Atenção!!!!!
O título Original da História é Destino Tentato escrito por Nora Roberts. Essa fanfic tem com o intuito de entreter, sem fins lucrativos. Todos os personagens citados nessa história pertencem à Rumiko Takahashi.
Alguns trechos da história orginal foram modificados.
Pois é pessoal!!!! To de volta no mundo das fics...começo minha trilogia com Playing the Game, uma historia sobre Sango Taisho e Miroku Houshi. Bom nao vou contar muito
pra não demorar!!! Intee o fim do cap!
Capítulo Um
Sempre há muita confusão, muito barulho e um toque de pânico no embarque e desembarque de passageiros. Alguns estão meio cansados do vôo de Okinawa, outros passaram por um derrame de adrenalina no sangue pela antecipação da novidade: a interminável franja branca do oceano, o navio Freedom, a estada no porto, a passagem para o divertimento, para o relaxamento e o romance. Depois de subir a prancha de embarque deixam de ser contadores, assistentes de diretoria ou professores para se transformarem em respeitados passageiros a serem alimentados, mimados e entretidos durante os dez dias seguintes. Os folhetos da agência de turismo garantem isso.
Junto ao parapeito do convés, Sango observava a multidão. Àquela distância podia apreciar o movimento, o colorido e o barulho, que jamais perderiam o encanto para ela, sem ser envolvida pela confusão causada por cento e quinze pessoas querendo estar no mesmo local ao mesmo tempo. Os cozinheiros, barmen e camareiros já haviam começado aquela orgia de trabalho que continuaria pelos próximos dez dias, virtualmente, sem ser interrompida. Mas Sango tinha tempo. Aqueles eram seus últimos momentos ociosos, antes que o navio deixasse o porto. Lembrava-se de sua primeira experiência num navio de cruzeiro. A mais nova de três filhos do mago financista Inu Taisho e doutora Izaoi Taisho, estava então com oito anos. Em sua vida só conhecera camarotes de primeira classe, onde os camareiros serviam-lhe pãezinhos quentes e suco de frutas na cama. Sango gostava daquela época como gostava da pequena cabina de tripulação que ocupava agora. Os dois fatos significavam aventura.
Lembrava-se, também, do dia em que contara aos pais sobre seus planos de se empregar no Freedom. O pai havia protestado e alegado que era um desperdício, para uma jovem tão culta e educada. Quanto mais ele se exaltava,mais forte se tornava seu sotaque das terras do Oeste japonês. Uma moça que se graduara na Universidade de Tóquio com a tenra idade de vinte anos, que se aperfeiçoara em inglês, história e sociologia esfregando o convés de um navio! Sango assegurou-lhe que não era aquela sua intenção, e a mãe rira dizendo "Inu, deixe a menina viver". E fora o que ele fizera, já que Inu Taisho era indefeso diante das que ele chamava "suas mulheres", apesar de seus um metro e oitenta e sete e noventa e oito quilos.
Assim, Sango ficara com o emprego e escapara do que começaria a ser um estudo de anos sem fim. Trocara sua suíte de três cômodos na mansão da família, no Oeste, por uma cabina apertada num hotel flutuante. Nenhum de seus companheiros de trabalho ligava para o seu Q.I. ou para os diplomas que possuía, não sabiam que seu pai podia comprar toda a linha de navios de cruzeiro, se quisesse, nem que sua mãe era uma autoridade em cirurgia torácica. Não sabiam que seu irmão mais velho era senador e o mais novo, procurador do Estado. Quando a olhavam viam apenas Sango, e era isso que ela queria.
Erguendo a cabeça, deixou que o vento brincar e com seus cabelos, uma massa de um dourado rico, só encontrado em pinturas antigas. Suas maçãs do rosto eram altas, e o queixo, bem definido e teimoso. A pele morena que contrasta a com o castanho amarelado. O pai os chamava de olhos cor de Tola um tipo de madeira, já os românticos diziam que eram cor de um pôr-do-sol. Sango teimosamente dizia que eram castanho e pronto. Os homens se sentiam atraídos por aqueles olhos e pela elegante sensualidade que emanava dela, sem que percebesse, pois não estava interessada nisso.
