UMA ILHA CIVILIZADA no meio do Atlântico. Ele a observava do convés, os olhos estreitos sob o chapéu. O capitão gritou, informando que atracariam logo. Os olhos subiram para o céu negro; uma tempestade estava por vir. Ele entendeu a decisão do capitão — aquele pequeno navio não aguentaria águas turbulentas. Imaginar aquela bacia de madeira no meio de um oceano em fúria fez com que arrepios corressem seu corpo. Ele é que não queria estar no Indian Glory — o nome que o capitão havia lhe dado, e que estava pintado em letras maiúsculas bem visíveis na madeira — quando as nuvens começassem finalmente a desabar suas águas.
Olhou para as mangas da camisa de linho encardido que usava e tornou a abotoá-las. Arrumou a espada em sua bainha e checou o punhal atado à cintura. O capitão do Indian Glory gritou para que ajudasse com as cordas e as velas. Virou-se e foi, orientando um garoto de quinze anos, que se enrolava com o serviço que havia sido lhe dado.
Há uma semana ele não colocava um pingo de álcool para rodar em seu organismo, e a primeira coisa que fez ao pousar os pés em terra firme, foi procurar um bordel. Tinha alguns xelins e uma moeda de prata. Gastou dois xelins para que um homem robusto desse-lhe a informação, mostrando-lhe onde ficava um bordel chamado Paradise — ou Peradíse, como soou o homem —, dando instruções sobre como chegar até lá.
Puxou o chapéu, agradeceu e finalmente adentrou a ilha. O chão havia sido calçado com pedras uniformes e o solado de suas botas tilintava a cada passo que dava. Caminhou por cinco minutos, encarando sempre o chão — para alguns, poderia até mesmo parecer que ele não queria ser percebido. E não queria — era a última coisa que desejava. Tudo o que queria era tomar uma garrafa de rum e depois apagar para o mundo por no mínimo dez horas.
Repentinamente, duas vozes surgiram, em uníssono.
Dois guardas em trajes branco-e-vermelho, logo atrás dele.
— Ei! Você! Parado aí!
Fingiu não ouvir. Continuou andando.
Os guardas correram até ele, barrando-o. Empurraram-no contra a parede mais próxima.
— Qual é o seu nome? — Perguntou o mais jovem dos dois, e o que soou mais impaciente. —Vamos, verme, abra logo essa boca!
— Joseph. — Disse, sem olhar diretamente para o garoto. O tom de voz saiu frio de seus lábios, e ele agora os encarava sem muitas expressões.
— Joseph Sem Sobrenome? — O jovem riu em escárnio.
— Joseph Button.
— Um nome incomum para um tripulante de um navio indiano — falou o mais velho. — De onde vem, Joseph Button?
— Inglaterra.
— Está mentindo.
— Por que estaria?
— Onde está seu sotaque e seus malditos olhos azuis? — O mais velho puxou a pistola e esfregou-a contra seu rosto. Fez com que virasse para os dois lados; perscrutou-lhe a face. — Um britânico com dentes de ouro? — Riu. — A situação em que se encontra me diz outras coisas sobre você, Joseph Button. De onde vem?
— Já disse. Inglaterra.
— Você não é inglês! — O jovem gritou, as órbitas saltadas. — Somos oficiais por aqui, é melhor começar a abrir o seu bico!
— Não é porque se está na Inglaterra que se é inglês. Acho que é melhor começar a falar isso para alguns franceses — sorriu singelamente.
— Acha que é engraçadinho! — O mais velho empurrou-o mais contra a parede.
— São franceses? — Ele riu.
Recebeu em troca uma bofetada com a coronha da pistola. Sentiu a mandíbula ringir. O sangue começava a empapar o lado esquerdo de sua boca. Contraiu-se e sentiu um de seus itens vir ao chão. Observou o jovem rebuscar a bússola caída, tentando manter-se calmo.
O garoto abriu-a, retirando um papel dobrado em seis partes. Abriu-o, deparando-se com o retrato de uma moça. Olhou para a bússola e depois para o mais velho.
— Esta não... não é... a filha do Governador Swann?
— Ela está desaparecida há anos — o mais velho arregalou os olhos, analisando o desenho. Havia visto a moça há no mínimo sete anos, numa de suas passagens em Port Royal. — Como conseguiu isso, Joseph Button? — Disse em tom de dúvida.
