Estávamos voltando de nossa curta viagem de caça – eu e Alice. Faltavam poucas horas para amanhecer e logo eu estaria com Bella. Esse pensamento me encheu de alívio. Acho que nunca mais deixaria de me sentir ansioso longe dela. Desde que a conhecera, meu mundo só volta a fazer sentido quando estava ao seu lado. Mesmo no caos que minha vida havia se transformado, era lá que eu tinha paz.
Não havia conversado muito com Alice durante as horas que passamos juntos. Ela respeitou meu silêncio, percebendo meu estado de espírito. Passou a viagem ocupando seus pensamentos com Jasper. Sabia que eu sempre tentava manter a maior distância possível de sua mente, quando pensava em Jasper, tentando lhe dar privacidade.
Na verdade ela havia passado os últimos dias antes de nossa viagem me evitando. Eu desconfiava que ela tentava se manter estrategicamente longe do meu dom de ler mentes, para que não ficasse ainda mais angustiado com suas visões de Bella transformada em uma de nós.
Uma sombra cobria meu rosto. Lutava entre o desespero de ver Bella e passar o dia ao seu lado e a obrigação que tinha de fazer o que era correto: deixá-la para sempre! Não era certo fazer parte da vida de Bella, eu era o "cara mau", o "vilão", jamais seria o anjo protetor que ela merecia e precisava.
Alice ao meu lado, estudava meu rosto cuidadosamente, vendo a dor em meus olhos.
"Ah meu irmão... Tenha mais fé em si mesmo, você não vai machucá-la." Seus pensamentos tentavam me tranqüilizar.
Mas meu humor estava sombrio demais:
- Alice você não entende... Não é justo com ela, como posso ser tão egoísta? Além do mais você sabe como nossas decisões podem mudar rapidamente. Você não pode ter certeza de que não vou machucá-la. E mesmo que não a machuque hoje, vai acabar acontecendo e eu não vou jamais me perdoar. Eu não posso fazer isso, eu...
- Edward, - Alice me cortou – pensei muito em toda essa história nos últimos dias. Não só em você e Bella, mas na nossa espécie...
- Por isso ficou afastada de mim? – Franzi minha testa. – O que você estava tentando esconder de mim?
- Não seja tão arrogante Edward! – Alice bufou. – O mundo não gira ao seu redor. Só me afastei por sabia que iria me interromper quando me visse pensando em Bella.
Um baixo rosnado saiu de minha garganta:
- O que você andou pensando sobre Bella? – Alice levava com muita naturalidade a transformação de Bella. Na verdade já tinha isso como fato certo.
- Se você me deixar terminar, talvez descubra. Será que posso continuar ou vai ficar tão irritantemente me interrompendo, já que está decidido a ser tão pateticamente amargo?
Fiquei em silêncio, olhando-a exasperado.
Ela respirou fundo, impaciente. Mas continuou, com um tom complacente:
- Sei que você nos vê como seres condenados, maléficos... Vê nossa vida como uma penitência. Apesar de realmente não entender o porquê...
Não consegui ficar quieto:
- Sangue, morte, assassinato de humanos inocentes... Quer mais algum motivo?
Ela não respondeu, esperando que me calasse para que pudesse continuar:
- Estive pensando sobre leões e cordeiros.
Ergui minhas sobrancelhas:
- Como?!
- Veja Edward, o leão mata o cordeiro para se alimentar. A sobrevivência do mais forte em detrimento do mais fraco. E é assim que deve ser. A maneira sábia que a natureza achou de seguir adiante com um único propósito, gerar e resguardar cada vez mais sua essência. Não acho, e acredito que você também não, que os leões sejam os vilões do reino animal por agirem assim. Podem não ser muito populares entre os cordeiros, mas definitivamente não são perversos, abomináveis, malévolos, ou qualquer outro adjetivo que você use para definir nossa espécie.
Meu rosto era uma máscara petrificada. Ela continuou cuidadosamente:
- Leões matam cordeiros porque faz parte de sua natureza e não porque são maus. E a mesma força, seja lá no que você acredite, Deus, Evolução, que criou um, também criou o outro. Não existe melhor ou pior, são somente diferentes.
