Notas Iniciais:
História escrita para a Semana Hyoga de Cisne, um desafio promovido pela comunidade Saint Seiya Super Fics Journal.
Utilizei o universo da versão para anime de Hades, ou seja, Camus é o mestre do Hyoga, mas ele não é filho do Kido. Há um pouco de yaoi, mas a história será principalmente het.
Uma tempestade de neve caía lá fora, e o vento forte soprado do mar parecia capaz de balançar a pequena cabana naquela noite, enquanto Hyoga observava seu mestre servir-lhe uma xícara de café após o jantar. Camus pegou o leite da chaleira e o colocou sobre a mesa sem dizer nada.
- Mestre, Isaak ainda não consegue beber leite normal, onde está o dele? – perguntou, lembrando-se da intolerância a lactose contra a qual o companheiro de treinamento lutava diariamente. Isaak costumava chamar o problema dele de intolerância à intolerância, em razão da insistência do Mestre para que a superasse.
Camus devolveu-lhe um olhar confuso, antes de beber um gole demorado de sua xícara. Hyoga também bebeu da sua para não contrariá-lo.
Sentiu o líquido quase frio descer-lhe a garganta. Apesar de tentarem ao máximo aquecer as bebidas, a temperatura atual estava próxima de morna. Em se tratando do inverno russo, nunca seria tão quente como as bebidas que Hyoga tomara quando de sua estada no Japão.
- Mestre, e Isaak? – decidiu insistir.
- Alguém já morto não poderia estar aqui. Mas não se preocupe. Os laços entre os cavaleiros de Athena foram fortes o bastante para estarmos novamente tomando este café; um dia vocês se reencontrarão em outra vida.
- Em outra vida? Existe outra vida?
Camus assentiu lentamente e retornou à xícara.
Em seguida, Hyoga pôde ouvir batidas fortes contra a porta e alguém chamando seu nome.
Yakov? Franziu as sobrancelhas ao perceber que ele não era mais uma criança sob treinamento, e sim um homem formado com a barba por fazer e marcas ao redor dos olhos. Olhou de volta para Camus, com sua postura perfeita e suas roupas alinhadas. Caso se encontrasse frente a frente com seu mestre agora, este lhe pareceria quase um adolescente. De qualquer jeito, realmente já fazia muito tempo que ele não mais representava uma figura paterna.
Mais batidas contra a porta. Hyoga sentou-se sobre a cama para perceber que era Yakov quem estava desesperado a chamá-lo. Seu filho estava nascendo.
O pequeno Alexander dormia no berço que o pai construíra tão quieto que parecia um boneco. Yakov suspirou ao observar o filho, o que causou algum alívio em Hyoga. Tudo estava bem.
- Que bom que ele nasceu no verão, - tentou puxar um assunto com o mais jovem. – Será mais fácil para ele.
Todo o silêncio da espera durante o parto havia feito Hyoga pensar no sonho que tivera. Não era a primeira vez que sonhava com Camus nos últimos meses. Fora exatamente um desses sonhos que o trouxera de volta a Kohotek após vinte anos afastado. Mas o que ele quisera dizer com outra vida?
Observou Alexander com seus ralos fios de cabelo dourado e a camada de gordura típica de bebê. Aquela alma poderia já haver sido de outra pessoa? Poderia ser a de Isaak? Apesar de seu ceticismo, a dúvida já se havia estabelecido em seu interior.
- Hyoga, - chamou-o Yakov. - Eu venho querido te pedir uma coisa.
- Não hesite nunca, estou aqui para o que quiser. – Deu um tapa caloroso nas costas do rapaz. Era difícil acreditar que tanto tempo assim havia passado e o garotinho que o seguia pela Sibéria agora era o chefe de uma família de três. – Sabe que é o irmão mais novo que nunca tive, papai.
O outro sorriu sem jeito, mas logo ajeitou a postura e o olhou com cerimônia.
- Meu maior desejo agora é que o Sasha cresça e fique forte como você, Hyoga. Será que eu poderia contar com sua ajuda nisso?
- Como assim?
Yakov sorriu com os olhos fixos no bebê.
- Quero que seja o segundo pai de meu filho. E que depois, se possível, você o ensine a ser forte para proteger nossa vila. Poderia ser o padrinho dele? E fazer dele um cavaleiro como você?
Após observar o rapaz por um largo momento, Hyoga sorriu e o abraçou.
