"Volte para os x-men, nós podemos..."

"Esquece."

Vampira sabia que nunca existiria um "nós" tratando-se de Wolverine.

"Por quê?"

"Justamente por você não saber o motivo."

Ela respondeu virando as costas para Logan mais uma vez.

"Eu quero que você volte."

Ele murmurou em voz baixa, mas audível. As costas de Rogue travaram e ela engoliu em seco duas vezes antes de se virar, sua obstinação quase indo parar no espaço com as palavras de Wolverine, por um momento ela quase acreditou nele. Então Vampira fechou os olhos e por trás deles viu-o partir a deixando para trás, sem se importar com a maneira que ela se sentiria. O passado para Wolverine sempre fora mais importante do que o presente, ou o futuro que poderiam partilhar. Abrindo os olhos, ergueu o capuz do casaco que ocultava parte de seu rosto, exceto pelos grandes olhos verdes intensos contornados de negro, tão familiares a Wolverine. Ela o encarou por mais um tempo em silêncio absoluto antes de voltar a falar.

"Você não sabe o que quer. E eu não vou ser abandonada por você novamente Logan. Não vou deixar acontecer, nunca mais."

Com a voz afetada e os olhos queimando, mas o queixo erguido, Vampira se distanciou de Wolverine a passos firmes. Logan continuou na mesma posição observando-a. Sentiu a mão de Hank pousar em seu ombro em uma tentativa de conforto.

"Ela só precisa de tempo."

Murmurou com a voz calma.

"Talvez."

Logan respondeu mesmo não estando convencido.

-xXxXxXx-

Após muito esforço demandado os x-men, com a liderança de Wolverine, conseguiram impedir o futuro terrível que Xavier havia informado que lhes aguardaria como resultado da guerra.

Todos se reuniram em volta da redoma em que Xavier se encontrava, excitados com a perspectiva de falar com o professor depois de tanto tempo de angústia.

A emoção de poder vê-lo novamente, ainda que fosse apenas uma imagem telepática, era indescritível. Ele fora o mentor de cada um daqueles que o contemplavam em silenciosa admiração. Ele os amava, e era amado como um pai por cada um deles, até mesmo Wolverine que em idade o ultrapassava.

Xavier era a luz.

Assim que a imagem tornou a desaparecer, a comoção de Vampira cresceu, e vendo tantas pessoas juntas em um espaço tão pequeno, ela instintivamente deu um passo para trás, depois outro. Quando notou, apenas as costas de todos eram visíveis, tão afastada que ela estava. Tão... sozinha.

Observando os amigos unidos, alguns deles abraçados, os pensamentos de Vampira viajaram para sua situação.

Ela não fazia parte da irmandade, não concordava com seus métodos e suas pretensões, mas tampouco se encaixava com os x-men. Ela percebeu que havia vagado por tanto tempo, que não mais pertencia a qualquer lugar.

Quando conhecera Logan, e percebeu sua semelhança, suas esperanças de encontrar um lar foram reavivadas. Mas Wolverine com o tempo apenas comprovou o que Vampira já desconfiava. Ele nunca ficaria fixo em um só lugar. Assim como ela. Então Vampira não tinha o direito de julgá-lo, pois sempre faria o mesmo que ele.

Abaixando a cabeça em sinal de conformismo, sua obstinação esmagada pela realidade, Vampira deu novamente às costas ao único lar verdadeiro que conhecera, aos únicos amigos que tivera, embora eles não a encarassem dessa forma desde o ocorrido com a irmandade dos mutantes. Uma parte deles sempre desconfiaria dela. A confiança era como um espelho, facilmente partido e irremediável quando o era, mas Vampira considerava um preço justo a pagar pelo bem estar deles. Foi pensando em cada um dos x-men que ela aceitara ficar ao lado da irmandade sendo encarada como traidora e, descobrindo seus planos, voltara para alertá-los ainda que fosse recebida com hostilidade. Não esperava menos. Nem se importava realmente. Todos ficaram bem. Ou quase todos. Ela e Emma não eram melhores amigas, ainda que a loira convencida já a houvesse auxiliado algumas vezes a respeito de seus poderes. Mas elas eram boas companheiras apesar de tudo e a perda de Emma a dilacerava, e revoltava. Ninguém parecia se importar. O momento família feliz excluía completamente o sacrifício da telepata, como se nada realmente importante houvesse sido perdido. Isso sufocava Vampira. Ela não permitiria que Emma caísse no esquecimento.