— Eu fiz isso.
— Para quem?
— Para mim.
— Por que manteria o retrato de uma dama nobre consigo? E como a conheceu?
— Viagens caribenhas.
— Está sendo muito evasivo, Sr. Button.
— Estou respondendo às suas perguntas. E se não se importa — deu um passo a frente — Isto me pertence — arrancou o papel das mãos do homem mais velho e, ao que foi guardá-lo no bolso junto à bússola, o homem segurou seu braço direito, fazendo com que o papel se rasgasse e voasse, de volta ao chão. Puxou a manga de sua camisa, deparando-se com o P que lhe marcava a pele.
— Seu nome não é Joseph Button — puxou a outra manga, o tom de sua voz aumentando. — Não é mesmo, Sr. Sparrow?
Jack bufou.
Como, infernos, depois de meses, ele acabou sendo apanhado por um guarda qualquer?
— Mas... John! Como o reconheceu!?— Exclamou o mais jovem.
— Eu estava em Port Royal quando este maldito pirata tentou sequestrar a Srta. Swann, Benjamin!
— Eu não a sequestrei — Jack suspirou. — Eu salvei sua vida. Há quem veja isso como algo ruim, mas vá entender a mente dessas pessoas...
— Os trejeitos mudaram um tanto — sussurrou o jovem.
Jack rolou os olhos.
— Cortei os cabelos, cavalheiros, e tomei um bom banho. Às vezes um homem precisa de higiene pessoal.
— Fale-me sobre etiqueta quando estiver em uma de nossas celas, Sr. Sparrow — John apanhou seu braço e os grilhões em sua cintura, enquanto Benjamin retirava a espada de sua bainha.
Jack pigarreou, respirando fundo e alcançando o punhal atado à cintura, às suas costas, com a mão livre. Continuou calmo, e ao que o mais novo puxou-lhe o braço direito, trouxe a lâmina para frente, roçando-a contra a garganta do garoto. Um corte superficial formou-se, fazendo com que Benjamin pulasse para trás em um baque, derrubando a espada de Sparrow.
Jack a resgatou em um segundo e logo depois revidava o golpe de John. Sentiu um golpe em sua cintura e uma dor aguda — aquele garotinho de merda parecia também ter uma espada bem afiada. Girou os calcanhares e fez-lhe um corte no abdômen.
A lâmina de sua espada voltou e alcançou a de John; brandir de aço. Empurrou-o e enfiou-lhe o punhal abaixo de suas costelas. O homem caiu, e Jack voltou-se para Benjamin.
Revidou dois golpes, e enfim a espada escorreu para dentro da carne mole do pequeno Ben. O menino caiu de órbitas abertas, jorrando sangue.
Sparrow sentiu uma pontada na cabeça; outra coronhada. Uma enxaqueca terrível iniciou-se, e ele cambaleou. Com a visão turva, não conseguiu esquivar do próximo golpe, e John acabou por fazer-lhe outro belo ferimento na altura do peito.
Um raio cortou o céu e alguns segundos depois, a chuva anunciada mais cedo começou a cair.
Jack apoiou-se à parede e afagou o tórax. Respirou fundo e, girando, ouviu a espada de John contra a pedra. Atingiu-o nas costas e o viu cair. John virou-se, procurando a espada. Jack ergueu-o, puxando-o pelo casaco que vestia e a lâmina deslizou facilmente, no meio de seu estômago.
— Você estragou o retrato que fiz — Sussurrou ao ouvido de John. Depois o deixou cair, junto ao garoto.
Juntou a bússola e começou a caminhar para longe dali, cambaleante.
Caminhou por longos minutos, a dor lancinante em sua cintura e peito fazendo com que perdesse um pouco de sua consciência. Estava incrivelmente sóbrio para sentir as pontadas repentinas de seus ferimentos.
Ele precisava de rum.
Notou que havia parado no meio de uma rua vazia. Caiu de joelhos em uma poça de lama e água, tentando recuperar o fôlego. Estava tonto e sentia náuseas. Rastejou para baixo de um telhado — o menor telhado que um dia já havia visto — e fechou os olhos.
Não era bem essa a ideia de desmaiar para o mundo, no entanto, estava valendo.