- É claro, Yakov! Será uma honra. E pode deixar, Alexander protegerá Kohotek e todos seus habitantes. Até lá, eu mesmo o protegerei. – Silenciosamente, acrescentou: "como não pude proteger Isaak".
- Que bom. Precisamos de alguém assim, nossa vila sofreu muito desde que o Santuário se retirou e todo mundo foi embora aqui... Têm sido dias difíceis. Mas hoje não é dia para assuntos tristes, é melhor você voltar para casa e dormir um pouco, né? Sinto muito por acordá-lo, eu...
- Não se desculpe. Eu também queria estar entre os primeiros a conhecer o Alexander.
Os dois homens seguiram até o lado de fora e estavam se despedindo quando perceberam um amontoado logo à frente. Um grupo de homens se dispersava, deixando para trás uma pessoa com capuz azul escuro.
Hyoga tentou seguir com a despedida, mas Yakov estava distraído a observar a pessoa com o capuz, quem agora ele notava ser uma mulher. Ela olhava de forma perturbada para os homens que haviam acabado de sair aborrecidos. Era alta e com ombros largos, mas era difícil definir sua idade. No primeiro olhar, parecia ter talvez quase trinta anos, o que a aproximaria bastante da atual idade de Hyoga, mas agora que lhe dedicava alguma atenção, não passava de uma garota em torno dos vinte.
Seus olhos azuis emitiam uma luz familiar quando encontraram os de Hyoga. Naquele momento, dois rapazes do grupo de antes haviam se aproximado e o cumprimentaram. Quando olhou novamente para o lugar, a mulher já havia sumido.
Voltando sua atenção aos homens, percebeu que os conhecia vagamente de quando morara na vila anos antes. Um com certeza se chama Petr, mas não se recordava do nome do outro.
- O Santuário realmente nos abandonou? – perguntou-lhe o de cujo nome ele não se lembrava.
- Aquela mulher diz que eles continuam negando restabelecer o apoio à vila. – Petr parecia xingar ao dizer "mulher". – Ela não entende o quanto perdemos só de gente quando eles se retiraram? É difícil estabelecer um comércio sem plantação e sem consumidores.
- Nossas crianças precisam morar fora se quiserem estudar e acha que alguma vai voltar? Estamos fadados a nos tornar uma cidade deserta.
De fato, quando Kohotek perdera seu representante do Santuário, este decidira partir os laços e não mais considerava a terra como colônia sua. Não havia muito que eles fizessem pela vila na verdade, mas era uma segurança que os habitantes possuíam de apoio caso precisassem.
Hyoga mordeu o lábio inferior, sabendo ser o culpado, ao menos em grande parte. Após a batalha de Hades, decidira não retornar, exceto por rápidas estadas. Sua casa passara a ser uma cabana no Santuário, onde treinara três discípulos ao longo daqueles vinte anos, realizando variadas missões que o ocupassem no restante do tempo.
- Eu sinto muito por tudo, - disse sinceramente. – Já tentei fazer uma requisição antes, mas não há interesse do Santuário em uma terra que sequer acredita em Athena. Também não sei como meu mestre Camus havia conseguido manter a colônia, nem não tenho mais como perguntar.
Os dois estavam visivelmente contrariados.
- Achava que alguém nosso nos entenderia, Hyoga, - disse Petr, preparando-se para partir.
- É, ninguém é como o senhor Camus. Aquela Alissa prometeu, mas nunca cumprirá. – E foram embora sem maiores explicações.
Yakov suspirou sonoramente, transparecendo o cansaço que devia sentir. Pior que Hyoga, ele havia passado a noite toda em claro, tentando buscar a parteira na vila vizinha a dezenas de quilômetros.
- Eles não são muito mais velhos que eu, nenhum de nós conviveu mesmo com o senhor Camus para saber quem é o quê. A dona Alissa vem feito tudo o que pode, e ela nem tem obrigação alguma de nos ajudar.
- Espera, essa Alissa é a menina de há pouco?
- Você não a conhece? – Yakov o encarou com os olhos esbugalhados. – Ela também é do Santuário, Hyoga.
- Alissa... – Então, ele conseguiu enfim entender por que a vinha achando familiar. – Ela é a sucessora da armadura de Camus.
- Sim, - confirmou o rapaz, apesar de aquela não haver sido uma pergunta.