Este era seu maior medo. Seu dom absorvia as memórias das pessoas além de todo o resto e, de acordo com Emma, se desenvolvesse todo o seu potencial seria capaz de tomar certa lembrança da pessoa para si, apagando da mente do outro permanentemente. Ela temia ser esquecida. Pois bem sabia que as pessoas apenas existiam quando eram lembradas.

"Espere aí Rogue. Aonde você vai?"

Wolverine correu atrás dela, ao vê-la saindo da mansão, caminhando de maneira calma e discreta, não conseguia compreender o que ela pretendia com aquilo.

"Acabou, e eu estou indo embora."

Vampira respondeu sem direcionar-lhe o olhar, ainda de costas para Logan.

"Mas você voltou..."

Ele começou a argumentar, porém Vampira o interrompeu.

"Não. Eu lutei ao lado de vocês, mas nada mudou Logan."

"Pensei que houvéssemos acertado tudo..."

"Não tem nada a ver, é só que... esse não é o meu lugar."

Logan se aproximou dela, segurando seus ombros, virando-a para que pudesse olhá-la nos olhos, o rosto sério. Lembrava-se do que ela havia dito da outra vez, que aquele não era o seu lugar a menos que...

"Eu estou aqui Vampira."

Ela fechou os olhos fortemente, tomada por um pesar ao proferir as palavras que lhe atormentavam a mente.

"Até quando?"

Wolverine não tinha resposta para aquilo. Vampira abriu os olhos, a raiva queimando por trás deles.

"Viu só? Você nem mesmo é capaz de dizer, ainda não se deu conta..."

Ela se calou antes que falasse demais.

"Não me dei conta do que guria?"

"Esquece."

Ela resmungou agarrando firmemente uma das alças de sua mochila, tornando a erguer o capuz do casaco.

"Não."

Logan agarrou seu braço novamente buscando a resposta em seus olhos.

"Deixe-me ir Logan."

"Nunca mais."

Vampira parou de lutar contra seu aperto, uma expressão surpresa delineou as linhas do rosto delicado.

"O... o que quer dizer?"

Ela questionou trêmula, os olhos verdes se voltaram para os de Logan, intensos, indecifráveis.

"Que você já foi guria. Foi e voltou. Agora não vai sair daqui novamente."

"Por que eu ficaria Logan?"

Ele não soube o que responder. O silêncio oprimiu Vampira mais do que qualquer coisa que Logan pudesse ter dito. Ele ficou apenas fitando-a calado, Vampira acreditou que ele achara sua pergunta sem propósito, indigna de atenção.

Mas na verdade Wolverine encarava-a como se não precisasse responder. Nem ao menos saberia como. Rogue era obstinada, ele sabia que não seria fácil dissuadi-la de sua decisão de ir, não encontrava qualquer argumento que pudesse fazê-la ficar, além de sua intensa e infundada necessidade de tê-la por perto. E isso não era algo que ele pudesse dizer em voz alta.

Respirando fundo novamente, ela deu as costas a Logan, o vento derrubou o capuz de seu casaco, expondo as mechas mistas presas. Ela sentiu que precisava explicar-se de alguma forma, embora não se sentisse a vontade ao se expor. A expressão pesarosa no rosto de Emma enquanto ela se partia em milhares de fragmentos de cristal, assombrava sua mente desde o momento que aconteceu.

