1 – Surge a Ameaça
Algum lugar do mundo, muito tempo atrás.
A enorme planície de aspecto árido era assolada por um vento muito forte. Um tremor fraco sacudia as pedras, vez ou outra fazendo uma árvore tombar ou um pedaço da terra abrir-se e separar-se do restante.
O tinido de espadas se encontrando espalhou-se pelo local, sobrepondo-se ao do vento. Dois borrões cortavam o ar velozmente, provocando pequenos flashes de luz à cada encontro.
Com um estrondo um tanto mais forte, um dos combatentes foi atirado ao chão, abrindo uma cratera de uns dois metros. O outro pousou seus pés suavemente no chão, como faz um gato ao cair e começou a caminhar lentamente na direção do oponente. Suas longas botas negras faziam um som parecido com o de guizos a cada passada. Sua calça também era negra e haviam várias fivelas nela. Seu corpo era esbelto e bem formado. Cobrindo o busto, havia um quimono colocado por dentro da calça. Os cabelos negros caiam em ondas por sobre os ombros e os lábios finos e vermelhos abriam-se num sorriso maligno, que não se estendia aos olhos amarelados e cheios de frieza.
O homem jogado ao chão fez um esforço sobrenatural para levantar. Era pequeno em relação à mulher à sua frente, apesar de ter um corpo forte. Seus cabelos eram espetados. Fez uma careta e fechou os olhos negros com força, sentindo um de seus inúmeros ferimentos latejarem. Da vestimenta que usava, só restava a calça branca e folgada. A camisa já havia sido rasgada em pedaços e não costumava usar sapatos.
Quando já conseguia inclinar o corpo para frente, sentiu a sola pesada da bota da adversária atingir-lhe o peito, jogando-o mais uma vez contra o chão, batendo o corpo dolorosamente contra a pedra dura atrás de si. Gemeu baixinho, fechando os olhos com mais força, principalmente ao sentir o pé da mulher pressionar seu peito com mais força.
—Você foi um adversário valoroso...—Murmurou a mulher, apoiando a lâmina da katana sobre o ombro, olhando demoradamente para seu oponente.—eu sei valorizar um guerreiro valente como você...poderia ser útil a mim, se quiser.
—Nu...nunca...—Murmurou por entre dentes, trincando-os pela dor e pela irritação.
—Tsc, tsc...—A mulher balançou a cabeça em sinal de decepção, antes de erguer a espada, brandindo-a em direção ao céu.—Uma pena...mas, bem...o que se há de fazer? Vamos acabar com isso o mais depressa possível.
E, com um golpe certeiro, desceu a ponta da espada com força em direção à seu coração. Num movimento rápido, colocou todo o peso de seu corpo para o lado, conseguindo desequilibrar ela e girar no chão, desviando do golpe. Levantou-se o mais rápido que pôde e, aos tropeços, correu em direção à sua espada, que havia caído alguns metros depois dele. Pôde escutar claramente as passadas rápidas da mulher logo atrás dele. Escorregou à poucos centímetros da espada, mas ainda assim seus dedos fecharam-se em torno da empunhadura, conseguindo virar-se a tempo de bloquear um ataque.
—Inutil!—Bradou a mulher, o olhar colérico fixado no homem.—Todos os outros seis estão mortos! Por que acha que VOCÊ vai me derrotar?!
—Eu...apenas não posso desistir!—Murmurou mais uma vez entre dentes, fazendo um esforço fora do comum para afastar a espada dela de junto de seu corpo. Conseguiu empurrar-la para trás e levantou-se o mais rápido que pôde, colocando a espada em frente ao próprio corpo.
A mulher cambaleou alguns passos para trás, mas logo firmou os pés no chão. Abaixou a espada e ficou olhando para o homem como se ele fosse alguma espécie de aberração, antes de suspirar. Ergueu a espada mais uma vez e segurou-a com as duas mãos, ao lado da cabeça, como se fosse uma lança. O homem respirou fundo e soltou o ar lentamente por entre os lábios, mantendo a katana firme entre suas duas mãos.
Ficaram se encarando demoradamente, no mais completo silêncio. O vento continuava cortando a planície, fazendo as árvores se sacudirem com violência. Nuvens negras vindas do sul começaram a avolumar-se sobre suas cabeças, trazendo a tempestade já anunciada. Em algum lugar sobre as montanhas, soou o primeiro trovão. E com eles, as primeiras gotas de chuva começaram a cair sobre a planície.
—Estou pronta para derrubar o meu ultimo obstáculo...—Murmurou a mulher, esticando os lábios mais uma vez naquele sorriso medonho.