Intelectualmente, Sango achava que um homem era um tolo caso se deixasse impressionar apenas por cores. Afinal, era apenas uma questão de heranças genéticas se combinando, os olhos castanhos de sua mãe e os âmbar de seu pai, com o que ela nada tinha a ver pessoalmente. Ouvira elogios aos seus olhos durante vinte e seis anos com uma espécie de distante surpresa. Se alguém perguntasse, ela poderia explicar os processos genéticos que resultam em semelhança, desde a estrutura óssea até a cor dos olhos, passando pelo conhecido gênio. Mas, em geral, os homens que encontrara não estavam interessados em explanações científicas, e Sango não estava interessada neles.
Lá embaixo a multidão fluía para a prancha de embarque. Logo a banda de calipso¹ estaria tocando no convés para distrair os passageiros enquanto o navio se preparava para zarpar. Ela gostava de ficar ali fora ouvindo a música alegre, ritmada, e os risos. Haveria um bufê carregado com mais comida do que mil pessoas poderiam consumir, bebidas exóticas e excitação. Logo os parapeitos estariam repletos de pessoas que queriam olhar pela última vez a terra antes que estivessem em mar aberto.
Pensativa, olhava os últimos passageiros subir a bordo. Era o último cruzeiro da temporada. Quando chegassem de volta a Okinawa, o Freedom iria ficar no estaleiro por dois meses e quando voltasse a navegar Sango não estaria nele. Já decidira que chegara o momento de ir embora. Quando aceitara aquele emprego estava em busca de liberdade depois anos de estudo, das expectativas da família e de sua própria inquietação. Sabia que havia feito algo por si mesma. Pelo menos, encontrara a independência que sempre desejara e escapara do nicho para o qual tantas de suas colegas haviam sido determinadamente dirigidas: um bom casamento.
E no entanto, se bem que houvesse encontrado a liberdade a independência, não encontrara o bem mais precioso da vida: uma finalidade. O que Sango Taisho queria fazer pelo resto de sua vida? Não queria seguir uma carreira política, como um de seus dois irmãos haviam escolhido. Não queria ser professora. Queria excitação e desafios, coisas que com certeza não iria encontrar numa sala de aula. Todas eram respostas negativas, mas sabia que, fosse qual fosse o modo que iria passar o resto de sua vida, não seria flutuando eternamente nas Filipinas, de um lado para outro.
Está na hora de abandonar o navio, San, disse a si mesma com um sorriso. A aventura está a sua espera atrás da próxima esquina. Não saber o que se quer torna a busca ainda mais incitante.
O primeiro longo e grave apito era o sinal para ela. Afastando-se do parapeito, foi para sua cabina, trocar de roupa.
Em meia hora entrou no cassino do navio vestindo o elegante smoking que era seu uniforme. Havia prendido os cabelos num coque a altura da nuca, sem o que eles tenderiam a cair-lhe dos lados do rosto e logo suas mãos estariam ocupadas demais para afastá-los.
Os enormes lustres e os candelabros estavam acesos, espalhando luz sobre o tapete vermelho e dourado art déco. Altas janelas curvas davam vista para o convés do Passeio e para o verde-azul do mar. Nas paredes alinhavam-se as máquinas caça-níqueis, como silenciosos soldados a espera da ordem de ataque. Tentando ajeitar o laço da gravata que jamais conseguia fazer como devia, Sango encaminhou-se para seu supervisor. Como para todos os marinheiros o balanço do navio não afetava o seu equilíbrio.
— Sango Taisho apresentando-se para o trabalho, senhor - disse, enérgica.
Voltando-se, com uma prancheta nas mãos, ele observou-a de alto a baixo. A compleição forte de pugilista de Riku Fujimoto distribuia-se por seus um metro e oitenta e três de altura. O rosto dele era bonito, amorenado, com ruguinhas de expressão nos cantos dos olhos azuis, e cabelos aloirados pelo sol se encaracolavam, rebeldes. Riku era inglês, mas seus pais eram adotivos. Tinha a reputação, que aliás ele mesmo espalhava, de ser um amante maravilhoso. Depois do atento estudo ele sorriu.
— San, você nunca vai acertar esse laço!
Colocando a prancheta embaixo do braço, Riku refez o laço da gravata de Sango
— E que eu gosto de dar trabalho para você...
