Eu prometo que essa fic vai até o fim. Afinal, ela já foi inteiramente escrita, só vai depender do interesse as postagens : )

Enquanto isso eu me mato pra conseguir espremer "Lie to me" da minha cabeça _ . Sorry people.

Nem sei como classificar essa fic. Ela começa meio angst, tem uns traços de comédia, fluffy, enfim.

Baseada na ideia do filme "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" e com música tema "Strings that tie to you".

Hv fn.


Capítulo 1 - Strings

Dentro do taxi, John olhou o relógio. Eram três da tarde do domingo, e ele era o único médico disponível, então estava sendo chamado às pressas para uma emergência. Apesar do horário, estava relativamente escuro, devido ao acumulo de nuvens anunciando chuva para aquela noite.

O taxi sempre fazia o mesmo caminho. Sempre passava pelas mesmas ruas, parava nos mesmos sinais. Ele já não olhava pela janela, cansado de, por um ano, ver exatamente a mesma paisagem seguidas vezes. Tinha um ar de monotonia e solidão.

Só havia uma rua que ele sempre erguia a cabeça para observar. Uma rua cheia de fantasmas, que ele quase podia ver, quase podia tocar, de tão palpáveis. Uma rua que lhe causava dor na boca do estômago, e um nó se fazia em sua garganta.

Baker Street tinha esse poder sobre John há cerca de um ano, desde que teve de se mudar dali, por não poder pagar sozinho o aluguel.

Sozinho.

Ele tentou desviar os olhos ao passar na altura do número 221. Mas não conseguiu. Nunca conseguia. Na verdade, pensou em pedir ao taxista que parasse, mas lembrou da emergência e tirou o pensamento da cabeça.

Na volta, no entanto, lá pelas dez da noite, resolveu tomar coragem e parar.

Já chovia torrencialmente e ele não havia trazido nenhum guarda-chuva. Isso ajudou bastante que as pessoas não achassem tão evidente seu choro. Quieto, intransponível, em frente a uma porta fechada, John deixou algumas lágrimas serem levadas pela chuva, lembrando-se de quantas vezes atravessara aquela porta ao lado dele.

Tudo era lembrança, tudo era uma forma de lembrar. Os arranhões na madeira ao lado da fechadura eram um recado de que tal porta já havia sido arrombada algumas porções de vezes, pelos criminosos que Sherlock Holmes depois prendera. E lá dentro, ele tinha certeza, havia uma enxurrada de memórias que seriam capazes de atordoa-lo.

Fechou os punhos, amaldiçoando seu melhor amigo por deixa-lo sem pensar duas vezes. Por se matar sem pensar que deixaria pessoas a sofrer por ele.

"Nunca se importou com ninguém, nunca se importou comigo, nunca pensou em quem deixaria pra trás".

Um ano. Um ano e ainda havia um laço em cada uma das coisas daquela rua e na maior parte da cidade, que o ligavam à Sherlock Holmes e por vezes o estrangulava em saudades.

Ele não conseguia romper esse laço.

Afinal, como já dizia o poeta, saudade é nossa alma dizendo pra quem quer voltar.

Estava tão perdido em suas próprias lembranças que não percebeu quando um carro preto parou atrás de si.

Uma mulher saiu de lá, segurando um guarda-chuva enquanto abria a porta de trás.

— John – Anthea chamou.

Ele olhou para trás, limpou o rosto, tentando pensar se era possível diferenciar água de lágrimas, e reconheceu a assistente de Mycroft imediatamente.

E isso foi quase como se Sherlock ainda estivesse vivo. Afinal, o que o outro Holmes poderia querer com ele? Se o motivo de estar constantemente sendo observado por Mycroft era sempre o amigo, por que estaria atrás dele agora?

Sabia que não teria pergunta alguma respondida ali, debaixo de chuva e frio. Então simplesmente entrou no carro e não disse uma única palavra até chegar à uma casa luxuosa numa área privilegiada de Londres.

Um empregado lhe tirou o casaco ensopado e lhe secou rapidamente com uma toalha. Seus sapatos foram trocados, para não molhar o carpete caro da gigantesca sala.