E começou a correr em direção à seu oponente. O rapaz ficou imóvel, sentindo uma gota de suor escorrer por sua têmpora e pingar de seu queixo. Ela se aproximava em passadas largas e rápidas. Então, como se fosse uma lança, brandiu a espada contra seu oponente, partindo sua katana ao meio e perfurando de maneira certeira o seu peito. O homem fechou os olhos com força e trincou os dentes ainda mais, antes de tossir um pouco de sangue. A mulher olhava de uma maneira vitoriosa para ele. Impiedosa, empurrou a lâmina ainda mais para dentro de seu corpo, fazendo seu oponente ter um espasmo de dor.
—Depois de todo aquele nobre discurso, deixou-se vencer tão facilmente?—Murmurou de maneira maldosa, empurrando ainda mais a lâmina contra seu peito.—A morte era tão convidativa assim?
O homem nada respondeu. Seus dentes voltaram a trincar, tentando prender dentro nele aquela agonia. Então, com um pouco de esforço, ergueu as mãos tremulas e colocou sobre as dela. Por um instante pareceu que iria afastar-se dela, mas, ao contrario, puxou-a ainda mais para perto de si, fazendo a lâmina penetrar ainda mais fundo.
—O...o que diabos acha que está fazendo?!—Exclamou a mulher, tentando soltar-se dele, mas suas mãos a prendiam firmemente.—Me largue seu insolente! Me largue agora!!
Mas o homem nada respondia. Sua cabeça estava baixa, os cabelos cobrindo os olhos. De seus lábios trêmulos e ensangüentados, saiam palavras baixas e incompreensíveis, como se fosse uma oração. Vez ou outra era interrompido por um espasmo de dor, mas logo continuava de onde havia parado.
—O que acha que está fazendo?!—Continuava a bradar a mulher, ainda tentando livrar-se de suas mãos, que agora começava à arder como fogo sobre as duas. Tirou um pé do chão e acertou com força a lateral de seu corpo. O homem fechou os olhos com força, mas ainda assim seguiu entoando a oração, segurando-se com força nela.
A mulher seguia acertando cada pedaço do corpo dele onde seu pé e seus joelhos conseguiam alcançar. Seu oponente fazia breves pausas por conta da dor, mas parecia determinado em concluir aquela oração. A mulher sentiu as mãos dele ainda mais quente, ardendo sobre sua pele como um ferro em brasa. De fato, o corpo do homem começou a fumegar e a fumaça erguia-se sobre eles, fazendo seus cabelos balançarem suavemente.
Por fim, quando já havia uma pequena nuvem de fumaça planando sobre eles e a mulher já soltava grasnados de dor, a oração terminou. Seu corpo foi esfriando lentamente, porém, a nuvem formada ainda planava sobre eles, como uma tempestade particular. Tossiu um pouco mais de sangue antes de murmurar, a voz falha e sem força, os lábios tremidos.
—Pobre sac...sacerdotisa das trevas...na prisão ficará encarcerada para que sua dor não poss...possa espalhar mais...
—O...o que?! O que está fazendo?! Pare imediatamente com isso!!—Berrou a mulher, fazendo um esforço ainda maior para soltar as mãos dele.
—Em nome do pai...—Um trovão soou sobre a nuvem particular deles.—do filho...—Um novo trovão soou sobre eles, dessa vez mais forte, como se houvesse algo aproximando-se dele.—e do espírito santo...—Agora a nuvem inteira brilhou.—Amém.
Nesse mesmo instante, um enorme raio de luz saiu da nuvem, cobrindo os dois por completo. A mulher gritou de dor enquanto seu corpo parecia ser desfragmentado e comprimido contra algo pequeno. Sua agonia ecoou pela planície por longos minutos, até que, da mesma maneira que veio, a luz se foi e a nuvem sobre eles dissipou-se por completo. Um pequeno frasco, redondo na base e afilado no bocal, bem ornado com várias figuras em alto relevo e com uma inscrição em latim caiu no chão, rolando para o lado.
O homem continuou em pé, os olhos agora sem fogo algum, a boca um pouco aberta. Levou as mãos até o cabo da espada fincada em seu peito e retirou-a, fazendo com que um grito de agonia escapasse de seus lábios. Cravou a lâmina ao seu lado e ficou um instante admirando o restante da planície. O forte vento havia parado, assim como o tremor de terra. A chuva caia em gotas finas e suaves, tocando seu corpo e fazendo-o relaxar. Por um instante, suprimindo a dor e a agonia, deixou um sorriso formar-se em seus lábios. Então, fechando os olhos, sentiu o corpo inteiro pesar e já não sentiu quando seu rosto foi comprimido contra a grama.