— Você sabe, amor, se é que vai mesmo nos deixar depois desta viagem, que esta e sua última chance de alcançar o paraíso.
Terminando com a gravata, ele sorriu e Sango ergueu uma sobrancelha. O que começara um ano antes como ardente perseguição por parte de Riku havia sido contornado com as bem-humoradas recusas de Sango em ir para a cama com ele, e haviam se tornado grandes amigos para surpresa mais dele do que dela.
— Vou detestar perdê-lo — suspirou Sango. Depois perguntou com um sorriso sem malícia: — Aquela ruivinha irlandesa foi feliz para casa?
Os olhos de Riku arredondaram-se:
— Alguém já lhe disse que você enxerga demais.
—Todo mundo! Qual é a minha mesa?
—A número dois.
Riku pegou um cigarro e acendeu-o enquanto ela se distanciava. Se um ano atrás alguém lhe houvesse dito que uma mulher extraordinária como Sango Taisho não só o manteria a distância como também o faria sentir-se fraternal, ele lhe teria recomendado um bom psiquiatra.
Com um dar de ombros, voltou a prancheta. Ia sentir falta dela, pensou, e não apenas devido a sentimentos pessoais. Sango era a melhor crupie² de vinte-e-um que tinha.
Havia oito mesas de vinte-e-um espalhadas pelo cassino. Sango e os outros sete carteadores faziam rodízio a tarde e a noite, com um breve intervalo para o jantar. Dependendo do entusiasmo dos jogadores, o cassino poderia ficar aberto até as duas da madrugada. Se estivessem muito animadas, algumas mesas permaneciam até as três. A regra número um era dar aos passageiros o que eles quisessem.
Outros homens e mulheres em smoking acomodaram-se em suas mesas. O jovem italiano que acabava de ser promovido para crupie estava na mesa vizinha a dois onde ficava Sango. Ela lhe sorriu, lembrando-se de que Riku lhe pedira para que ficasse de olho nele. Observando o grupo de passageiros que se acumulava diante da porta de vidro, esperando que o cassino abrisse, ela disse:
— Prepare-se, Tony, vamos ter uma tarde e uma noite longas...—...em que permaneceremos de pé, acrescentou em pensamento enquanto Riku fazia sinal para que abrissem a porta.
Os passageiros irromperam. Não entraram calmamente, um a um; raramente faziam isso no primeiro dia de viagem. Diminuiriam de número no horário do jantar, depois aumentariam de novo até pouco depois da meia noite. Vestiam-se casualmente, shorts, jeans, pés descalços, o uniforme de jogo da tarde. Quando a porta abriu-se Sango ouviu a música que soava no convés do Passeio, porem minutos depois a música era abafada pelo barulho de moedas caindo na ranhura dos caça-níqueis e o ruído das alavancas sendo acionadas.
Ela era capaz de identificar, ao primeiro olhar, os jogadores profissionais, os amadores e os "sapos". Havia um bom número deles em cada fornada de passageiros, e eram em porcentagem que jamais aparecia num cassino comum. Em vez de trocar dinheiro por fichas eles simplesmente ficavam andando pelo salão, atraídos pelo barulho e pelos equipamentos coloridos.
Havia os que jogavam apenas para se divertir, pouco se importando se perdiam ou ganhavam. Os jogadores compareciam para jogar e em geral demorava pouco tempo para que um "sapo" não se contentasse mais em apenas olhar e virasse jogador. Estes eram os que gritavam quando ganhavam e gemiam quando perdiam, reações estas bastante próprias também dos viciados em jogo.
Mas sempre havia os jogadores profissionais. Eles freqüentavam o cassino durante o tempo todo da viagem, transformando o perder e o ganhar numa arte... ou numa obsessão. Não tinham aspecto específico e nem modo particular de se vestir. O místico jogador profissional de navios podia ser encontrado tanto numa simpática vovózinha quanto no executivo. Enquanto as mesas iam-se enchendo, Sango classificava os ocupantes.
Sorriu para as cinco pessoas que se acomodaram em sua mesa e rompeu o selo da caixa do baralho.
— Bem-vindos a bordo — disse, e começou a embaralhar.
