Escrita para o 37º Challenge Relâmpago do Fórum 6V.


Fractal

É o tempo de um piscar de olhos e ele já está de pé, ao seu lado. Mãos pequenas e gordinhas que se agarram desajeitadamente às suas vestes, pés incertos de passos curtinhos que tocam o tapete da grande sala da mansão.

Você passa a mão sobre os cabelos escuros e abundantes dele e espera que ele olhe para cima, encarando o seu rosto enquanto resmunga. E os olhos redondos e grandes são as únicas coisas que ocupam a sua visão por alguns instantes. E você sabe que eles têm a mesma cor dos seus.

Então, você vai andando, fazendo com que ele largue a sua roupa. Ele balança, como se fosse empurrado por uma rajada de vento, e por algum momento você sabe que ele pensa que vai cair. Ele ainda não absorveu completamente, é claro, como essas coisas funcionam [só sabe comer, chorar, resmungar e chamar seu nome quando precisa ter atenção], mas, de certa forma, você sabe que ele compreende que isso é um jogo, que você não o deixará cair, não deixará que ele se machuque.

Mas, desta vez, só para variar, você pensa em deixá-lo sozinho: que ele se vire, que ele se levante e que caminhe sem a sua ajuda. Por um breve respirar, você espera que ele bata no chão e comece a chorar – e você ficaria admirando as lágrimas de seu irmãozinho com uma curiosidade mórbida.

Só que não consegue. Antes que ele caia, você o segura pelos braços gordinhos, afundando os dedos na carne macia e clarinha. Ele arregala os olhos para você – e mais uma vez você sabe que ele entende. E é engraçado como ele não te culpa por hesitar, ele não chora pela pressão no braço, ele não grita exigindo a presença da mãe [sim, você sabe que ele é apenas uma criancinha ainda, mas mesmo assim nunca duvidou de que ele entendesse quem era você e o quanto significava estar ali com ele].

E você baixa a guarda só por um minuto, um breve minuto – e, de repente, você já não consegue pensar em muitas coisas: é só nos olhos dele, no rostinho dele, na voz macia e tão delicada dele.

Você suspira. E ele sorri. Daquele jeito que parece não poder se conter [e é a boca que se abre descaradamente, os poucos dentes que ele tem coroando a gengiva rosadinha; é nos lábios que se esticam e nas covinhas das bochechas; dentro de seus olhos que brilham e viram fendas enfeitadas por ruguinhas; é pelo som que parece sininhos de vento;] e que te faz esquecer de tudo que não seja aquela criaturinha que você segura para não cair.

Então, o momento passa. E resta aquela sensação estranha de que tudo está no devido lugar. E você diz a mesma coisa de sempre, aquilo que um dia ouviu de seus pais, enquanto entrelaça as mãos pra que ele possa caminhar.

- Mais cuidado, Regulus; não é sempre que eu vou estar aqui.


N/A: Essa ficlet só saiu por causa da Swiit [a guria que propôs o chall amor sobre infância ;D].