Hogwarts, anos no futuro.
A aula de história da magia estava realmente...interessante. Binns seguia o bom e velho ritual de sempre. Virado de costas para os alunos, ia escrevendo dados inúteis no quadro, enquanto, com sua voz asmática, parecendo a de um aspirador de pó, seguia lendo os tópicos de um livro texto que flutuava ao seu lado. Não era raro ver alunos com a cabeça pendendo para o lado, embalados no maior dos sonos, vez ou outra despertando, pegando algo dito pelo professor, anotando rapidamente no pergaminho antes de embarcar mais uma vez no trem dos sonhos.
Lilá Brown, a garota de cabelos negros, repicados e pintados de vermelho nas pontas, com uma franja caindo por sobre os olhos cinzentos, estava com o queixo apoiado na mão, o braço apoiado na mesa à frente. O livro texto estava aberto, mas provavelmente no assunto errado. Não estava ligando muito para aquilo na verdade. Olhou para o relógio pela milésima vez naquela aula antes de, com um suspiro demorado, proferir os maiores xingamentos que sua cabeça começou a lembrar na hora.
O sinal para o fim das aulas soou como trombetas celestiais. Todos os alunos, até aqueles que estavam embalados nos mais lindos sonhos, despertaram rapidamente e, antes mesmo que o professor pudesse desejar um bom feriado de natal, já estavam todos fora da sala.
—Ok, definitivamente História da Magia pode ser considerado um erro imenso da humanidade. —Resmungou Lilá ao chegar ao salão principal, já lotado de alunos que jantavam, conversando com amigos ou terminando de ler alguma matéria atrasada. Largou o material ao lado de uma distraída Ashley, que virou-se para ela, erguendo as sobrancelhas de leve.
—Falou alguma coisa?—Murmurou, retirando o fone de ouvido de uma das orelhas, olhando para a amiga com uma sutil curiosidade.
—Eu disse que História da Magia é definitivamente um erro para a humanidade.—Disse Lilá, revirando os olhos e esticando a mão para alcançar um morango, dando uma mordida na ponta.—Me diz, você sabe que, teoricamente, essas coisas não deviam funcionar aqui, não é?—Murmurou, apontando para o MP3 da garota, guardado em seu bolso.
—Primeiro, História da Magia é legal, o Binns é um erro... —Murmurou a garota loira, de olhos incrivelmente azuis e lábios finos e róseos. Tinha o nariz ligeiramente arrebitado, dando-lhe um ar um pouco arrogante, apesar de a garota não ser.—Segundo, algumas pessoas ainda prestam atenção nas aulas de feitiços, mon ami.—Piscou, mandando um beijinho para Lilá que revirou os olhos, dando outra mordida no morango.—Terceiro, por que não cabulou a aula?
—Cabular aula sozinha é muito chato...todos estão tão...aficionados com essa coisa de N.I.E.M's...até o Krum! O KRUM!—A garota revirou os olhos, jogando o resto do morango para dentro da boca antes de falar.—Nunca pensei que chegaríamos a esse nível. E o quarto?
—Como sabia que tinha um 'quarto'?—Perguntou Ashley, ligeiramente surpresa.
—Sempre tem um 'quarto', mon ami. —Murmurou Lilá, fazendo uma imitação de Ashley falando francês. Ashley franziu o nariz de leve, mas no final riu, balançando a cabeça negativamente.
—Bem, em quarto, o que diabos uma corvinal está fazendo na mesa da Sonserina?—Perguntou, erguendo as sobrancelhas.
—Bem, nós na Corvinal somos os melhores, mas, definitivamente, vocês tem os melhores morangos.—Respondeu Lilá, piscando marotamente para ela antes de pegar a travessa prateada com os morangos, levantando e indo na direção da mesa da Corvinal.—Tchauzinho!
Ashley ainda tentou protestar, mas Lilá já estava distante. Chegou na mesa da Corvinal e sentou-se, largando a travessa na mesa e sentando-se. O garoto ao seu lado, um moreno de cabelos compridos, olhos castanhos como chocolate e pele branca virou-se para olhar-la, erguendo suavemente as sobrancelhas.
—Boa noite, Lilá...—Murmurou Pedro Ravenclaw e havia um tom de riso em sua fala, enquanto ele olhava para a travessa de morangos.—Roubando morangos da Sonserina de novo?