Não pude deixar de bufar:
- Quer dizer que eu matar Bella, nada mais é do que um resultado da cadeia alimentar? E você realmente acha que isso de alguma forma pode me fazer sentir melhor?
- Edward você não está me escutando, além do mais eu já lhe disse que você não vai matá-la... Agora posso continuar?
Recompus minha máscara enquanto ela esperava impaciente:
- O que quero dizer Edward, é que acredito que seja lá o que criou Bella, também criou você! E que se essa força superior quer a felicidade dela, também quer a sua. Você não é melhor ou pior do que Bella, é somente diferente. E se você pensar em maldade, sim eu sei que existem muitos da nossa espécie que são realmente perversos, mas da mesma forma existem muitos humanos muitas vezes piores. E até entre os leões e cordeiros devem existir os malvados... Essa sua idéia de que vampiros são automaticamente maus é preconceituosa e míope. E eu nem vou falar de Carlisle, mas mesmo entre aqueles que caçam humanos, conhecemos tantos que são tão bons... Caçar para eles não é sinônimo de maldade, eles estão simplesmente sobrevivendo, como os leões... Mas o que realmente importa, para você e para Bella, é que nossa família fez outra opção, escolhemos sobreviver de outra forma. E você meu irmão, é a melhor pessoa que já conheci!
Apesar das palavras de Alice terem me tocado, conseguindo penetrar de algum modo em minha máscara de infelicidade, não me permitia ter esperanças. Eu era egoísta demais para merecer ser feliz.
- Mas você não vê leões e cordeiros andando juntos, de braços dados! – brinquei com ela, meu humor um pouco mais leve.
Ela sorriu também:
- Deixe-me ver como te falar o que tenho pra dizer... Pensei muito em você e Bella, a conexão que há entre vocês...
Seguindo o raciocínio de Alice, não pude deixar de refletir também. Era verdade... Conhecíamos-nos a pouco mais de dois meses, havíamos conversado tão pouco ainda e ela já era parte de minha vida de maneira permanente. Na verdade ela era toda a minha vida.
- Você melhor do que ninguém sabe como minhas visões funcionam – ela continuou. – Só consigo ver o caminho em que a pessoa está após ela tomar a decisão de seguir esse caminho. Mesmo assim, a primeira lembrança que tenho nessa minha nova vida, é a da face de Jasper e a convicção de que precisava encontrá-lo. A convicção de que ele seria minha vida, meu mundo. Mas como eu poderia ter visto isso Edward?
Olhei para ela sem ter certeza do que estava tentando me dizer.
- A consciência que tive de Jasper veio antes mesmo da consciência pelo que havia me tornado. Não sabia que era uma vampira e muito menos entendia as visões em minha cabeça. Não lembrava nada de minha vida humana, só via seu rosto e sabia que precisava dele. Essa visão não foi fruto de nenhuma decisão minha ou dele, simplesmente esteve sempre comigo, como se fizesse parte de minha essência. E seja quem for que a tenha colocado em minha mente, com certeza queria nossa felicidade.
Ela parou um minuto, estudando minha expressão atentamente. Eu não sabia o quanto deixava transparecer em meu rosto, mas minha mente era um turbilhão de pensamentos, precisaria de tempo para absorver tudo isso.
- Edward – ela falava lentamente, como se estivesse explicando algum assunto complicado a uma criança. – Da mesma forma aconteceu com Carlisle e Esme, Rosalie e Emmet. Você realmente acredita que o encontro deles tenha sido obra do acaso? Você sabe que Esme era criança quando viu Carlisle pela primeira vez, quando ele a tratou de uma enfermidade. O rosto dele ficou gravado em sua memória, ela só sentiu bondade e compaixão quando esteve ao seu lado. Que coincidência faria Esme, praticamente morta, parar no mesmo hospital em que Carlisle estava trabalhando? Que coincidência faria Rosalie estar caçando justamente na hora e local em que Emmet estava morrendo pelo ataque do urso? Emmet, o único que tocou seu coração e deixou sua existência nessa vida que ela odeia tanto, um pouco mais suportável?
