Disclaimer: Sherlock Holmes não me pertence, e essa é uma história sem fins lucrativos.
Recomendo a leitura ouvindo I Grieve, do Peter Gabriel. Foi o que me inspirou a escrever.
Estava sentado na ambulância, com aquele ridículo cobertor laranja cobrindo seus ombros. Ignorou as perguntas de Lestrade, do mesmo modo que ignorou os paramédicos que enfaixaram seu braço. Ainda não tinha conseguido entender o que aconteceu, só sabia que não adiantava procurar por Watson na multidão.
Ainda não era uma hora da manhã, mas parecia que uma eternidade havia se passado desde o momento em que se aproximou da piscina. Por quanto tempo ficou socando o corpo inerte de Moriarty? Não o suficiente para aplacar sua raiva. Se não tivesse sido arrastado dali continuaria batendo até dissolver o crânio daquele maldito.
Não queria voltar para seu apartamento e o encontrar vazio. Já não sabia como viver sem a presença de John, sem alguém que o lembrasse de fazer ao menos uma refeição por dia, sem alguém que se importasse...
Deveria ter atirado na bomba quando teve a chance. Talvez assim todos tivessem morrido, mas isso seria melhor do que ser o único a sobreviver. Fora o atirador, é claro. O atirador que fugiu assim que percebeu que seu chefe estava morto. O maldito atirador que matou John Watson.
Correu assim que ouviu o tiro, amparando o corpo do amigo antes que atingisse o chão. Já era tarde, a bala atravessara diretamente o coração, a morte fora instantânea. Nunca sentira tanta raiva quanto naquele momento, nunca fizera algo tão imprudente quanto atacar Moriarty. Nada mais importava, nem sentiu a bala que passou de raspão por seu braço. Bateu naquele maldito até que Lestrade chegasse e o arrastasse dali, mesmo sabendo que o matara logo depois dos primeiros golpes.
Por que John o abandonou?
Ouviu um comentário de Anderson sobre John merecer morrer por ser amigo de um psicopata. Foi mais do que podia suportar. Nem percebeu quando se levantou e correu na direção daquele idiota, só entendeu o que tinha feito quando foi arrastado para longe de um Anderson inconsciente e obviamente ferido, novamente arrastado com o sangue de outro sujando suas mãos. Talvez a Sargento Donovan estivesse certa, talvez ele fosse um perigoso assassino esperando para acontecer. Talvez Moriarty tivesse despertado esse assassino.
Como deveria continuar com sua vida agora? Como poderia continuar vivendo sabendo que causara a morte de John?
De algum modo conseguiu voltar para casa, ainda que não se lembrasse de quem o levou até lá. Não parava de pensar naquele estrondo, no momento em que o destino de John fora selado. Chorou naquela noite, como nunca havia chorado antes, sabendo que a casa estava vazia e ninguém se importava. De algum modo, sabia que não era capaz de suportar aquilo sozinho, não era capaz de suportar aquela falha. Seu lar já não era um lar, era uma gaiola vazia, uma prisão de lembranças feita para torturá-lo.
O grande Sherlock Holmes, que podia dizer tudo sobre uma pessoa apenas por olhar para ela por um instante, que solucionava qualquer mistério, que não precisava de ninguém! O grande Sherlock Holmes, que não fora capaz de prever aquela bala, que falhou em salvar seu amigo, que não suportava ficar sozinho!
Por que John o deixara ali sozinho? Não percebia que não era capaz de seguir vivendo assim? Não percebia que a vida não tinha mais sentido.
Sentia raiva de John também. Sentia raiva porque ele o havia abandonado, mas principalmente porque ele entrara em sua vida. Nunca antes precisara de amigos, e agora descobria que não podia viver sem ele. Odiava a dor, a saudade e a amizade. E principalmente odiava aquele que despertou todos esses sentimentos.
Mycroft tentou consolá-lo, mas não havia porque o escutar. Ninguém entendia esta dor, ninguém entendia seu sofrimento. Sherlock nem ao menos se moveu quando seu irmão chegou, ou tão pouco ofereceu resistência quando foi arrastado do chão para o sofá. Jamais poderia esquecer, jamais poderia seguir em frente. Sabia que precisava de John, que perdera sua vida naquela noite.
Eventualmente todos voltaram para suas vidas normais, só ele não poderia voltar. As horas se transformaram em dias e os dias, em meses. E ainda não era capaz de seguir com sua vida. Ainda não era capaz de continuar. Cada táxi na cidade, cada espaço do apartamento, cada policial que via, tudo o lembrava de John. Sozinho não era capaz de esquecer.
Não demorou muito para que voltasse a se entregar ao vício abandonado há anos. Cocaína, sete por cento. Era a única coisa que permitia que sobrevivesse dia após dia. Era a única coisa que sustentava suas ilusões. Só tinha paz quando estava sob seu efeito. Adora as doces alucinações em que via John, odiava os pesadelos que o atormentavam com a morte de seu amigo.
Não se importava mais com os casos e nem fugia do tédio. Tudo o que importava agora era o tédio e a próxima dose, cada vez com mais cocaína. Precisava da droga como nunca precisara antes, precisava dela para acreditar nos sonhos, nas alucinações. Precisava dela para acreditar que John estava vivo. E só assim conseguia algum alívio.
Mas o sofrimento jamais o abandonaria.
Espero que tenham gostado! Críticas (construtivas) são bem-vindas!