—Assim você está me ofendendo, Ravenclaw...—Disse Lilá, pegando um outro morango e dando uma nova mordida.—Eu não roubo nada...apenas são saborosos de mais para os panacas da Sonserina.
—Obviamente...—Disse Pedro, soltando uma risada pelo nariz.—Você sabe que são os mesmos morangos que servem para nós aqui na Corvinal, não sabe?
—Ah, não! Não, definitivamente não!—Disse Lilá, sacudindo o dedo da mão direita em sinal de negação, enquanto lambia sutilmente os dedos da mão esquerda, pode onde havia escorrido um pouco do sumo.—Já provei os morangos daqui...são meio...amargos...não, definitivamente os da Sonserina são os melhores.
—Pois é...a grama do vizinho é sempre mais verde...—Riu Pedro, voltando sua atenção ao livro aberto à sua frente.
—O que está fazendo? —Perguntou Lilá, inclinando-se mais para frente para ver o que o amigo lia.—Ah, não! Não, por Merlin! Estudando até agora?! Não, não, definitivamente não.—Com uma mão, empurrou a capa do livro, fechando-o.—Aqui, prova um morango.
—Ahm? O que?—Perguntou Pedro, inclinando o corpo um pouco para trás enquanto Lilá levava um dos morangos até seus lábios.—Você envenenou eles?
—Pedro!—Exclamou Lilá, parecendo horrorizada.—Eu nunca envenenaria alguém! Tudo bem, talvez um pouco de poção da verdade pudesse ser engraçado...ou uma poção para criar furúnculos, mas veneno, nãaaao!
—Você nunca divide seus morangos com ninguém...—Murmurou o garoto, olhando para ela por um instante, desconfiado, antes de morder a ponta do morango.—Hmm...gostoso...
—Viu, eu não disse?—Disse Lilá, piscando um olho antes de comer o restante do morango.
—Eu pensei que esse era meu.—Murmurou Pedro, arqueando uma sobrancelha, com um sorriso torto nos lábios.
—Eu disse para provar um morango, não comer um inteiro.—Disse Lilá, com tanta veemência que fez Pedro rir ainda mais.
—Ok, faz sentido.—Murmurou ele, pondo a mão sobre o livro. Notou o olhar fuzilador de Lilá em sua direção e revirou os olhos, pondo o livro na mochila.—Ok, ok...sem mais estudos por hoje...
—Esse é o meu garoto...—Murmurou, terminando outro morango.—Será que alguém me consegue um pouco de leite condensado?
—Isso e mais tudo o que você quiser, gracinha...—Murmurou alguém em seu ouvido, antes de dar-lhe uma mordida suave no lóbulo de sua orelha, fazendo a garota arrepiar um pouco. Logo a pessoa sumiu e voltou a aparecer diante deles, sentado sobre a mesa da Corvinal. Era um garoto de porte atlético, cabelos negros, penteados pra trás. Sua pele era branca como o gelo e seus olhos eram verdes.
—Hmmm...boa noite para você também, Chad...—Murmurou Lilá, olhando-o com as sobrancelhas ligeiramente erguidas.—Quer um morango?
—Não aceita cara, estão envenenados.—Disse Pedro, com um ar de riso na voz, recebendo de Lilá um dedo médio como resposta.
—Tanto faz, eu não morro mesmo.—Disse Chad, dando de ombros e pegando um morango, jogando para cima e pegando no ar, mastigando lentamente antes de engolir.—Hmmmm...doces...são da Sonserina?
—Obviamente.—Respondeu Lilá.
—Hmmm, os melhores.—Disse Chad, estalando os lábios.
—Rá, eu não disse!—Exclamou Lilá, virando-se para Pedro.
—Mas são os mesmos morangos que servem para nós aqui!—Disse um incrédulo Ravenclaw, olhando para a travessa de bronze com os morangos servidos para os alunos da Corvinal.
—Ah, jovem padawan...você ainda tem tanto à aprender.—Disse Chad, dando alguns tapinhas nas costas do primo.
Pedro riu com sarcasmo e balançou a cabeça negativamente. Seu olhar lentamente virou-se par a porta de entrada, como se estivesse sendo atraído por uma espécie de imã. Uma garota de cabelos ruivos, ondulados, caindo-lhe até as costas, olhos incrivelmente verdes e pele branca entrava pelo grande portão. Ao seu lado, com o braço passado em volta de sua cintura, numa clara indicação de posse, vinha um garoto de pele amorenada, cabelos negros e traços eslavos. Era forte devido a pratica do quadribol. Seus cabelos eram espetados e negros, assim como seus olhos.
