Kakashi Hatake sentia-se culpado. Não deveria. Aquilo havia acontecido a centenas de quilômetros de distância dele, mas ainda assim...

A rósea se mexeu sobre a cama, deixando que alguns fios cor-de-cereja caíssem sobre as pálpebras fechadas. Havia ferimentos em volta de quase todo seu rosto, que estava parcialmente enfaixado. O tecido bege claro, em certas extremidades, estava manchado de sangue. Alguns dos ferimentos eram tão profundos que, mesmo tendo-se passado dois dias, ainda sangravam um pouco.

Hatake fechou as mãos em punho sob o queixo mascarado e ponderou sobre a situação. E se ele estivesse lá? Isso nunca teria acontecido.

Era tão estranho. Geralmente os lugares eram trocados. Sempre era Kakashi quem ficava inconsciente por dias enquanto Sakura zelava por seu corpo, tão atenciosa e talentosa.

Ele transferiu sua visão até ela, observando-a com cuidado. Conseguia ver um brilho esmeralda sob as pálpebras semiabertas; Sakura sempre dormira daquela maneira, como se ainda estivesse com os olhos abertos. Não fosse o outro estar inchado, estaria igualzinho ao que Kakashi agora fitava.

Uma miríade de emoções o assolava. Ele não sabia exatamente o que pensar — embora Tsunade-sama tivesse lhe afirmado que Sakura estava bem, agora que estava sob seus cuidados —, muito mais depois do que haviam conversado antes que Haruno tivesse partido até o País do Vento, numa missão na Aldeia da Areia.

Se Kakashi não estivesse ocupado com outras missões...

Grunhiu.

Sakura era uma ninja talentosa, e seu poder curativo era incrível, porém, ele ainda a enxergava como uma protegida. Já não era mais seu sensei há pelo menos cinco anos, e dentro de cinco anos, tudo mudou. Não poderia classificá-la como sua dependente ou protegida; Sakura se virava tão bem sozinha que era até mesmo bonito de ver. Ela era um de seus maiores orgulhos, quiçá o maior. Vira aquela menina crescer e florir como a mais bela cerejeira da Aldeia da Folha; agora já era uma mulher feita, dotada de poderes sedutores femininos.

Ele a via como uma protegida, mas não deveria. Sakura odiava quando Kakashi a tratava como "uma criança indefesa", em suas próprias palavras. Em certos momentos como esses, ela até mesmo lembrava Naruto em seus tempos de genin.

Kakashi permitiu-se sorrir por um instante. Ela estava ali, inconsciente — e há poucos dias beirando à morte; lembrar aquilo fazia com que um arrepio corresse-lhe o corpo, dos pés aos seus últimos fios de cabelo —, porém, continuava ali. Ao menos podia olhá-la e cuidá-la. Tsunade havia lhe sugerido que fosse para casa descansar, afinal, do que serviria se ele também estivesse finalizado como estava Sakura?

Contudo, ele insistiu e ficou aqueles dois dias ao lado de sua cama, pensando sobre como poderia ter evitado todo aquele seu sofrimento. Pensando que se ele estivesse junto naquela maldita missão, Sakura não estaria tão ferida. Ele poderia tê-la protegido.

Quando Ino informou-lhe sobre o estado de Sakura, Kakashi havia acabado de chegar à Aldeia da Folha. Impaciente, encaminhou-se até o hospital e encontrou-a no quarto, coberta por ataduras e com um dos braços engessados, as duas pernas enfaixadas. O mais irônico era que a parte enfaixada de seu rosto era exatamente a parte que Kakashi escondia do mundo por completo: a parte esquerda de sua face, a parte em que o pano de sua bandana escondia seu Sharingan.

Outro sorriso bailou em seus lábios.

Sakura moveu-se outra vez, soltando um gemido gutural baixinho. Era um sinal de dor. E dor significava que ela voltava à consciência aos poucos.