Levou apenas uma hora para o cheiro de jogo surgir. Ele permeava entre a fumaça e o suor que flutuavam no cassino. Era um odor pesado, tentador. Sango sempre imaginara se era ele que atraia as pessoas ou se eram as luzes e o pano verde. O cheiro e o barulho de moedas tilintando nos caça-níqueis... Ela jamais tentara a sorte num caça-níquel, talvez por reconhecer o jogador viciado em si mesma.
Fazia muito tempo que decidira não arriscar nada a não ser a banca que era posta a sua disposição.
Durante o primeiro período, os crupies mudavam de mesa a cada meia hora. Depois da pausa para o jantar, começava tudo de novo. O cassino ficava mais cheio a noite, todas as mesas completas, e a roda da roleta não parava de girar. As roupas então eram mais elegantes, como se jogar a noite exigisse mais classe.
Como as pessoas e as cartas mudavam sempre, Sango jamais se aborrecia. Escolhera esse trabalho para estar entre gente, não sempre entre as mesmas caras que encontrara anos a fio na escola, mas pessoas diferentes. Neste ponto alcançara o que pretendia.
No momento, em sua mesa havia um americano, dois franceses, um coreano e um georgiano. Havia identificado todos pelo sotaque. Identificar a procedência de cada jogador fazia parte do jogo tanto quanto dar as cartas. Jamais se cansava.
Sango distribuiu a segunda carta, olhou a sua e ficou satisfeita com os dezoito pontos. O primeiro jogador, um dos franceses, olhou suas cartas e soltou uma exclamação desanimada. Com um sacudir de cabeça indicou que bastava. O coreano pediu mais uma, resmungou ''vinte e dois" e deixou a mesa. A francesa loira com um vestido preto, justo, abriu uma dama e uma rainha.
— Quero mais uma — arriscou o homem da Geórgia.
Contou dezoito, deu um olhar pensativo para Sango e não quis mais.
O homem dos EUA fizera quatorze e não gostava do oito de Sango que estava aberto. Coçou o queixo, considerando as possibilidades, tomou um gole do seu bourbon e fez sinal que queria mais uma carta. Ela virou um nove.
— Querida - disse ele, inclinando-se sobre a mesa—, você é linda demais para tirar dinheiro de um homem deste jeito.
— Sinto muito... — Com um sorriso, ela desvirou sua carta coberta. — Dezoito — anunciou e recolheu as apostas.
Antes de perceber que alguém ocupara o lugar que o coreano deixara vago, Sango viu a nota de cem dólares na mesa. Ergueu a cabeça e deparou com um par de olhos azuis frios, profundos e diretos. Um azul gelado, com palhetas douradas iluminando a íris. Sentiu um frio percorrer-lhe a espinha. Ficou olhando o homem, até que se forçou a piscar.
Ele tinha rosto magro de aristocrata, mas não era um príncipe. Sango teve aquela certeza instantaneamente. Talvez fosse pela boca fina, sem sorriso, ou as sobrancelhas negras. Ou, quem sabe, fosse apenas pelo aviso que ia de seu íntimo para seu cérebro. Um governante, sim, mas não um nobre. Era o tipo do homem que planeja golpes implacáveis e tem sucesso. Os cabelos negros e longos encobriam as orelhas, chegando até o colarinho da camisa de seda branca. A pele morena do rosto anguloso era parecida com a de Riku, mas Sango achava que ele não trabalhava numa linha de navegação, como seu supervisor. O amorenado de sua pele era natural, não o obtido para estar na moda.
Ele não tinha postura relaxada como a do americano, nem indolente como a do georgiano, mas sim, lembrava um felino, sempre pronto para saltar. Foi só quando as sobrancelhas ergueram-se interrogativas que Sango percebeu que fixara os olhos nele.
— Trocar cem... - disse, aborrecida consigo mesma.
Com movimentos rápidos, deslizou a nota para a gavetinha na mesa e contou as fichas. Quando as apostas estava feitas, embaralhou e distribuiu as cartas.
O francês observou o dez descoberto de Sango e tentou quatorze. Estourou. O novo parceiro ficou com seus quinze, fazendo apenas um gesto com a mão. A francesa também estourou os pontos, o georgiano e o texano fizeram dezenove.
Sango abriu um três sobre seu dez, foi em mais duas cartas e estourou com vinte e três. O homem de rosto perigoso acendeu uma cigarrilha e continuou a jogar tranqüilamente. Sango compreendeu, no mesmo instante, que ele era um profissional.