—Uau, eles ainda estão juntos.—Disse Lilá, com um tom de voz pensativo.—É tipo um recorde.
—Dois meses, não é?—Murmurou Chad, parecendo fazer as contas nos dedos.—Se não me engano ela e o Pedro aqui...—E deu tapinhas na cabeça do primo, como se ele fosse uma criança.—já ficaram juntos por uns três meses.
—Ah, mas não conta...antes do final do segundo mês ela já estava com o Lucius de novo...só não tinha contado para o Ravenclaw.—Disse Lilá, sacudindo os ombros de leve.
—Ok, dá para pararem de falar da minha vida pessoal?—Murmurou Pedro, com um leve ar de irritação em sua fala.
—Vida pessoal? Qual é, todo mundo em Hogwarts conhece o triangulo Ravenclaw-Whitewoods-Krum.—Disse Lilá, revirando os olhos.
—Sinta-se feliz, primo, você é um dos assuntos do colégio.—Riu Chad, bagunçando os cabelos do primo.
Ainda irritado, Pedro mandou o dedo médio para Chad, antes de apoiar a cabeça na mão, sem esconder sua irritação. Liv e Lucius se aproximavam ainda juntos.
—Hey, e aí?—Saudou Lucius, cumprimentando Chad com um aperto de mão especial e dando um beijo no rosto de Lilá. Liv cumprimentou ambos com um abraço.
—Então, casal mais comentado de Hogwarts...—Riu Lilá, com um arzinho malicioso, comendo mais um morango.—O que farão amanhã, no ultimo passeio do ano?
—Ah, ainda não sabemos.—Disse Lucius, sentando-se ao lado de Lilá, puxando Liv e fazendo a ruiva sentar-se em seu colo.—Pensamos em chamar todo mundo para sair juntos, sabe? Tomar uma cerveja amanteigada antes de cada um ir para sua casa.—E inclinou a cabeça ligeiramente para o lado para observar Pedro, que olhava para o lado contrario.—Mas aparentemente alguém não concorda.
—Pelo contrario, Krum...—Murmurou Pedro, virando o olhar para ele.—é uma ótima idéia...estou dentro.
—Ótimo...a idéia foi da Liv...—Riu de leve, mordendo o ombro da ruiva suavemente, antes de aproximar-se de seu rosto, beijando o canto de seus lábios.
—Grande...—Murmurou Pedro, pegando a mochila e levantando.—Nos vemos amanhã então.
E, sem esperar resposta, afastou-se em passo rápidos e duros. Lucius sorriu maldosamente e esticou a mão, pegando um dos morangos de Lilá.
—Você tinha que provocar ele?—Perguntou Liv, olhando-o com repreensão.
—Posso dormir feliz hoje.—Disse Lucius, dando uma mordida demorada, soltando um gemido de satisfação.—Hmmmmm...são da Sonserina?
—É a mesma droga de morango servido aqui!—Bradou Ravenclaw, já quase no final da mesa da Corvinal, chutando um dos bancos, chamando a atenção da mesa ao lado, antes de sair do Salão Principal
Era uma daquelas salas de aula sem uso. Haviam varias mesas empilhadas num canto, junto com algumas cadeiras. A grande escrivaninha do professor estava no lugar onde deveria estar, de frente para o quadro. A lareira estava acesa, lançando uma luz alaranjada contra as paredes.
Em passos duros, Pedro andava de um lado para o outro na sala. Vez ou outro tensiova os músculos dos braços, fazendo pequenas labaredas surgirem por entre seus dedos. Outras vezes dava socos no ar, lançando labaredas maiores que queimavam por alguns segundos antes de sumirem numa nuvem de fumaça. De seu próprio corpo pareciam sair ondas de calor que irradiavam pela sala.
—Ele tem que ficar exibindo ela como se fosse um troféu?!—Resmungava irritado, seguindo seu trajeto de um lado para o outro.
Amanda estava sentada sobre a escrivaninha do professor. Os cabelos estavam presos num rabo de cavalo e seus olhos azuis seguiam o amigo de um lado para o outro. A pele branca estava com um colorido meio avermelhado. Suspirou demoradamente e passou a mão pela testa, limpando o suor.
—Ok, definitivamente, seu ciúme é a causa do aquecimento global.—Murmurou a grifinória, recebendo um olhar nada agradável do amigo.—Ok, ok, sem mais piadas.
—Isso já está ficando irritante.—Murmurou Pedro, recomeçando a andar.—O que eu devo fazer?
