de Akito, em cujo piso jazia seu atributo físico mais encantador.

Pentear os cabelos era bem mais simples agora. Quase não havia nós. O pente descia com uma facilidade absurda. Era estranho, mas confortável não ter um monte de fios a rodeá-la até os quadris.

Entretanto, não se sentia bem. O espelho revelava um odioso ar infantil em sua fisionomia. Parecia a boneca tosca que jazia no fundo do mesmo baú da infância. O último brinquedo, porque, desde aquele dia, os pais pararam de dar-lhe presentes. Penteou os cabelos com mais força. Haru não poderia mais brincar de fazer tranças toscas em suas madeixas. Intensificou os movimentos bruscos. De força e ira, arrancou uma mecha. Chorou a reabertura dos machucados da cabeça e do coração. Soltou o pente e ouviu o mesmo baque seco de anos atrás.

Mas a dor parecia pior do que naquele dia.

Seus cabelos cresciam rápido. Mas Akito os cortaria novamente, enquanto não se curasse da necessidade doentia de tomar os possuídos pelos doze signos para si.

Será que Haru a amaria menos?

Bem, isso já não importava.

Ele não poderia, não deveria amá-la.

Isuzu respirou fundo e fixou o espelho novamente, como se tentasse acostumar-se àquela face, mais odiada do que nunca.

"A sua nova e horrenda face", Akito dissera.

Ela olhou a mecha enrolada no pente.

Tiraria mais, se isso fizesse Haru deixar de amá-la.

A última lágrima desceu, de encontro à boca.

O coração parecia espirrar sangue.

Isso tudo já não devia importar.

Era o fim.

Fim

Obrigada pela betagem, Faye. 