Seu nome era Miroku Houshi. Seus ancestrais haviam sido monges budistas muito conceituados na época do Japão feudal. Ela acertara quanto à aristocracia dele, só que seu sangue não era real. Parte dele vinha de simples imigrantes chineses.
Ele não vivera em templos se bem que sua infância e juventude houvessem sido pobres agora estava habituado com seda sobre a pele. Tão acostumado que nem a notava, como os verdadeiros ricos. Sua primeira etapa havia sido de corretor de apostas de corridas de cavalos, quando estava com quinze anos. Nos vinte anos seguintes passara para jogos mais elegantes e se tornara, como Sango percebera, jogador profissional. E parecia estar se saindo bem.
Miroku entrara no cassino com a intenção de passar algumas horas num jogo suave. Um homem pode relaxar com pequenas apostas quando não se importa de perder. Seus olhos haviam passado pelas demais mulheres em vestidos de noite, pelos brilhos do ouro e pedras preciosas, indo deter-se na loira masculinizada por um smoking. Notou o longo e harmonioso pescoço valorizado pelos cabelos presos, a camisa de seda com babados que acentuavam sua beleza e as maneiras finas que indicavam educação de berço. Porém havia mais, algo que ele sentia nas entranhas, a poderosa sexualidade que não precisava de movimentos ou palavras para se manifestar. Era a mulher com a qual um homem sonhava.
Miroku observou-lhe as mãos enquanto ela embaralhava as cartas. Mãos finas, com dedos longos e veias azuladas que transpareciam suavemente na pele cremosa, cor de trigueira. As unhas eram ovais e perfeitas, com o brilho do esmalte incolor. Eram mãos feitas para segurar frágeis xícaras de chá de porcelana e docinhos franceses. O tipo de mãos que um homem, suportaria as chamas do inferno para ter em sua pele.
Erguendo os olhos, Miroku fitou diretamente os dela. Com um levíssimo erguer de sobrancelhas Sango sustentou-lhe o olhar. Por que, perguntou-se ela, aquele homem moreno, silencioso, despertava-lhe tanta perturbação e curiosidade? Ele não dissera uma palavra desde que se sentara. Nem a ela, nem a ninguém da mesa. Se bem que viesse ganhando com profissional consistência, não demonstrava prazer algum com isso. Não parecia estar dando qualquer atenção ao jogo, concluiu ela. Tudo o que fazia era fitá-la com aquela calma e pensativa expressão.
—Quinze.
Sango falou de modo distante, indicando as cartas abertas diante dele. Miroku fez que sim, pediu mais uma carta e recebeu um seis sem mudar de expressão.
— Que sorte a sua, filho! —comentou o americano, jovial. Olhando para seu reduzido monte de fichas, fez uma careta. — Ainda bem que alguém está ganhando.
Fez sinal a Sango que queria mais uma carta e estourou com vinte e dois. Tendo virado vinte para a casa ela recolheu a mesa e empurrou vinte e cinco dólares em fichas para Miroku. Os dedos másculos tocaram os dela. O toque foi leve, mas forte o bastante para fazer com que seus olhos cintilassem ao encontrar os dele. Fitando-a, ele não fez menção de retirar a mão. Não houve nenhuma pressão, nenhuma tentativa de flerte, mas Sango teve a sensação de que seus corpos, e não seus dedos, se haviam tocado. Lutando para recuperar o controle ela retirou a mão.
— Novo carteador — anunciou calmamente, notando com certo alívio que devia passar para outra mesa — Tenham uma boa noite.
Foi para outra mesa, esforçando-se para não olhar para trás. Mas claro que o fez e deu com os olhos dele fixos nela. Furiosa, advertiu-se e fez um leve movimento de cabeça, sua expressão tornando-se desafiadora. Pela primeira vez naquela noite viu os lábios dele curvarem-se na sombra de um sorriso que apenas acentuou os ângulos de seu rosto. Miroku inclinou a cabeça, como que aceitando o desafio, e Sango voltou-lhe as costas.
— Boa noite — disse com voz clara ao novo grupo de jogadores.