Lá, Mycroft estava sentado, com um jornal aberto e uma xícara de chá numa mesinha ao lado.

— John, por favor, sente-se e tome um chá. Vai lhe aquecer.

John obedeceu. Um chá era justamente o que precisava.

Tirando Sherlock Holmes.

— Por que estou aqui? – ele perguntou.

Mycroft baixou o jornal e tomou mais um gole de seu chá antes de falar qualquer coisa.

— Veio ao meu conhecimento que você ainda está severamente ligado ao meu irmão.

— Está me espionando? – perguntou John, inconformado – Ainda?

— Espionagem é uma palavra muito forte.

— Há três anos você se apresentou pra mim como arqui-inimigo de Sherlock Holmes. E espionagem é uma palavra muito forte?

— John, a questão aqui é que desde que Sherlock se foi, você continua estagnado.

— Isso não interessa a você.

— Não, não interessa. Mas eu posso lhe ajudar.

— Ajudar? – John lhe deu uma risada irônica – Você foi um dos principais responsáveis pela morte de Sherlock. Por que se importaria comigo agora?

— Não me importo com você – ele disse, prontamente, mais frio do que John esperava. – Me importo com meu irmão. Sei que errei com ele, como você disse, e ele se importava com você. É uma forma de pedir perdão a ele.

— Ele não se importava comigo – protestou John, esquecendo o chá em suas mãos até que a xícara lhe queimasse uma falange. – Se Sherlock se importasse comigo, não teria me deixado.

Mycroft baixou a cabeça, fazendo silêncio por alguns instantes. Ele sabia das circunstâncias com que Sherlock havia se matado. Sabia o motivo. Mas nunca dissera a ninguém.

— John, Sherlock não se matou por desgosto de si mesmo. Ele não era uma fraude.

— Diz isso a mim? – John mantinha um sorriso irônico de repulsa - Eu sei que Sherlock Holmes não é uma farsa. Eu acredito em Sherlock Holmes. Em sua genialidade. Ninguém mais do que eu.

— Nunca lhe veio a ideia de questionar-se por que então? Preferiu achar que ele ia realmente se matar por um motivo egoísta?

— Eu me perguntei isso durante dias, semanas, meses – a voz de John tremeu e seus olhos ficaram vermelhos imediatamente. – Me perguntei isso diariamente durante muito tempo.

— Mas a dor de tê-lo perdido gerou raiva.

— Não importa o motivo – ele afirmou, de cabeça baixa. – Sherlock não tinha que…

— John – Mycroft o interrompeu. – Ele tinha motivos.

John permaneceu encarando Mycroft por alguns segundos, até se convencer que ele não diria mais nada.

— Mycroft – disse John, pausadamente, quase com dificuldade. – Por que estou aqui?

— O governo da Grã-Bretanha está desenvolvendo um método eficaz de recuperação de traumas para soldados retornados da guerra – ele disse. - Vem sendo desenvolvido desde 1942 e agora a fase de testes terminou. É 100% seguro e eficaz.

— Recuperação para soldados? Um tratamento?

— Não envolve nenhuma terapia. É um método rápido, simples e quase indolor.

— E o que eu tenho a ver com isso?

— Apesar do projeto ser absurdamente secreto e envolver bilhões de euros apenas na área de segurança de informação, estou disposto a oferecer o tratamento a você. Afinal, de qualquer forma, você é um soldado com um trauma.

— Não entendi. O que isso vai fazer comigo?

— A ideia do método é remover todas as lembranças relacionadas a um único objeto na mente. Uma vez encontrado a fonte do trauma, a memória é abruptamente interrompida e substituída por outra.

— Um objeto?

— Uma pessoa, no seu caso. Remove-se Sherlock Holmes do seu cérebro, e adeus todos os sentimentos ruins da sua vida.

— Esquecer Sherlock Holmes?

— Mais do que isso. Seu encontro com ele, sua vida com ele. Nada disso terá acontecido. Nada disso terá existido. Nós colocaremos em você uma memória cheia de momentos felizes e um emprego tranquilo num hospital. E então, toda vez que passar em frente a casa que dividiam, ela será tão comum quanto todas as demais.