"Eu não quero passar por isso de novo Logan. Não posso. Não suporto."

Ela murmurou baixo e abaixando a cabeça. Ouvindo a voz embargada de Vampira, Wolverine tornou a se aproximar, sua mão agarrou a dela instintivamente, uma última tentativa de prolongar o momento e fazê-la mudar de idéia.

"O que há com você? Por que não me conta?"

"Pare de fingir que não sabe."

Ela tornou a erguer a cabeça, encarando-o de forma desafiadora. Não queria ter aquela conversa, queria que ele simplesmente a deixasse em paz. Logan não era um exemplo de paciência, e as atitudes de Vampira já estavam levando-o ao limite.

"Eu não finjo e muito menos faço joguinhos Vampira, você deveria saber disso."

Os olhos dela brilharam em sinal de irritação, ele não tinha o direito de cobrar qualquer compreensão dela, justo ele que nunca estava lá quando ela precisava.

"Tem razão. Você só não se importa mesmo. Vai ficar aqui brincando de família feliz até se cansar e desaparecer novamente como sempre faz, esquecendo-se da Emma, de mim..."

Wolverine passou a segurar seu braço, arrastando-a para um canto mais distante da porta da mansão, Vampira lutava contra seu aperto, irritada.

"Solte-me agora Wolverine!"

Ameaçou-o furiosa, mas ele não se intimidou.

"Não vou soltar enquanto você não deixar essa atitude infantil de lado. Eu não sou seu pai garota, não tenho qualquer responsabilidade quanto a você."

Ela sentiu as palavras dele ferirem tal qual um punhal cravando-lhe o peito, mas embora os olhos arregalados tenham ficado marejados, ela não se permitiu fraquejar.

"Exato. Então tire suas mãos de mim e me deixe seguir."

"Para onde você está indo?"

"Como você mesmo acabou de dizer, não é meu pai Wolverine, eu não lhe devo satisfações."

"Não seja infantil..."

"Então não se meta em minha vida."

Ela retrucou afastando-se. Logan ficou apenas observando-a caminhar para longe, sem tomar qualquer atitude desta vez. Ele sentiu o cheiro de Hank, mas apenas deu-lhe atenção quando o mesmo falou com ele.

"Não vai tentar impedi-la?"

A voz de Fera era baixa e suave, paciente como quando costumava falar ao questionar algo complexo a um aluno com dificuldades. O seu tom irritou Logan.

"Já tentei."

Ele respondeu rispidamente, sem desviar o olhar da silhueta de Vampira, que já estava afastada a ponto de quase desaparecer por completo. Instintivamente Logan estreitou os olhos para que pudesse vê-la por mais tempo.

"Então você vai simplesmente deixá-la ir?"

O tom de censura de Hank fez com que Wolverine se virasse rapidamente para encarar Fera, seus olhos azuis tomados de uma fúria assustadora.

"E o que você quer que eu faça? Ela é livre para fazer o que quiser."

"Vampira traiu a irmandade Logan, é um dos principais alvos da divisão anti-mutantes..."

"Tá eu já sei. E ela sabe se virar peludo."

Ele cortou Hank que deu de ombros, rendido.

"Certo então. Você já tomou tua decisão, espero sinceramente que não se arrependa."

XxxXxXx

Vampira continuou caminhando sem rumo, tentando ignorar o aperto em seu peito e as lágrimas que queimavam em seus olhos. Não conseguia deixar de lado a sensação de abandono, de perda, que a assaltava impetuosamente, levando qualquer otimismo que pudesse ter a respeito do futuro. Ela estava sozinha, como sempre, e era tudo culpa dela, de sua decisão de se isolar, de seu mau gênio, seus malditos poderes, sua vida sem propósito.

Ela mordeu os lábios com força, em uma última tentativa de reprimir as lágrimas. O rosto de Logan em seus pensamentos a confundia. Não era para ela ter se apegado a este ponto. Eles eram semelhantes, mas ele estava certo, não havia qualquer laço que os unisse.