A lua ainda estava alta, prateando a água escura do mar. Do passadiço, Sango podia ver as ondas de espuma que o navio criava com seu deslocamento. Passava das duas horas da madrugada e o convés estava deserto. Ela gostava daquela hora da madrugada, enquanto os passageiros ainda dormiam e a tripulação ainda não havia iniciado seus afazeres. Ficava a sós com o mar, o vento, e podia imaginar-se em qualquer época que escolhesse.
Respirava profundamente, inalando o cheiro ativo da maresia e da noite. Chegariam as ilhas Ogasawara-mura³ e atracariam em Chichi-jima logo depois do amanhecer, e o cassino ficaria fechado enquanto estivessem no porto. Teria as horas da manhã livres para fazer o que bem quisesse, mas preferia a noite.
Pensou no trabalho daquela noite, no jogador silencioso que sentara a sua mesa, ganhando e observando. Era um homem com o qual a maioria das mulheres gostaria de estar, mas não se surpreendia por ele estar só. Um homem solitário, pensou, e estranho. Atraente, admitiu enquanto se inclinava para que o vento batesse mais em seu rosto. Atraente de um modo perigoso. Os riscos deviam ser calculados, as porcentagens medidas... No entanto... No entanto, Sango achava que aquele homem não se encaixava nos parâmetros da teoria.
— A noite combina com você.
As mãos de Sango apertaram o parapeito. Se bem que nunca tivesse ouvido o jogador silencioso falar, nem notado a aproximação dele, tinha certeza de saber quem estava atrás dela. Precisou de todas as forças para impedir-se de soltar uma exclamação e voltar-se. Seu coração disparou quando o viu surgir da escuridão. Querendo que sua voz soasse firme, permaneceu calada pelos instantes que ele levou para apoiar-se no parapeito a seu lado.
— Sua sorte continuou? — perguntou, então.
Miroku manteve os olhos no rosto dela.
— Parece...
Sango tentou entender o significado da resposta e falhou.
A voz profunda e suave soara sem inflexão.
— Você é muito bom - constatou. - Não é comum termos profissionais jogando no nosso cassino.
Um relâmpago de bom humor passou pelos olhos dele enquanto pegava uma cigarrilha e acendia. A fumaça pairou por um segundo no ar e foi desvanecida pelo vento. Sango relaxou os dedos que apertavam o parapeito.
— Está gostando da viagem?
— Mais do que pensei. - Ele deu uma profunda tragada na cigarrilha. - E você?
Sango sorriu.
— É o meu trabalho.
Miroku apoiou-se de costas no parapeito e sua mão livre ficou perto dela.
— Isso não é resposta, Sango.
Uma vez que seu nome estava no crachá que trazia ao peito ela apenas ergueu de leve as sobrancelhas ao ouvi-lo pronunciá-lo.
— Estou gostando, sim, senhor...
— Houshi - respondeu ele enquanto contornava de leve o rosto dela com a ponta dos dedos. — Miroku Houshi, não esqueça. — Ela evitou recuar, se bem que surpreendida pela reação que o toque dele despertava em seu corpo. Continuou a olhá-lo, sem demonstrar alteração.
— Tenho boa memória.
Com a sombra de um sorriso pairando nos lábios ele assentiu.
— Sim, por isso é uma boa crupiê. Há quanto tempo faz esse trabalho?
— Um ano.
Apesar dos dedos dele se haverem afastado de seu rosto, o sangue de Sango não esfriou. Sem esconder a surpresa, Miroku deu outra tragada.
— Pensei que fosse mais tempo, pelo seu jeito de embaralhar e dar cartas.
Pegou a mão dela do parapeito, observou as costas, depois virou-a mirou a palma. Macia, verificou, e firme.
— O que fazia antes disso?
Apesar de o bom senso aconselhá-la a tomar cuidado, Sango deixou a mão na dele. Sentia força no toque, embora não tivesse certeza do que significava.
— Eu estudava.
— O quê?
—Tudo que me interessasse. E você, o que faz?
—Tudo que me interessa.
Sango riu, um som suave e cristalino que arrepiou a pele dele.
— Tenho quase certeza de que é isso mesmo, literalmente, sr. Houshi.
Ela começou a retirar a mão, porém ele segurou-a.