- Então você acha que eu e Bella estamos de algum modo destinados? – Tentei dar a minha voz um tom sarcástico, mas tinha que admitir que o que Alice havia dito, de alguma forma fazia sentido. – Isso não é desculpa para justificar meu egoísmo. Não vou transformá-la e condená-la a uma meia vida.
Alice revirou os olhos, preferindo ignorar minhas palavras:
- Tenho observado Bella e você tem razão, ela é especial. Não sei bem o que é, mas existe algo diferente nela. A maneira como desde o primeiro momento ela ficou tranquilamente ao seu lado, a maneira fácil como aceitou o fato de sermos vampiros e outras coisas que não consigo explicar com palavras, são apenas sensações. É como se ela estivesse a vida toda sendo preparada para esse momento, sendo preparada para te encontrar. Não me peça para explicar, mas eu sei que alguma coisa está vindo... Você pode não acreditar ou até mesmo tentar mudar o futuro, mas sei que Bella terá um importante papel em nossas vidas. Não só na sua ou na minha, mas na vida de toda nossa família. Ela trará mudanças profundas Edward. É como seu eu enxergasse um quebra-cabeça que só está completo com a presença de Bella.
- Você não tem como saber disso Alice. – Havíamos chegado em casa e eu queria ficar um pouco sozinho, me preparar para o encontro que teria logo mais e também para pensar em tudo que havia escutado. – Vou ficar aqui um pouco. – Disse sentando numa pedra na beira do rio que corria nos fundos de nossa casa.
Alice passou a mão em meu cabelo, sorrindo carinhosamente:
- Não se martirize meu irmão. Ela é seu destino e você o dela. Você pode até lutar contra, mas só vai fazê-los sofrer e não mudará o final da história. Então deixe de ser teimoso e se permita ficar feliz por ter encontrado sua alma gêmea.
Sorri para ela também, mas foi um sorriso triste...
- Vá para casa Alice. Posso ouvir os pensamentos de Jasper e ele está morrendo de saudades, louco para te ver.
Os olhos dela brilharam:
- Jasper... – suspirou abrindo um largo sorriso. – Vai dar tudo certo Edward. E lembre-se dos leões e cordeiros!
Saiu dançando graciosamente ao encontro de seu amor.
Fiquei vendo o sol nascer, realmente estaria ensolarado em nossa clareira hoje. Bella poderia me ver no sol.
Pensava em tudo o que Alice me dissera. Seria possível que Bella realmente fosse meu destino? Que houvesse alguma força superior que a houvesse colocado em meu caminho? Que tudo que havíamos vivido, ela na sua curta vida e eu na minha interminável existência, houvesse acontecido para nos conduzir a esse encontro?
Não, não podia ser. Alice estava errada. Bella merecia um destino melhor. Que ser cruel a destinaria a um monstro como eu? Esforcei-me para abafar a pequena esperança que havia nascido enquanto Alice falava. Eu precisava ir embora e deixá-la a salvo. Eu não era bom para ela.
Permitir-me ficar sozinho com Bella logo mais, era um erro. E se eu não fosse forte o bastante? E se o seu cheiro me dominasse? E se a vontade de tocá-la, cada vez maior, me fizesse machucá-la? Eu devia ir embora agora mesmo.
Mas eu sabia que essa hipótese não era possível, nisso Alice estava certa. Não estava em mim a força para deixar Bella. Não agora. Precisaria achar uma maneira de fazer isso.
Caminhei para a casa para me trocar. O peso de meus medos e angústias fazia meu corpo se curvar.
Encontrei os olhos de Esme e pude ler em sua mente : "Vai dar tudo certo meu filho, eu sei." Abri um pequeno sorriso, para tranqüilizá-la.
Cruzei com Rosalie e Emmet. Rosalie me fuzilava com o olhar: "Então, já devo começar a arrumar minhas coisas? Imbecil! Você vai matá-la e teremos que nos mudar ainda hoje." Emmet parecia apenas divertido: "Maluco!"
Me troquei rapidamente, querendo estar ao lado de quem eu tanto amava. Corri para longe dali, longe daqueles pensamentos. Corri para minha Bella.