Então por que ela sentia que parte dela havia sido deixada para trás ao afastar-se dele?

"Merda!"

Ela praguejou chutando uma lata que estava em seu caminho, tentando descontar no gesto sua frustração crescente. A mesma quicou algumas vezes antes de acertar um vulto encapuzado que surgiu quase que do nada à sua frente, há alguns metros de distância de Rogue, a pessoa segurou a lata facilmente com uma das mãos.

Sentindo o olhar do estranho, ou estranha, sobre si, Vampira estreitou os olhos em direção a ele, ou ela, mas não pôde ver muito da pessoa, além da silhueta disforme pelas roupas que usava, na escuridão que precedia a uma forte tempestade.

"Quem é você?"

Perguntou ameaçadoramente, mas não obteve resposta. A pessoa nem ao menos se moveu, fitando-a por tempo demais. Por um momento Rogue pôde ver dois olhos amarelos brilhantes queimando com uma intensidade assustadora contra os seus, antes de a pessoa dar-lhe as costas e sair calmamente, sem fazer qualquer comentário.

Ponderando sobre suas possibilidades, Rogue decidiu ignorar a situação estranha, seria melhor encontrar um lugar para ficar antes do cair da chuva. Apesar de sua resolução, algo naquela pessoa, naquele olhar, a incomodava profundamente.

Estremecendo, ela deu de ombros desistindo de subir o capuz do casaco, que o vento incessante teimava em derrubar. Ela suspirou caminhando calmamente por horas, até parar em frente a um hotel sem qualquer luxo, mas protegido o suficiente para passar uma noite sem ser facilmente localizada, afinal Vampira não era estúpida, sabia que deveria ter cuidado de agora em diante contando o tanto de inimigos que conquistara com suas atitudes recentes.

Assim que abriu a porta do quarto e checou as trancas, Vampira se deixou cair na cama completamente esgotada. Seu corpo doía como nunca. O peso do estresse, tanto físico quanto emocional, pesava intensamente sob seus ombros. Rogue nunca havia caminhado tanto após uma luta tão difícil.

Quando seus olhos começaram a se fechar automaticamente, tomados pela exaustão, ela se obrigou a levantar e ir tomar banho.

Alguns minutos depois Vampira estava deitada na cama, a chuva desabava lá fora, causando um barulho intenso no quarto precário, mas ela estava tão cansada que não se importou. Seu estômago parecia cheio, embora ela não houvesse comido durante o dia todo, não sentia fome. Na verdade não sentia nada além de cansaço, desconforto e desânimo. Fechou os olhos apertados e o sono a tomou quase que instantaneamente.

Vampira acordou sobressaltada quando um barulho alto de atrito contra metal soou. Olhando ao redor, ela notou que a janela do quarto pequeno estava aberta embora se lembrasse de não a haver movido. Uma coruja com estranhas penas azuladas a fitava pousada na grade, com seus olhos amarelados ridiculamente inteligentes e fixos, ela sequer se movia.

"Shhhh. Sai."

Assim que o momento de choque passou, Vampira tentou afastá-la movendo as mãos nervosamente, mas sem se aproximar muito por sentir uma espécie de receio infundado. Porém o pássaro não se deixou intimidar, continuou encarando-a por mais alguns segundos como se a conhecesse até, por fim, levantar vôo desaparecendo na chuva que continuava a cair. Rogue fechou rapidamente a janela enferrujada tremendo levemente quando a água fria respingou em seus braços.

"É só um pássaro estúpido tentando se esconder da chuva."

Ela murmurou para si mesma em uma tentativa de convencer-se a deixar o medo ridículo de lado. Mas apesar de tudo, ela não conseguiu voltar a dormir tranquilamente naquela noite. Estreitou o cobertor ao redor de seu corpo gelado, viu Logan quando fechou os olhos. Sua vida estava ainda mais terrivelmente sem rumo do que antes.