—Continuar a se humilhar e se irritar por uma garota que já te passou para trás, ao menos, duas vezes.—Disse Amanda, com simplicidade. Outro olhar irritado.—Ok, ok, vou me controlar. Mas você sabe bem o que fazer, Ravenclaw!—O garoto parou de andar novamente e fitou a amiga com curiosidade.—Ah, por Merlin! Vocês homens são todos tão complicados? Arrume outra garota!
—Não é tão fácil...—Murmurou Pedro, largando-se sobre uma cadeira separada das outras.—Ela ainda significa muito para mim.
—Ok, primeiro...—Disse Amanda respirando fundo. Quando soltou o ar lentamente de seus pulmões, a temperatura da sala foi baixando até chegar num nível aceitável.—Bem melhor. Agora, segundo, eu sei que ela ainda significa um bocado para você, que você gosta dela pra caramba e tudo mais, mas ou é isso ou ficar por aí chorando por alguém que já te deixou.
Pedro olhou demoradamente para os olhos azuis da amiga antes de suspirar, olhando para os próprios pés. Ficaram no mais completo silêncio, mas Amanda sabia que aquilo significava que ele começava a aceitar aquela idéia. Por fim o garoto apoiou as mãos nos joelhos e levantou-se.
—O que você e o Chap vão fazer amanhã?—Perguntou, indo até o gancho ao lado da porta e pegando as vestes da Corvinal.
—Ah, não sabemos ainda, para falar a verdade.—Murmurou Amanda, observando enquanto o amigo colocava as vestes negras com escudo da Corvinal bordado no peito.
—Bem, estão todos querendo se reunir amanhã para fazer algo juntos, já que é a ultima visita antes das férias.—Murmurou, olhando para ela enquanto terminava de ajeitar a gola da camisa.
—Ah, boa idéia. Iremos aparecer por lá, com certeza.—Disse Amanda, balançando a cabeça positivamente.
Pedro sorriu de leve e olhou para a amiga por um instante antes de caminhar na direção da porta. Ficou um instante com a mão sobre o puxador, parecendo indeciso, antes de virar-se mais uma vez para ela, com as sobrancelhas ligeiramente erguidas.
—Mandy...como são os morangos da Grifinória?
—Ah, iguais aos da Corvinal, eu acho.—Disse a garota, dando de ombros.
—Até que enfim alguém sabe que é a mesma coisa!—Disse ele, parecendo aliviado.
—Ah, mas os da Sonserina são os melhores.—Completou Amanda, sem entender porque o amigo saiu com uma expressão incrédula e derrotada no rosto.
O ultimo sábado do trimestre amanheceu nublado. Uma camada de neve já cobria os jardins do lado de fora, onde aluninhos do primeiro e do segundo ano brincavam de guerra de bolas de neve. Os alunos do terceiro ano para cima estavam concentrados no saguão de entrada, enfileirados enquanto Filch, o velho zelador verificava, de uma por uma, as autorizações para o passeio.
Do lado de fora, Hagrid terminava de dar aos Testrálios uma caneca de conhaque, para que pudessem se manter aquecidos durante as viagens até Hogsmead. Era estranho para alguns alunos abaixo do quinto ano ver, subitamente, a caneca se esvaziar no ar.
O próprio vilarejo já estava abarrotado de alunos que procuravam se refugiar no interior das lojas, de modo à poder se aquecer e fugir do frio intenso que caiu sobre o local. Apesar de vários cartazes de aspecto oficial espalhados por cada poste e cada muro, a agitação para as compras de natal devolveu um pouco da vida ao vilarejo.
Dentro do Dragonscale, um bar local, não tão famoso quanto o Três Vassouras, mas muito mais limpo do que o Cabeça de Javali, um grupo de amigos se reunia ao redor de uma mesa. Haviam algumas garrafas de cerveja amanteigada, algumas já esvaziadas, outras pela metade. E ainda havia, ao centro, uma garrafa de Firewhisky aberta, já sem um pouco de seu conteúdo.
—Ah! Lembra daquela vez que encurralamos o Malfoy num corredor e deixamos ele pendurado, com nariz pintado de vermelho e rabanetes nas orelhas, até que o Filch encontrasse?—Perguntou Lilá entre risos, um copo de Firewhisky nas mãos.
—Lembro!—Disse Pedro, também rindo, dando um gole em sua cerveja.—Acho que até hoje ele não está muito feliz com aquilo.
—Ah, acho que não estava no dia...—Murmurou Ashley, com um ar pensativo, um copo de suco dançando entre seus dedos.—Eu me lembro é da dança que o Lino organizou, no piche!