John ficou assustado com a possibilidade. Seu peito se encheu de um sentimento estranho, incômodo, amargo. Fazer isso com uma pessoa querida parecia, até mesmo para um ateu, uma falta de respeito quanto à sua memória.

— Não posso fazer isso – ele respondeu. – Não posso apagar Sherlock para sempre.

— John, não quer constituir família? Casar-se, ter filhos?

John teve que pensar por alguns segundos antes de responder.

— Claro que quero. Mas o que isso…

— Acha mesmo que sofrendo por Sherlock Holmes vai ser capaz de amar alguma mulher? – interrompeu Mycroft.

— Nós não éramos…

— John – Mycroft o interrompeu novamente, com um sorriso irônico. – Vocês moravam juntos, faziam compras juntos, saíam pra caçar bandidos juntos, comiam juntos, conversavam um com o outro mais do que com qualquer outra pessoa. Eram mais próximos do que a maioria dos casais que conheço. Não estou aqui para insinuar que tinham uma relação com envolvimento físico. Até porque, conhecendo meu irmão, isso não seria plausível. Mas, John, está se enganando ao dizer que não eram um casal. Não o tipo de casal que você está acostumado. O tipo de casal que Sherlock formaria. Vocês se amavam. Afinal, caso contrário, porque você estaria até hoje, um ano após sua morte, fazendo terapia e se recusando a se envolver em qualquer tipo de relacionamento amoroso duradouro?

John não soube o que pensar de tudo aquilo. Negara tantas vezes aquela afirmação que as palavras haviam virado um bordão em sua boca. Mas agora tudo fazia muito mais sentido. Não eram o tipo de casal que ele estava acostumado, e o que todos imaginavam, mas Sherlock Holmes e John Watson eram uma única unidade. Duas metades. Duas partes de uma mesma coisa. E apesar de todos os desafetos e os insultos, John amava Sherlock Holmes e sentia sua falta terrivelmente.

— E daí? – perguntou John, após alguns segundos pensando nas palavras – Não muda nada. Sherlock está morto, eu serei capaz, algum dia, de seguir minha vida.

— Não, não será. Não será capaz de esquecer Sherlock e ter outro tipo de envolvimento com uma mulher afora do que já se acostumou com meu irmão. Não é o que você quer, e não é o que você irá querer, enquanto se lembrar do único homem que amou.

John estava se sentindo deveras perturbado pela escolha de palavras de Mycroft. Mas não as rejeitou.

— Não posso – ele afirmou. – Não posso esquecer Sherlock. Todos acham que ele foi uma fraude, todos acham que ele mentiu sobre Moriarty. Eu sou um dos únicos que ainda sabe quem Sherlock Holmes foi. Se minha memória sobre ele se for, ele irá virar uma mentira.

— Se importar não é uma vantagem, John. O sentimento é uma desvantagem perigosa.

John podia citar incontáveis memórias que aquela frase trazia à sua memória. Mas se limitou a baixar a cabeça, deixando-as ir e vir conforme queriam.

— Não sou como vocês. Não sou um Holmes. Não sou capaz de simplesmente me desligar.

— Então deixe-me fazer isso por você.

John desviou os olhos. Sentia-se culpado simplesmente por considerar a ideia.

— Não posso. Não quero.

— Sherlock Holmes nunca irá voltar e você continuará estagnado, sofrendo. Que tipo de vida é essa, John? E não é como se você pudesse se arrepender. Não irá se lembrar que quis esquecer alguém. Nada disso estará na sua memória. Eu nunca terei existido para você também.

— E não é reversível – disse John, numa afirmação.

— Em teoria é. Mais doloroso e tudo mais, mas em teoria dá pra ser feito. A questão é: se você não souber que perdeu alguém de sua memória, se sequer saberá quem eu sou, ou mesmo que tal procedimento é possível, na prática, é irreversível.