— Não duvide disso - murmurou. - Prefiro que me chame apenas de Miroku, Sango. — Observou o convés deserto, depois o mar escuro. — Este não é um lugar para formalismos.
O bom senso voltou a avisá-la que tomasse cuidado, mas o instinto a impelia a provocá-lo.
— Há regras que regem o relacionamento da tripulação com os passageiros, sr. Houshi — disse ela, fria. — Preciso da minha mão.
Quando ele sorriu seus olhos brilharam ao luar, como os de um felino.
— Eu também.
Ergueu a mão dela e beijou o centro da palma. Sango sentiu o efeito daquele beijo em cada milímetro de seu corpo.
— E costumo obter o que preciso—sussurrou ele, os lábios roçando a palma da mão de Sango.
A respiração dela acelerou-se. No escuro do convés Miroku era pouco mais do que uma sombra com voz, e suaves, mas perigosos, olhos. Sentindo seu corpo clamar por ele, Sango tratou de colocá-lo em seu lugar.
— Desta vez, não. Vou me deitar, já é tarde.
Continuando a segurar-lhe a mão com firmeza, Miroku jogou a cigarrilha fora e retirou os grampos, jogando-os no mar enquanto os cabelos dela caíam-lhe sobre os ombros. Aturdida com tanta audácia, Sango fuzilou-o com os olhos.
— Sim, é tarde— concordou ele, enfiando os dedos na sedosa massa castanha. —Mas você é uma mulher da noite. Senti isso no momento em q e a vi.
Com um movimento rápido e certeiro demais para ser evitado, ele aprisionou Sango entre seu corpo e o parapeito. A brisa do mar brincava com os cabelos castanhos, o rosto dela parecia esculpido em mármore sob a luz do luar. Miroku descobriu que a queria muito mais do que pensara.
— Sabe o que eu esta pensando? — Ela tentava pôr desprezo na voz.— Que você é rude e atrevido.
Ele riu, divertido.
— Tem razão. Devo confesar-lhe que me distraí do jogo imaginando qual seria o gosto da sua boca.
Sango imobilizou-se. O único movimento que havia nela era o das madeixas castanhas que lhe tocavam o rosto, movidas pelo vento. Em seguida, ela ergueu o queixo e seus olhos escureceram, desafiadores.
— Que pena! — disse, enquanto suas mãos se cerravam punhos.
Passageiro ou não, determinou-se, ia dar um soco naquele homem, do jeito que seus irmãos lhe haviam ensinado.
— É raro alguma coisa ou alguém interferir na minha concentração.
Enquanto falava, ele aproximou-se mais, e Sango enrijeceu os músculos.
— Você tem olhos de feiticeira... Sou supersticioso.
— E arrogante — acrescentou Sango. — Não acredito em superstições.
Ela viu riso nos olhos dele porque seu rosto estava muito próximo.
— Acredita em sorte, Sango?
— Sim.
E num bom golpe de direita, acrescentou ela, silenciosamente. Sentiu os dedos dele tocarem-lhe a nuca, e a boca aproximou-se da dela. A respiração morna de Miroku fez os lábios dela se entreabrirem e sua concentração vacilar.
Ele ainda segurava a mão de Sango, e seu polegar deslizou sobre a palma, como se quisesse lembrá-la do beijo que ali depositara. Lutando contra uma súbita fraqueza, ela inclinou-se para trás e desfechou um soco no estômago dele. Quando o punho estava a menos de um centímetro do alvo, o pulso dela foi seguro com mão de ferro. Frustrada, contorceu-se para escapar, apenas para ouvir a risada discreta e tranqüila dele.
— Seus olhos a traíram, indicando o soco. — Ele a apertou contra si. — Você precisa treinar mais.
— Se não me soltar, eu...
A ameaça silenciou quando os lábios de Miroku roçaram os dela. Não era um beijo, mas sim uma tentação. A língua dele umedeceu-lhe os lábios como antecipação de algo sombriamente doce e proibido.
— Você, o quê? — murmurou ele.
Seus lábios tocaram os de Sango de novo, fazendo o sangue latejar-lhe nas têmporas. Ele se dominava, pois seu impulso era devorar aqueles lábios macios. Ela cheirava levemente a mar e verão. Como ela não correspondeu, Miroku traçou o desenho de sua boca com a ponta da língua, absorveu-lhe o sabor e esperou.
