CAPÍTULO I

Essa e uma adaptação com algumas mudanças do livro de Deborah Simmons

OBS.:Gosto tanto desse casal que todo livro que leio parece perfeito pra eles, alias eu mudei o titulo e algumas coisinhas.

CAPÍTULO I

Sesshoumaru Taishou, antigo membro da 20ª Cavalaria, permanecia em pé ao lado das janelas altas, e apreciava as cores brilhantes do outono de Yorkshire. Os bosques cerrados de carvalhos, faias e tílias vicejavam. Os gramados bem cuidados que se estendiam pela paisagem pitoresca. Era tudo dele. E aquilo não lhe dizia absolutamente nada.

— Taishou? — O som estridente da voz de sua avó quebrou o silêncio. Sesshoumaru estremeceu ao ouvir o nome que não lhe agradava.

— Meu nome é sesshoumaru — ele afirmou, sem se voltar. — Isso é um absurdo! — a avó retrucou. — Agora, como conde de Taishou, não pode mais comportar-se como um simples plebeu rastejando atrás do comando de seu irmão! Além do mais, esta família é responsabilidade sua!

Sesshoumaru não se moveu. Já ouvira aquilo várias vezes, desde que voltara para casa. Não se falava na sua carreira militar e nem na perda chocante de seu irmão. Nada. Era apenas a repetição constante de seus deveres. De certo modo, era como estar de volta ao Exército. Um corpo amorfo para ser usado em caso de necessidade.

Só que, nesse caso, em vez de entregar-se a seu país, tinha de sacrificar-se em favor da posição ilustre da família. Pelo menos, no entender de sua avó. Ele fora para a batalha com a mais honorável das intenções, mas não sentia nenhum entusiasmo pelos ornamentos duvidosos do poder político, da riqueza e dos privilégios. Nem tinha o menor interesse na continuação de uma pretensa dinastia que havia se reduzido a um ferido de guerra e uma velha ranzinza.

— O senhor me escutou? — ela gritou e bateu a bengala, para o caso de ele não ter ouvido.

Sesshoumaru torceu os lábios, embalado por lembranças muito antigas. Houve tempo em que apenas o som daquele bastão atemorizava a ele e a seu irmão, nos dias longínquos e bucólicos da infância. Todos, até seu pai, se curvavam diante da famosa viúva que conservara o título do marido.

Mas, naquele momento, Sesshoumaru via a avó como ela realmente era. Uma mulher envelhecida, zangada com o destino, e sem poder para mudá-Io. Ela acostumara-se a comandar a vida dos que estavam a seu redor e Sesshoumaru a desapontara em todas as suas exigências. Ele se esforçara para conseguir sua patente em parte para contrariá-Ia. Mas acabara muito mais ferido do que ela.

Sua avó parecia ter sido feita de pedra. Sesshoumaru nem mesmo saberia dizer se ela lamentava a perda de Bankotsu. Embora vestisse o luto necessário, ela não demonstrava tristeza. Ele não passava um segundo sem sofrer. Não somente por seu irmão, mas por todos os homens que serviram sob seu comando. Por todos os que haviam morrido no massacre sangrento de Waterloo. Por todos que haviam ido para a guerra, para nunca mais voltar.

E ali estava ele, não apenas vivo, mas supostamente próspero como o quinto conde de Hawthorne. Era mesmo uma ironia. Enquanto ele enfrentava batalhas e escapava da morte, Bankotsu, que permanecera em casa e em segurança, havia perdido a vida. Disseram que ele se cortara nos equipamentos agrícolas que sempre o fascinaram e morrera uma semana depois.

Era estúpido, sem sentido e insustentável. Sesshoumaru nem se recordava de quantas vezes fora cortado por navalha e até mesmo por uma espada. Em Waterloo, fora atingido por um projétil e ficara esmagado debaixo de seu cavalo. O que lhe rendera costelas quebradas, numerosas contusões e uma perna proclamada imprestável. Ainda assim, Sesshoumaru exigira que o engessassem. Com muito empenho e força de vontade, seu sofrimento deixara como conseqüência apenas uma leve claudicação.

Naquela altura, ele se perguntava de que lhe valera o esforço. Estava sendo medicado em Bruxelas, quando Bankotsu morrera. Embora a avó jurasse haver mandado um mensageiro, esse nunca o encontrara, por causa da grande confusão reinante depois de Waterloo.

Voltara para casa, para se recuperar, e a encontrara de luto. O funeral já terminara há muito tempo e sua avó estava determinada a fazê-lo substituir o irmão. Se ele não houvesse se alistado no Exército e enfrentado batalhas, poderia ser capaz de tomar o lugar de Bankotsu. Mas, então, não tinha estômago para suportar aquilo. Ele não se interessava por nada e nem queria ser um Taishou.

— O senhor precisa assumir o controle das propriedades! — a avó afirmou, como se lesse os pensamentos do neto. — O bailio disse-me que tentou marcar um encontro consigo, sem conseguir nenhuma audiência. O sr. Jaken, de Londres, comentou que não teve resposta de nenhuma das cartas que lhe enviou. Eles precisam de orientação e só o senhor pode providenciá-Ias.

