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Fanfic Isabela/Varric – porque eu sempre achei que os gracejos que eles faziam um para o outro durante o jogo muito suspeitos!

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Existe uma lenda, muito partilhada por humanos que vivem em comunidades pequenas e supersticiosas, de que os anões são feitos de rocha.

Como filhos da Pedra, como gostam de reafirmar, eles próprios seriam feitos do mesmo material utilizado para cimentar as Deep Roads. Pequenos golens de pele macia, mãos de aço e determinação de ferro; forjados unicamente para a batalha. Só isso explicaria o fato deles viverem tão perto das trincheiras dos darkspawn e ainda estarem vivos. Sem falar no velho bordão de que "anões são cabeças-duras", provavelmente tendo aço no lugar do cérebro – e alguns ouro no lugar do coração.

Tudo mentira. Anões não eram feitos de pedra. Ou já se ouviu falar de alguma pedra que sangrasse?

Varric tocou em seu peito e sentiu a discrepância de temperaturas: sua pele estava fria, mas seu sangue escorria morno pelo ferimento enorme que atravessava o seu tórax de cima abaixo. Anos e anos lutando com a frente desprotegida só para exibir seu glorioso cabelo no peito e nunca lhe aconteceu um vacilo destes.

Tudo aconteceu muito rápido. Estava atirando num bando de ladrões que estavam causando problemas para a Guilda dos Mercadores. Enquanto espetava um inimigo que estava próximo demais dele com a baioneta de Bianca, um segundo avançou dando-lhe um violento golpe de marreta no ombro. Com o braço dormente pelo impacto ele deixou a guarda aberta. Um terceiro bandido aproveitou o momento.

A lâmina atravessou a pele, cortou a carne e lambeu os ossos das costelas. Uma explosão de líquido vermelho quente salpicou quem estava próximo. Anos e anos sujando-se com o sangue dos outros e agora era o de Varric que manchava as roupas alheias.

Ele caiu de costas, com Bianca escapando de suas mãos e quicando pelo chão da praça de mercado de Higtown. Um humano da guilda Coterie e um anão da Carta – tão alto que nem parecia um anão – aproximavam-se de Varric com as armas em punhos, lâminas sedentas por mais sangue.

"É isto aí... acabou... estou morto." pensava o príncipe mercador, sentindo sua luva de couro empapar-se com o próprio sangue.

– Pegamos ele!– comemoraram os bandoleiros. Há muito tempo que o anão era um empecilho enorme dentre eles e suas atividades ilícitas. – Pegamos!

– Nnngh! Melhor... assim. – murmurou Varric, com dificuldade. – Mais alguns anos e eu... não estaria mais... com esta bela aparência. Melhor deixar um cadáver atraente... – mesmo numa situação crítica como aquela ele não deixava de fazer suas piadinhas.

O humano ergueu a lâmina, prestes a dar o golpe final, mas foi detido quando o machado do mafioso da Carta interrompeu a trajetória da espada.

– Alto lá! – gritou o anão, com a voz abafada pelo elmo. – Quem vai matá-lo sou eu!

– Nem pensar! – o humano rosnou. – Este puto matou mais dos nossos do que dos seus! Vai morrer pelas minhas mãos!

– Ele É um dos "nossos". Nada melhor do que um anão para matar outro anão.

– Nada a ver! Quem vai matá-lo sou eu!

– Não, eu!

Se não estivesse sentindo uma dor profunda e dificuldade em respirar, Varric teria gargalhado. Os dois criminosos estavam brigando entre si para ver quem ia matá-lo. Aquela poderia ser uma ótima oportunidade para fugir, mas infelizmente seu corpo não estava em condições de fazer nenhuma fuga esperta. Ele sentia um frio mortal subir pelo seu corpo e gelar a pele do seu rosto. O sangue continuava escorrendo, assim como a sua vida.

Ele estava morrendo. E não havia ninguém para salvá-lo.

"Isabela..." ele pensou, antes de sua visão se escurecer.

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A porta da taverna Hanged Man abriu de um solavanco quando Isabela adentrou, com as roupas manchadas de sangue. A pirata havia se envolvido em mais um dos seus duelos noturnos e parecia ter se dado bem. Ou nem tanto.

Enquanto caminhava, gotas de líquida vermelho pingavam pelo chão.

– Cerveja! – ela gritou, batendo no balcão. – Não, pensando bem vinho... ou melhor, rum! – ela levou a mão ao ombro. – Ah! Solta aí a bebida mais forte que você tiver!