John se levantou, perturbado com aquelas palavras. Sentiu uma fisgada na perna, no mesmo lugar que, três anos antes, ele sentia com frequência. Há alguns meses, a dor começara a voltar, lentamente, e agora tornava-se quase frequente. As coisas começavam a ser exatamente como antes de Sherlock: morando sozinho numa pensão, sustentando-se muito mal, tendo pesadelos sobre a perda de pessoas queridas. Agora, no entanto, só havia uma pessoa morrendo em seus sonhos, noite após noite.

Respirou fundo, deixou a xícara sobre a mesa e deu as costas à Mycroft.

— Pense a respeito, John. Pense bem. Baker Street não precisa lhe causar dor.


John não se lembrava como havia chegado até ali, mas sabia que estava num taxi, olhando pela janela, tentando reconhecer a paisagem. Sabia, também, que ia em direção ao Hospital St. Bartholomeu.

"Algo ruim vai acontecer lá."

Um pânico crescente começou a fazer seu estômago se revirar. Sua ânsia em fugir daquilo que ia acontecer lhe fez abrir a porta do taxi e saltar no chão.

Começou a correr então, na direção contrária. Seus passos, no entanto, estavam lentos, e muitas vezes pareciam estar, na verdade, levando-o para trás.

Caiu. Caiu e começou a ser arrastado de volta ao Hospital.

"Algo muito ruim".

Medo. Seu pavor lhe subia à garganta e o impedia de gritar.

Fechou os olhos. Sabia que estava lá, sabia que podia assistir de camarote quando acontecesse. Mas não quis.

Ouviu simplesmente o baque seco de um corpo espatifando-se no chão.

Abriu os olhos. Estava sentado na calçada em frente o apartamento.

"Talvez ele não…"

Levantou-se e abriu a porta. Subiu as escadas correndo. Estava tudo quieto. Desejou ouvir o som do violino, mas não havia som algum. Não havia barulho algum. O mundo havia se calado pois, no chão da sala, estava um corpo com a cabeça amassada de um lado, alagando o lugar de sangue.

Começou a correr para fora. Para longe daquele lugar.

E então uma série de cenários foram aparecendo conforme corria. A casa de Irene Adler. A faculdade de "Um estudo em rosa". As ruas do distrito chinês. Passou até pela piscina onde Moriarty se apresentara. O laboratório do Hospital. O necrotério. Porta atrás de porta, todas as memórias, e em todas elas, um Sherlock com a cabeça amassada repousava inerte. Até que finalmente chegou ao telhado do Hospital.

Lá, John deteve-se ao ver Sherlock parado na borda, perigosamente propenso a cair.

Sherlock! – ele gritou.

Então o detetive virou-se. Sua cabeça sangrava, amassada, o rosto parcialmente deformado. Pálido, morto.

Ele já está morto.

Não tem como voltar atrás. Não tem como ajuda-lo.

E assim, com John imóvel, aquele Sherlock deixou seu corpo cair até algum lugar da cabeça de John, de onde jamais sairia.


John acordou suando e com o coração batendo tão rápido que conseguia ouvir uma veia pulsando em sua cabeça. Havia lágrimas em seus olhos e um vazio no estômago.

Aquilo ia acabar matando-o. Aquelas lembranças iam leva-lo à loucura.

Então John se levantou, pegou um papel, uma caneta. Riscou a mão para fazê-la pegar e então começou a escrever, sem pensar muito, sem parar um segundo.

Quando terminou, fechou a carta, selou-a, se vestiu e saiu de casa. Já era quase seis da manhã, mas dava tempo de passar em Baker Street antes de ir para a clínica. Lá, ele deixou a carta com a senhora Hudson, pedindo que guardasse e que só entregasse a ele mesmo, se um dia aparecesse naquela casa novamente.

Num intervalo entre um paciente e outro, John ainda mudou a URL de seu blog. Agora, para chegar a ele, deveria digitar sherlockisnotdead.

Naquela tarde, ele foi conversar com Mycroft de novo.

E no dia seguinte, os laços que o ligavam à Sherlock Holmes, que o sufocavam e amarguravam, haviam se partido.