Peculiar


Naruto © everybody. Esse prostituto.



— Que. Coisa.

O auto-comentário saído junto de um suspiro saiu com leveza, mas avolumou-se de tal maneira que parecia ter tomado as dimensões de uma bolha de sabão gigante que ofuscava o barulho suave e contínuo das gotas de chuva no telhado e a luz da lâmpada de tungstênio. O rapaz de verde esperou um complemento ou uma explicação mínima de seu companheiro, mas ele estava tão silencioso quanto era capaz de ser. A curiosidade em crescendo obrigou-o a abdicar-se de sua natureza lacônica.

— O quê?

Ele continuou estirado no tatame, mãos pousadas na barriga, sua cabeça tão perto que podia tocá-lo com o joelho. Não deu sinal de ter escutado, o que o obrigou a repetir a pergunta. O rapaz do cabelo marrom por fim ouviu, mas fitou-o sem entender.

— Oi?

— Você disse 'que coisa'. Quero saber que coisa.

O rapaz do cabelo marrom pareceu desconcertado. Coçou a cabeça.

— Ah. Coisa. Algo indefinido, sabe.

O rapaz de verde ficou calado por um tempo. O outro o conhecia o suficiente para saber que aquela resposta não o satisfaria.

— Custa explicar ao menos a razão da expressão aleatória?

O rapaz de cabelo marrom expirou o ar dos pulmões, incomodado. Não queria explicar seu ato involuntário, mas sabia que não teria mais sossego no silêncio do outro.

— Hm, uma mistura assim de fome com tédio e frio e dissabor e uma pitada de euforia. Ou seja, uma coisa. — disparou de uma vez. Havia mais coisas também. Angústia, um pouco de medo, deleite e uma pitada de alegria. Será que o outro o entendia? O rapaz de verde meditou um pouco sobre o que ele disse.

— Que coisa.

— Eu disse.

— Eu sei, não foi uma pergunta.

— Eu sei.

— Foi uma expressão vazia em resposta à sua resposta. Ah, você sabe. Entendi.

— ...

— Que conversa estranha.

— É. Bom, não é bem uma conversa...

— Você parece diferente hoje.

— Não dá pra ser igual todo dia, né? Não sei, talvez meu reflexo tenha se levantado hoje e eu fiquei dormindo no espelho.

— Seria... peculiar. — calou-se por mais um tempo. — Não sei o que dizer.

O rapaz do cabelo marrom apoiou o cotovelo no tatame e levantou o tronco quarenta e cinco graus.

Isso é peculiar. Você não fala muito por que não gosta, mas se quer falar e não sabe... — suspirou. — eu realmente devo ter dito algo bem esquisito. — pausa. — Minha barriga tá tremendo.

O rapaz de verde arqueou a sobrancelha.

— Deve ser o frio. Você está deitado no chão há tempo demais.

— Pode ser. — será que o frio explicaria aquela vibração contínua na boca do estômago e as ondas de agitação se irradiando das suas vértebras? Mas se sentia tão relaxado ao mesmo tempo. Suspirou e deitou-se de novo.

— Acho que estou ficando meio doido.

— É possível ser doido pela metade?

— Não sei. — Riu. — Vontade de chorar.

— Chore então.

— Não consigo. Acho que não é bem isso. Já tentei e nada. Tava tentando antes de você perguntar.

— Era isso? Achei que estivesse com um espirro preso.

— É isso! É como se meus olhos quisesse espirrar. E todas essas sensações contrárias ao mesmo tempo! Faz algum sentido?

O rapaz de verde ficou calado um momento antes de responder.

— Drogas.

— Você fez uma piada! Esse é oficialmente um dia estranho.

— Talvez.

Pausa. O rapaz de verde falou de novo, dessa vez com sua seriedade costumeira:

— Não. Mas eu entendo.

O rapaz do cabelo marrom se animou ligeiramente.

— Sério?

— Sim.

— Ufa! É bobo, mas tô me sentindo aliviado.

O rapaz de verde olhou o rapaz do cabelo marrom com calma. Segurou seu rosto com as mãos e inclinou-se.

O tempo passou com serenidade, como a melodia da chuva no telhado. O rapaz do cabelo marrom coçou a tatuagem vermelha na bochecha, seus olhos oblíquos diretamente voltados para o rosto próximo do seu.

— Uau.

O rapaz de verde esboçava um sorriso, ou talvez fosse uma ilusão causada pelas sombras.

— Vamos parafraseá-la.

O rapaz do cabelo marrom sorriu.

— Que coisa!


N/A: Que coisa. /suspira