– Rivaini! – uma voz exclamou do alto da escada. Era Varric, vestindo apenas sua túnica vermelha, descalço e com os cabelos soltos. Estava bem à vontade, significando que devia estar concentrado em seus escritos até ouvir a barulhada que a pirata estava fazendo. – Voltou mais cedo esta noite! E que sujeira é esta? Não basta matar o inimigo, mas precisa também tomar banho com as vísceras dele?

– A culpa não foi minha. – ela deu uma risada dolorida. – Que culpa eu tenho se todos os meus desafiantes gostam de se jogar contra minhas adagas?

– Oh, que ponto de vista interessante! – o anão foi descendo as escadas. – Então não é Bianca quem atira nos criminosos, mas são os corpos deles que chamam as flechas.

– Realmente não é Bianca, é você quem atira as flechas. – ela sorriu, embora mordesse o lábio de dor. – E quando você vai largar aquela balestra e finalmente ficar comigo?

– Hah! Continue sonhando, Rivaini. Eu não trocaria uma esposa tão fiel quanto Bianca por você nem se caísse em meus braços...

A pirata fechou os olhos, pendeu a cabeça para o lado e dobrou os joelhos. Os dedos da mão perderam a força e o caneco de rum que havia acabado de receber espatifou-se. Varric conseguiu pegá-la antes que a mulher caísse no chão. Assustado, ele olhou para o rosto pálido de Isabela e puxou com cuidado o top de sua blusa. Estava empapado de sangue. E o sangue era dela.

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– Não atingiu o osso. Ela vai ficar bem. – disse Anders.

O curandeiro apostate havia aplicado suas magias de cura na pirata. Ela gemia baixinho, indicando que estava voltando pouco a pouco à consciência. Seu ombro ferido estava enfaixado e outros ferimentos menores já haviam sido curados por poções. Ela estava desnuda da cintura para cima, embora uma manta carmim cobrisse seu busto.

– Obrigado por vir, Loiro. – Varric estava encostado na parede, de braços cruzados. – A próxima vez que eu precisar que você saia do seu buraco de rato para se enfiar em outro, como o Hanged Man, prometo remunerá-lo melhor.

– Já me sinto pago pela ajuda que você tem me dado, mantendo os criminosos afastados da minha clínica. – sorriu o mago. – De qualquer forma esta noite irei passar com Hawke. Ela também precisa de cuidados depois que duelou com o Arishok para salvar Isabela. Seria uma pena se a pirata morresse depois de todo o esforço que a nossa querida líder fez.

– Vou manter Rivaini na coleira para ela não se meter mais em confusões. Prometo.

O mago meneou com a cabeça e saiu. Varric fechou a porta do quarto e olhou para sua convidada que agora esparramava-se na cama. A mulher havia voltado à si.

– Eu ouvi mal ou você disse que ia me "botar na coleira"? – ela seu uma risadinha fraca. – Está me chamando de cadela, anão?

– Já te chamaram de coisa pior, minha querida. – ele sentou no pé da cama. Tentava a todo custo mostrar-se descontraído, embora estivesse mortalmente preocupado com a amiga. – Está sentindo dor?

– Nada tão ruim que não possa piorar. – ela tentou esticar o braço ferido, mas não conseguiu. – Ai! Você e Anders olharam para os meus peitos, não é?

– Não tivemos opção. – Varric baixou os olhos. – O ferimento era largo.

– Ah, mas não estou reclamando! – Isabela baixou a manta e deixou os seios expostos. Desta vez o anão foi obrigado a erguer os olhos e a pirata pareceu se divertir com isto. – Você acha que eu ando de decote para ninguém vê-los? Da mesma forma que o decote da sua túnica, Varric. Para todos poderem admirar este seu peito cabeludo e sarado!

– Existe uma coisa chamada "processo de cicatrização" que pode ser dificultada pelo frio. – o príncipe mercador ergueu a manta até o pescoço da pirata. – Agora fique boazinha. Está na hora de dormir.

– Quer dizer então que esta noite vamos dormir juntos? Oooh! Espero que Bianca não fique com ciúmes.

– Bianca não vai ficar com ciúmes porque eu vou deitar no sofá lá de baixo enquanto você fica aqui. – ele se levantou. – Tenha bons sonhos.

A mulher balançou a cabeça. Não conseguia entender porque Varric sempre bancava o casto com ela. Alias, com todos. Podia soltar um gracejo aqui, um flerte ali, mas no final parecia ser o único do grupo de Hawke que ia para a cama sozinho. "Bianca me faz companhia" era sempre a sua resposta.

Isabela aninhou-se entre as cobertas e enfiou o rosto no colchão. Respirou profundamente.

– Então... este é o cheiro dele. – ela murmurou, e dormiu sorrindo.

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