Hyoga ergueu o olhar para analisar a pequena cabana que indicaram pertencer à amazona. Havia sido com algum pesar que ouvira sobre a sucessora de Camus um ano atrás. Claro, Saori já lhe havia oferecido a armadura, como uma herança de seu mestre, mas, diferente de Shiryu, Hyoga tinha razões fortes para não aceitá-la. Não se arrependia, mesmo agora, estando prestes a conhecer oficialmente a nova guardiã da casa de Aquário. Seria estranho para ele ter algo que pertencera àquele homem.
Alissa abriu a porta e um cheiro familiar chegou à sua narina. Sem qualquer palavra, fez sinal que entrasse.
- Se é sobre o pedido ao Santuário, não há nada mais que eu possa fazer. – Ela apontou para uma cadeira e esperou que Hyoga se sentasse. – Acho que um cavaleiro sem discípulo, sem uma raiz aqui, não basta. E parece que não é da política atual deles estabelecer colônias. Só não entendo por que ficam me culpando, quando foi você quem causou isto, Hyoga de Cisne.
- De fato, a armadura ainda se encontra comigo, mas não sou mais um cavaleiro, senhorita Alissa.
Ela seguiu até seu fogão, era dali que vinha aquele cheiro. Café estava terminando de ser preparado.
- Aceita uma xícara? – perguntou, pondo a mesma à sua frente na mesa, enquanto se servia.
- Ah, sim. – Olhou curioso para o líquido escuro.
- Algum problema, Cisne? Não está de seu agrado?
- Não, não. Digo, parece ótimo! Só fez com que me lembrasse de um costume de meu mestre, ele sempre fazia café após o jantar.
Alissa não pareceu satisfeita com a explicação, mas nada disse. Após esvaziar o conteúdo da xícara bem quente, Hyoga a repousou sobre a mesa e olhou para a amazona.
- Este lugar... Foi onde meu mestre me treinou. Por muitos anos após sua morte, foi difícil voltar.
Tentou estudar o rosto da mulher, mas nenhuma emoção transpareceu. Ela não devia sentir qualquer ligação com o dono anterior de sua armadura. Não que Hyoga devesse esperar isso, já que ele mesmo não conseguiria pensar naquele que viera antes de Camus. Em não existindo qualquer laço entre cavaleiros, alguém dificilmente consideraria quem fora seu antecessor.
- Sinto muito, - Hyoga resolveu dizer rapidamente. – Isto não importa a você, certo?
- Nunca acreditei nesses sentimentalismos.
- Acho que meu mestre diria o mesmo.
- Uma pena ele não ter te ensinado isso, realmente me pouparia esta dor de cabeça. – Ela recolheu as xícaras e as levou à pia. Então, voltou-se para ele: – Deixe a vila pra lá. Ninguém morrerá se não quiser, eles só encontrarão outra morada. Ademais, o Santuário não pode ser culpado por tolices. O mesmo vale para você.
- Então, por que veio pra cá? – Hyoga se levantou de forma a encará-la.
Recolhendo-se um pouco, Alissa quedou-se pensativa até que enfim respondeu:
- Não gosto da vida do Santuário e lá é muito quente. Sendo uma guerreira do gelo, Kohotek se encaixou perfeitamente nas minhas necessidades.
- Eu realmente não te entendo, - disse Hyoga, preparando-se para sair. Não sem antes perceber um rubor nas bochechas da amazona.
Continuará...
Notas da Autora:
Esta fic foi muuuuito difícil de se fazer, tanto para afinar a personalidade da Alissa quanto pelo romance do Hyoga com o Camus. Sei que uma mistura assim não cai no gosto de ninguém, mas definitivamente foi interessante para mim imaginar o cenário. E a vida é assim, né? Você não se apaixona pelo sexo, mas porque aquela pessoa é a certa pra você, ou porque aquele é o momento certo para você se apaixonar. Eu quis explorar esse tópico aqui.
Falando em cenário, peço desculpas pelos meus muito possíveis erros sobre a Sibéria. Tentei pesquisar ao máximo, mas sei que não foi o bastante :( Na verdade, os frutos da minha pesquisa costumavam ser a seguinte conclusão: melhor não falar disso. rsrsrs
Mas não é sempre que eu tenho a oportunidade de trabalhar com o Hyoga, com o Yakov, com o Camus e até ainda que por menção apenas trabalhar com o Isaak. Ainda mais mencionar um romance Camus/Hyoga... foi minha primeira vez!
Espero que os que leiam gostem do resultado. Não deixem de comentar, por favor. Em fics assim, mais que em todas as demais, sua opinião importa!
