Ela conhecia as belezas do Brasil, os vinhedos da Itália, os santuários da China e as bebidas exóticas do Caribe. Havia provado das mais diferentes culinárias e experimentava seu pedacinho do céu dia por dia. Vivia sem se preocupar com nada além da hora do seu próximo voo.
Tinha feito vários "amigos instantâneos", daqueles que são tão simpáticos que fica difícil não sorrir com um simples "oi". Teve seus romances de apenas uma noite e vivia uma vida boêmia.
Depois que partia, se tornava invisível, ninguém sabia como encontrá-la, mas todos tinham sua marca.
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Dia 112 de 365, 22 de Abril, Espanha
Você deve aproveitar enquanto ainda há tempo. Aventurar, experimentar, abusar... E ignorar aqueles que lhe disserem "um dia você cansa". Não, meu caro, você não vai cansar. Você não vai olhar pra trás um dia e se perguntar "o que eu estava fazendo?" porque a resposta é tão simples, que se faz visível antes mesmo da pergunta. Você estava vivendo, aproveitando.
Você vai deixar memórias para trás. Seu legado. Você não vai ter um álbum vazio, ou uma caixa de sapatos com brinquedos velhos. Você terá uma vida cheia, memórias e umas boas histórias para contar.
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Tirou os olhos do caderno onde escrevia ao ouvir o garçom chamar sua atenção educadamente. A mulher sorriu com simpatia e deixou que o rapaz lhe servisse, agradecendo antes que ele se embrenhasse pelo mar de mesas do restaurante.
Pegou a taça de vinho tinto que lhe estava ao alcance e antes de levá-la à boca, tirou um momento para apreciar o cheiro da bebida. Era uma grande amante de vinhos e toda sua degustação era como um ritual. Todos os detalhes deveriam ser analisados com devida atenção.
Olhou ao redor por um momento, se perguntando se todos por ali estavam tendo uma noite tão boa quanto a dela, mas todos pareciam robôs. Maridos programados para levar suas esposas a um jantar romântico porque elas se sentiam solitárias enquanto eles passavam horas a fio trancafiados num escritório. Não se via paixão alguma, não tinha troca de olhares, mãos se tocando por cima da mesa ou pés se encontrando discretamente. Eram pessoas vazias, vivendo vidas vazias. Não tinham tempo para ler um bom livro, visitar um museu, fazer um passeio sem rumo, nem muito menos encontravam algum tempo para amar.
-Coitados.
Cortou um pedaço da carne em seu cocido madrileño, apreciando a textura macia e levando o garfo à boca. Comeu sem pressa, como fazia qualquer outra coisa.
Paciência era realmente a sua virtude.
E também, por que se apressar? Não tinha compromisso algum. Comeria, terminaria seu vinho, e então iria caminhando até o hotel, fazendo algumas paradas para tirar fotos.
-x-
O cabelo negro estava preso num coque alto e no rosto faltava maquiagem. Os olhos estavam cansados mas a mente satisfeita. Ela não se importava com horas de sono perdidas, contanto que as perdesse fazendo algo que a divertisse.
Sua viajem pela Espanha acabou perfeitamente bem, agora era a vez de Portugal. O voo deveria levar mais ou menos uma hora, o que ela decidiu ser tempo suficiente para escrever algumas linhas e dormir.
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Dia 117 de 365, 27 de Abril, Rumo à Portugal
17 semanas de 52. Ainda tenho mais 35 países para visitar, muita coisa nova para ver e aprender, muitas lágrimas para derramar e várias paixões para encontrar no meio do caminho.
Não desperdiçarei uma única chance de sorrir, e não negarei nenhuma experiência, porque... A vida é curta.
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Guardou o caderno na mochila, companheira de todos os tempos, e se ajeitou da melhor maneira que pôde para dormir, colocando os fones no ouvido e selecionando o modo aleatório em seu reprodutor. Não tardou a cair no sono, e o fez tranquilamente.
Após o desembarque, nem sequer pensou em ir para o hotel e dormir mais um pouco. O primeiro a se fazer no momento seria visitar um bom restaurante local e comer uma boa comida, não desperdiçaria tempo precioso de viagem dormindo. Como ela sempre dizia, teria muito tempo para dormir quando estivesse morta.
Teve um pouco de dificuldade enquanto tentava pedir informações mas achava essa parte divertida. Era um desafio se comunicar com pessoas que vivenciavam uma cultura diferente e falavam outra língua.
Quando conseguiu chegar ao restaurante, riu sozinha em sua mesa, relembrando do seu quase desastre de minutos atrás.
-x-
Durante seu último dia em Portugal, em sua passagem por Lisboa, encontrou uma pessoa interessante, com quem passou suas horas finais antes de ter que ir para o aeroporto.
Marcus. Tinha os cabelos escuros compridos e levemente cacheados, os olhos verdes tinham um tom esmeralda e a barba exalava maturidade. Com o porte atlético que tinha, e aparência encantadora, poderia facilmente ser um modelo, ou ator, quem sabe, mas escolhera estudar e se tornar um professor para educação especial. Gostava de história e literatura. O tipo perfeito.
E como se não bastasse, ainda sabia falar fluentemente a língua da viajante.
-Você poderia ser facilmente o amor da minha vida, sabia? Você é muito bom pra ser real. –A mulher brincou, empurrando o rapaz com o ombro.
Os dois estavam sentados lado a lado numa praça qualquer, em frente à cafeteria onde se conheceram. Os copos que seguravam estavam quase esquecidos quando tudo que eles faziam era conversar. Pareciam se conhecer há anos, tão natural era a forma que agiam.
-Você parece aqueles personagens de filmes, sabe? Viajam pelo mundo sem se preocupar com nada além de carregar um bom livro de poesias em sua bagagem. –Comentou admirado. –Seus pais não ficam preocupados?
-Sim, mas a vida é curta demais e eu estou apenas aproveitando meu tempo, então... Eles entendem.
-Quem sabe em uma de suas viagens você conheça o verdadeiro amor da sua vida e resolva "se aquietar".
-Não, não. –A viajante riu. –Acho bem improvável.
"Uma pessoa como eu não está destinada a encontrar um grande amor" pensou, mas sem se deixar abalar pelo sentimento de frustração.
-Qual seu próximo destino?
-Algum lugar bonito, amigo. –Respondeu com um sorriso brilhante.