—Ah, eu também lembro disso!—Anunciou Chad, servindo-se de mais um pouco de Uísque, um riso dançando em seus lábios.—Aaah, bons tempos, velhos tempos...
—Oi, oi...—A voz de Amanda chamou a atenção deles. A garota entrava ao lado de Chapolim, um garoto ruivo, os cabelos cheios e desgrenhados, o rosto sardento e olhos muito azuis.
—Saudações, companheiros.—Cumprimentou Chap, fazendo uma saudação de algum filme de ficção científica.
—Hao, parceiros!—Saudou Chad, erguendo o copo na direção deles.—Juntem-se a nós!
Cadeiras foram puxadas e logo a lotação da mesa aumentou, de modo que tiveram que afastar um pouco as cadeiras para terem espaço para esticar as pernas. Após uma longa olhada no relógio, Lilá esticou os braços para cima, bocejando longamente.
—Aqueles dois estão demorando de mais.—Comentou enquanto lançava um olhar na direção da porta. Olhou para o lado ao escutar o bufo irritado de Pedro, antes de revirar os olhos.—Ah, qual é, Ravenclaw! Segue em frente, chega desses muxoxos , bufos e sei-lá-o-ques!
Pedro olhou para Lilá com uma resposta já pronta, quando o som da porta abrindo chamou sua atenção. Era, aparentemente, um viajante, já que usava uma longa capa de viagem, com um capuz jogado sobre o rosto. Havia uma atmosfera sombria sobre ele. Era o típico figurão que você espera encontrar no Cabeça de Javali, não no Dragonscale. Seguiu-o com o olhar até o balcão, onde murmurou algo, balbuciante, para o barman, que foi atender-lo com um certo receio. O desconhecido apoiou o corpo sobre a mesa, como alguém exausto de muito andar. Viu enquanto ele retirava uma garrafinha do bolso de dentro da capa e murmurava algo, como se tivesse falando com uma espécie de divindade.
—Olha, o casalzinho finalmente chegou.—A voz de Chad chamou sua atenção. Virou o olhar lentamente para a porta, onde Liv e Lucius entrava, encolhidos sob seus pesados casacos, o rosto vermelho por conta do frio. Reconfortados pelo calor do lado de dentro, livraram-se das pesadas casacas, pondo-as no cabide ao lado, antes de ir até a mesa.
—Ah, eu preciso muito disso...—Disse Lucius, pegando a garrafa de firewhisky e pondo num copo, dando um longo gole, sentindo tudo por dentro aquecer.
—Desculpem a demora, nós...perdemos a ultima carruagem...—Murmurou a ruiva, pigarreando e trocando um rápido olhar cúmplice com Lucius, antes de esticar a mão, pegando uma garrafa de cerveja amanteigada e servindo-se de um copo, dando um gole longo.
As conversas voltaram a girar sobre os bons tempos em Hogwarts, entre risadas e olhares indignados, para logo em seguida voltarem as risadas. Pedro ainda olhava de soslaio para o homem misterioso que havia entrado no bar e agora bebia água de uma maneira animalesca, como se não bebesse nada há anos. Entre um copo e outro, voltava a sua atenção para o pequeno frasco em suas mãos, voltando a murmurar palavras de adoração. Pedro jurou ter ouvido ele falar algo como "meu, todo meu" enquanto passava o objeto pelo rosto, num sinal de carinho.
O som da porta abrindo pela terceira vez chamou a atenção de todos. Dois homens vestidos de negro, usando mascaras, que representavam dor e sofrimento, sobre o rosto pararam no vão por um instante antes de adentrarem o local em passos firmes e lentos. Pedro ouviu enquanto Chad arrastava um pouco a cadeira para trás, murmurando algo como "Comensais da Morte". Lançou um rápido olhar para Lucius que parecia tão confuso quanto ele.
Ainda naquele passo sóbrio, passaram por entre os ocupantes do bar que pareciam congelados de medo. Ashley e Lilá tiraram discretamente as varinhas do bolso, mas, aparentemente, eles não estavam ali para ver-los.
—Karkarof.—Murmurou um deles, numa voz rouca e abafada pela mascara.
O homem encapuzado, sentado no bar, virou-se de súbito. O movimento fez seu capuz cair, revelando um rosto sofrido e envelhecido, a pele murcha e enrugada. Seus olhos eram um tanto opacos e carregados da agonia de alguém que vivia se escondendo. A barbicha havia se estendido por todo seu rosto, suja e amarelada, assim como os cabelos que caiam por sobre os ombros, cheio de nós.