Hatake suspirou, um tanto aliviado, segurando sua mão direita entre as dele. Ela parou de se mover, respirando fundo. E então emitiu aquele som outra vez, as pálpebras bailando alguns poucos milímetros. Kakashi estava certo de que logo ela acordaria.

— Sakura-chan! — Gritou uma voz estridente, abrindo a porta sem nenhum tipo de delicadeza.

Naruto.

Kakashi imediatamente levantou-se, pondo-se frente a Naruto em menos de um segundo, tapando-lhe a boca com a mão. Fez sinal de silêncio.

Shh. Ela ainda está dormindo, seu idiota.

— Então vamos acordá-la!

— Naruto, ela precisa descansar! — Os dois "gritavam aos sussurros". — Eu não lhe disse para visitá-la somente quando estivesse completamente recuperada?

— E por que você pode ficar aqui? Ein, ein?

— Naruto! Você já me deixou com cabelos brancos o suficiente! Quer, por favor, uma vez na sua vida escutar o que digo!?

— Mas eu quero vê-la!

— E verá. Quando Sakura estiver recuperada. Agora saia. Eu o chamarei quando ela estiver plenamente acordada.

Naruto bufou irritado e saiu do quarto, praguejando maldições a seu antigo sensei. Kakashi fechou a porta e recostou-se à madeira por alguns segundos, aliviado novamente, principalmente por ter se livrado de Naruto de uma forma tão fácil e rápida — o que era muito difícil de conseguir.

Ele voltou à cadeira ao lado da cama, sentou-se e suspirando, resolveu ler alguns capítulos mais do último exemplar do seu Icha Icha!; aqueles próximos capítulos prometiam algo muito interessante.

Havia lido uma página quando uma voz fraca, quase um murmúrio, chamou-o.

Kashi...

Virou-se imediatamente para Sakura, deixando o livro de qualquer jeito sobre o criado-mudo e erguendo-se, pegando-lhe a mão e respondendo ao seu chamado.

— Sakura-chan.

Ela exibiu um sorriso tímido, meio coberto por todos aqueles panos.

— Como se sente? — Kakashi perguntou, tirando alguns fios de cabelo de sua face delicadamente.

Destruída. — Ela tentou rir, mas falhou miseravelmente. — Tudo dói...

— Vai passar. Eu prometo. Vou cuidar de você.

Há quanto tempo... estou assim...

— Há pelo menos três dias.

Ela arregalou o olho direito e depois deixou-se relaxar.

Está aqui esse tempo todo, Kashi?

— Sim. — Notou-a sorrindo e retribuiu. — Eu não a deixaria sozinha neste hospital, por nada no mundo, Sakura.

Kashi?

— Uh?

Você me deve uma coisa. Prometeu-me... antes que eu partisse...

Ele pensou alguns segundos sobre aquilo, até chegar à conclusão do que seria. Era óbvio.

Observou o quarto à procura de quaisquer brechas possíveis. Constatou que não havia nenhuma e sentiu-se mais tranquilo.

Com cautela, colocou os dedos pálidos de Sakura sobre sua máscara. Com certa dificuldade, ela a deslizou por seu rosto até descobri-lo por completo. Notou um sorriso no canto de seus lábios e riu. Ela o acariciou a face por alguns segundos, até que esperasse que ele se inclinasse para fazer o que havia lhe prometido.

Com delicadeza, Kakashi pousou os lábios sobre os de Sakura, sentindo um gosto adocicado e ferroso ao mesmo tempo. Ela o afagava na nuca, enquanto ele continuava segurando-lhe a mão, enquanto apoiava-se sobre a cama.

Quando os lábios se separaram, ele deixou escapar um suspiro de encantamento e satisfação que fez Sakura corar.

— Lembro-me de ter-lhe dito que esta era uma promessa vitalícia — Kakashi riu, enquanto cobria novamente o rosto.

Sakura soltou um riso contido.

Lembro-me de ter aceito a oferta.