Sango sentiu como se estivesse se liquefazendo por dentro. Suas pálpebras pesavam muito e fecharam-se, seus músculos se descontraíram e o punho agressor abriuse. Pela primeira vez sua mente ficou em branco como uma folha de papel na qual se poderia escrever qualquer coisa. Uma leve sensação de pânico ameaçou tomar conta de Sango quando Miroku mordiscou-lhe o lábio inferior e sua mente continuou sem pensamentos.
O corpo dele estava contra o dela, firme e morno. Sua boca era suave como jamais imaginara que poderia ser a boca de um homem, como o toque da seda sobre a pele nua. Tinha um leve sabor de tabaco, e ele, um odor rico e natural, sem interferência de colônias.
Miroku sussurrou o nome dela como ninguém havia feito. O navio adernou, mas ele equilibrou-se com agilidade, continuando a mantê-la contra si. Sem qualquer pensamento de resistência, Sango passou os braços pelo pescoço dele e sua cabeça inclinou-se para trás, num convite.
Miroku enfiou uma das mãos entre os cabelos dela e pressionou-lhe a cabeça.
— Abra os olhos — pediu. Enquanto a fitava, as pálpebras dela entreabriram-se, revelando os olhos escurecidos pelo prazer. — Olhe-me enquanto a beijo — murmurou ele.
Então, sua boca apoderou-se da dela quase com selvageria. Ele podia ouvir o próprio coração batendo alucinado enquanto aprofundava o beijo. Descobria sabores nos recessos que explorava, e a língua dela correspondia com a mesma urgência. Os olhos dele eram apenas duas fendas enquanto via o prazer nos dela se transformar em paixão, tornando-os opacos. Fecharam-se num gemido, e os dele também cerraram-se.
Sango sentia o desejo cravar-se em seu corpo como se tivesse garras. Secretas ansiedades se expunham em tumultuadas explosões. Compreendeu que aquele era um homem que poderia despi-la até pôr-lhe a alma a nu. E nada sabia dele. Assustada, lutou para libertar-se, mas Miroku a manteve presa contra si, corpo e lábios. Em um lugarzinho protegido de seu cérebro ela compreendeu que ele estava acostumado a tomar o que queria, sem contemplações.
Quando se viu livre ela levou algum tempo para recuperar a respiração. Miroku a observava com aquela habilidade só dele de se manter absolutamente imóvel e silencioso. Seus olhos nada diziam. Como defesa habitual, o medo de Sango se transformou em raiva.
— Se você se der ao trabalho de ler as regras em sua passagem verá que não está incluído divertir-se com a tripulação.
— Certas coisas não têm preço, Sango.
Algo no tom de voz dele a fez estremecer. Era como se Miroku houvesse colocado sua marca nela, marca essa que não se apagaria com facilidade. Ela recuou para um ponto não tocado pelo luar.
— Fique longe de mim — avisou-o.
Miroku apoiou-se de costas no parapeito, percorrendo-a com os olhos de alto a baixo.
—Não — respondeu, tranqüilo. Já demos as cartas, e a vantagem está com a banca.
— Bem, não estou interessada, por isso saio do jogo.
Voltando-lhe as costas, ela desceu a escada que levava ao convés inferior.
Enfiando as mãos nos bolsos, Miroku fez algumas moedas retinirem e sorriu.
— De jeito nenhum!
¹Banda de Calipso - gênero musical originário do Caribe, para cantar e dançar, com andamento vívido e sincopado, de influência africana.
²Crupie - empregado que dirige o jogo nos cassinos, pagando e recolhendo o dinheiro das apostas.
³Ogasawara-maru – Ilhas que pertencem ao Japão. Quem tiver curiosidade de vê-las (que são lindas) vá ao Google e ponha Ogasawara-mura island. Se colocar só Ogasawara não vai aparecer as fotos boas.
E ai povo??? Gostaram?? Deixem reviews nao se esqueça!!!!
Bom eu vou explicar mais ou menos como vai ficar a trilogia. Primeiro, começamos com Sango e Miroku, logo depois InuYasha e Kagome e por ultimo mas não menos importante
Sesshy e Rin. Bom não tenho muito a dizer...
Besos!!!!
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