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A profecia do Caos
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Era um dia calmo no céu: os titãs e os outros inimigos dos deuses estavam encarcerados nas indestrutíveis masmorras do profundo Tártaro. A era de ouro da humanidade fluía plena e os deuses do Olimpo se reuniam para uma comemoração. Afinal, não era sempre que o rei dos deuses completava cinco mil anos de reinado.
Os deuses se acomodavam em nuvens com forma de divãs; Hebe e as Graças os serviam da ambrosia, Apolo dedilhava sua lira, tirando sons maravilhosos. Tudo devia ser perfeito para a comemoração dos cinco mil anos de encarceramento de Chronos, o antigo rei dos deuses.
- O que foi, Lorde Hades? - pediu Prosérpina, sua esposa - Por que estás tão alheio às comemorações?
- Apenas me recordo de algo que Éris me disse há vários anos. - o mais belo dos deuses olhou para a deusa que conversava animadamente com Ares e depois, instintivamente para Zeus - Eu teria sido o imperador dos Céus, não fosse o fato de Chronos engolir os filhos assim que nasciam. Sou o mais velho aqui, o direito teria sido meu!
- Meu senhor, - respondeu Hypnos, aproximando-se do casal - não deveis esquecer que Éris é a personificação da discórdia, e que a discórdia entre homens e deuses é o que ela procura. Além do mais, meu lorde, existe um local e um tempo para discutir todos os assuntos, mas o vosso direito ao trono dos céus não deve ser discutido na festa de aniversário de vosso irmão.
Hades gargalhou, alegre. Era algo tão raro ver o imperador do mundo dos mortos rir com tanto gosto que todos os deuses o observavam algo encantados com seu riso. Quando percebeu, fechou a cara meio envergonhado e olhou para todos com sua frieza habitual.
- O que foi? - lançou um olhar gelado para todos que se reuniam ali - Não posso partilhar da alegria desse dia?
Os deuses olharam para Hades espantados por ter mudado de fisionomia tão rapidamente. Apenas Zeus conservava um sorriso de leve nos lábios. O olhar de Hades tornou-se mais suave e ele sorriu, divertido com as caras de espanto dos deuses. Logo, todos riam.
Zeus aproximou-se de Hades e Prosérpina com Hera a seu lado. O contraste entre a armadura dourada do rei dos céus e a sapuris violeta do imperador dos mortos não podia ser mais óbvio. Hera olhou bem para Hades e sacudiu a cabeça, sorrindo.
- Sempre tens que ser o centro das atenções, não é, irmãozinho? Não podes deixar Zeus em paz nem mesmo no aniversário...
Hades suspirou, fingindo pesar.
- Me desculpe, irmão. - disse, dirigindo-se a Zeus - Mas, cá entre nós, - aproximou-se um pouco de Zeus e manteve a voz num tom que todos que estavam por perto pudessem ouvir - qual de vossos irmãos mais o perturba? Deméter, Poseidon, Hera (elevou um pouco o tom da voz) ou eu?
Hera olhou para Hades, meio dividida entre o assombro e a vontade de rir. Ele era o único que podia falar daquela maneira com Hera sem ter que arcar com a fúria da senhora do Olimpo.
- Prosérpina, - disse Zeus, com um sorriso - acho melhor que vás até Giudecca e procure o verdadeiro Hades. Parece-me que Éris pode ter trancado o imperador dos infernos nalgum guarda-roupa e vindo até aqui para semear seus frutos sórdidos...
Os quatro deuses se entreolharam e riram em voz alta. Logo, o Olimpo inteiro ria, inclusive a própria Éris. Diferentemente do que a maioria dos mortais acreditava, Éris era uma deusa benevolente, que via a discórdia como uma ferramenta que evitava a mesmice no mundo, a estagnação da raça humana.
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Bem ao longe, no entanto, alguém observava a reunião dos deuses. Não era um mortal, pois nenhum filho do homem poderia ter uma visão que superasse as paredes impenetráveis do Olimpo. Esse imortal possuía uma magnífica armadura, formada de todas as cores do espectro, com duas asas enormes. Seus olhos eram da cor do sol poente, bem como os cabelos curtos.
Ele ergueu a mão na direção do Olimpo e fechou os olhos, procurando o hospedeiro adequado para os propósitos de seu mestre. O senhor desse imortal necessitava de algum deus do submundo, Prosérpina, Hypnos, Thanatos, Éris, ou o próprio Hades.
Da mão do imortal surgiu uma pequena esfera de energia, criada com a permissão de seu mestre, pois se tratava de uma das técnicas mais poderosas já desenvolvidas.
- Reino Fulgurante de Almas! - exclamou.
Da esfera de energia surgiu um pequeno disparo de energia que foi em direção ao Olimpo com velocidade inacreditável. O imortal, meio exausto por ter usado uma técnica tão poderosa, apoiou-se numa árvore frondosa e admirou a beleza desse mundo do qual sabia tão pouco.
Mas não havia tempo para admirar aquele mundo que logo seria devastado. Bateu as asas e alçou vôo. Num lampejo de luz, sumiu no ar, sem notar o pavor que havia despertado numa ninfa que o estivera observando disfarçadamente de trás de uma árvore.
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No Olimpo, Hades sentiu um calafrio Começou a se sentir estranho, dominado por uma inquietação que nunca havia sentido antes. Ele tremia de leve e sentia calor.
- Meu imperador! - disse Prosérpina - Estás bem?
- Não... Uma sensação estranha... Um perigo iminente... Não consigo entender porque estou assim. Tenho um pressentimento... Algo terrível está para acontecer no inferno, devemos voltar imediatamente!
- Se a situação é assim tão grave, pedirei a Zeus que nos perdoe por sair de sua festa de maneira tão repentina. - disse Thanatos, que havia corrido para perto de seus senhores assim que vira o imperador agir de maneira tão estranha.
- Faça... Faça isso, Thanatos. - disse Hades, com visível esforço.
Alguns instantes depois, o próprio Zeus se aproximava do irmão.
- Irmão, como estás? Quer que eu chame Apolo? Ele é o deus da medicina, deve saber o que tens.
- Não, irmão, obrigado. Tenho... - o imperador dos mortos falava com esforço cada vez mais pronunciado - Tenho que voltar... Para os Elísios. Algo de muito ruim... Vai acontecer.