—Karkarof?—Murmurou Lucius, olhando para o homem com a testa ligeiramente franzida.
—Dolohov...—Rosnou o homem, a voz rouca de quem não fala há muito tempo. Segurou o frasco com mais força contra o peito. Pela primeira vez Pedro conseguiu visualizar os desenhos sobre ele e algo escrito numa tinta dourada.
—Quanto tempo...Lord Voldemort sente sua falta...—Disse o outro homem, maior do que o primeiro e com uma pose mais imponente.
—Sei o quanto ele sente falta de mim, Lestrange.—Murmurou Karkarof, com sarcasmo em sua voz.—Sei que vieram aqui para me eliminar.
—Ah, não, não...o que é isso, Igor...—Murmurou Dolohov, balançando a cabeça negativamente.—Não podemos fazer isso. O lorde das trevas quer essa honra apenas para ele.
—Ah, ele quer, é?—Murmurou encolhendo-se um pouco mais, lançando um olhar astuto aos Comensais.—Pois que ele saiba que eu tenho agora em minhas mãos o ser mais poderoso do universo. Tão poderoso que faria o próprio Voldemort borrar as calças.
E esticou a mão para frente, mostrando para os comensais o frasco em suas mãos. Os dois pareceram se entreolhar, com um ar de riso, antes de falarem.
—O que pretende? Embebedar o lorde das trevas até que ele fique fraco?—Disse Rodolphus, rindo com gosto.
—Então sugiro que tenha um bom vindo dos elfos ou o melhor hidromel do mundo, porque Lord Voldemort não bebe qualquer porcaria.—Completou Dolohov, também rindo, com um ar maldoso.
—Aaah, vocês zombam de mim...—Disse Karkarof, com um ar um tanto ensandecido em seu rosto, dando-lhe um aspecto um tanto lunático.—Acham que estou blefando, não? Pois bem, talvez eu devesse dar a vocês uma prova do que estou falando.
Levou a mão até a tampa do frasco. Pedro sentiu um repentino impulso de pular sobre ele e impedir-lo e, ao olhar para o lado, viu que não havia sido o único. Ashley havia dados dois passos à frente, com um olhar angustiado. Porém, algo pareceu paralisar seus corpos. Karkarof, por um instante, murmurou algumas palavras numa língua desconhecida, parecidas com uma oração sombria. Lentamente a tampa do frasco começou a soltar-se e, por sãs brechas, ia saindo uma fumaça negra, como se tivessem engarrafado uma tempestade.
—Oh imperatriz, senhora das trevas...despertai para retomar teu trono de direito...—Karkarof praticamente gritava as ultimas palavras.
A tampa da garrafa saiu com o som que uma rolha de vinho sai ao ser retirada. A fumaça desceu ao chão como uma torrente de água, espalhando-se rapidamente para todos os lados.
—Cuidado.—Advertiu Chapolim, ficando em pé em cima da cadeira, vendo a fumaça aproximar-se rapidamente.
Os outros se entreolharam e fizeram o mesmo, ficando sobre as cadeiras ou as mesas. Porém, a fumaça não chegou até eles. Parou alguns centímetros antes da mesa onde estavam antes de começar a retrair-se. Parecia concentrar-se em um único ponto, formando uma espécie de turbilhão logo à frente de Karkarof, que olhava para aquilo com um misto de aflição e admiração. A fumaça começou a tomar forma lentamente, ganhando curvas. Logo, era a perfeita imagem de uma mulher, a cabeça inclinada para trás e o rosto contorcido numa expressão de agonia. Com um estampido que parecia o de um raio, asas espocaram de suas costas, enormes.
Então, tudo parou. A fumaça em forma de mulher continuava a girar lentamente, mas não emitia som algum. Mesmo o vento do lado de fora parecia ter sido congelado. Pedro lançou um breve olhar para Amanda que parecia tão angustiada quanto os outros, antes de voltar a olhar para frente. Então, com um novo estampido, a fumaça dispersou-se com força, derrubando-os de cima das cadeiras e despedaçando os vidros do bar.
Xingando baixinho, Pedro apoiou os cotovelos no chão e inclinou o corpo para frente, ainda com os olhos fechados, sentindo uma pontada de dor na nuca. Ouviu um "oh" coletivo. Um parecia um "oh" de admiração, mas o restante era de medo. Por entre as pernas das cadeiras, apenas pode ver um par de botas negras e um Karkarof ajoelhado á seus pés, a cabeça abaixada em sinal de respeito.
—Seja bem-vinda de volta, Imperatriz Lilith.