Ela enfatizou o ponto de vista batendo com a bengala no chão. Mas a questão de negociar ou não sua parte em alguma aventura manufatureira não o entusiasmava. Não depois do que havia presenciado. Nunca poderia ocupar o lugar de Bankotsu, que havia sido educado desde o nascimento para tornar-se conde. Seu irmão tinha aptidão natural para multiplicar os cofres da família. Oh, Deus, era Bankotsu quem deveria estar ali, vivo!

— Está me ouvindo, Taishou?

— Não — Sesshoumaru respondeu, áspero.

Antes de que a velha senhora pudesse prolongar os protestos, ele saiu da sala, para longe daquele matraquear incessante. Queria fugir de suas pretensas responsabilidades e até dele mesmo, se isso fosse possível. A viúva, condessa de Taishou, fitou-o afastar-se, com os lábios contraídos, a boca reduzida a uma linha fina. Amaldiçoou a teimosia de Sesshoumaru e o próprio fracasso. Ela pretendera receber o neto com pompa, quando de sua volta ao lar e havia organizado uma reunião para celebrar seu retorno.

Porém ele não comparecera.

Uma desobediência que ela ainda não conseguira digerir. Afinal, reunira amigos, seus e dele, tentando persuadi-lo a entrosar-se com a sociedade, mas Sesshoumaru desdenhara qualquer companhia. Tentara entusiasmá-lo com uma viagem, com uma cadeira na Câmara dos Lordes e com a administração dos vastos bens dos Taishou. Tudo em vão.

Desesperada, ela trouxera à frente dele a nata da nova safra de mulheres solteiras. Ele desprezara todas. Naquela altura, todas já haviam se desinteressado pela promessa de um título ou de muita riqueza.

A velha senhora curvou os ombros. Tinha consciência de que as opções haviam terminado. Sentia o peso da idade. Porém não havia vivido esse tempo todo, enfrentado tantos contratempos e mortes, apenas para ver a família Taishou extinguir-se.

Seu neto não seria a causa desse desaparecimento!

O som de um barulho à porta fez com que ela se endireitasse. Não mostraria ao mundo nenhum sinal de fraqueza. Se fosse o neto, pretendia ralhar com ele. Mas era somente o mordomo, com a correspondência.

A condessa ficou tentada a ignorar tudo, pois sabia o conteúdo das missivas. Palavras de simpatia de velhos amigos. Preocupação dos menos chegados, apesar das insinuações veladas sobre o destino do condado.

A mulher virou a cabeça, relutante em lê-Ias. Hesitou por um momento e mexeu-se na poltrona.

— Traga meu atril — ela falou, brusca. Ela nunca recuava diante de uma tarefa difícil e nem pensava em começar a fazê-Io. Não somente leria todas as cartas, como também as responderia. As que lhe parecessem sinceras, usaria um tom leve e tranqüilizador. Às outras, imprimiria uma polidez cáustica que retribuiria as desconsiderações.

A tarefa não foi agradável, mas uma carta de Kaede, uma prima insípida, chamou-lhe a atenção. Kaede gostava de fazer troça e não era muito inteligente, mas escrevera algo que chamou a atenção da velha condessa. Era um pedido relacionado à srta. Rin Higurashi, de Suffolk:

Querida prima,

Gostaria de pedir-lhe que encontrasse uma colocação decente para essa jovem, como governanta ou dama de companhia. Ela ficou à beira da falência com a morte de seu pai, o barão Tindale. Deve lembrar-se dele. É o mais velho de William. Ele não foi abençoado com filhos. O baronato está sendo passado para um sobrinho que, infelizmente, não encontrou serventia para ela.

Era um acontecimento bastante corriqueiro e a condessa não se preocupava com isso. Mas dessa vez, ela hesitou. Lembrava-se da jovem como uma criatura estudiosa que nunca havia freqüentado os círculos sociais.

Era calma e carinhosa, fato que o pai utilizara inadequadamente. Criara a filha como um cordeirinho, quando deveria ter-lhe conseguido um marido.

Tarde demais. Mas quem sabe a jovem poderia empregar suas habilidades em algum lugar?

Passou pela cabeça da velha condessa uma idéia, desprezou-a de início, mas depois tornou a considerá-Ia. Era uma medida extrema, de quem já esgotara todas as possibilidades. Um sorriso curvou-lhe os lábios.

Mergulhou a rêmige na tinta e iniciou a resposta para Kaede.

Rin Higurashi espiou a elegante casa de campo que se descortinava à sua frente e teve vontade de voltar.

Do coche, ela já notara queTaishouPark era uma grande propriedade. Gramados imensos se estendiam à distância, em direção a árvores altas, belas grutas e lagos que pareciam pintados. Passeios de cascalho muito limpos e relva aparada. Uma infinidade de plantas e arbustos artisticamente plantados.

Aquilo já era bem imponente. E o que dizer da mansão? Em estilo japones. Como é que ela viera parar ali?

Rin engoliu em seco, com saudade de sua cabana velha e aconchegante. Mas o chalé não lhe pertencia e seus novos ocupantes não tinham lugar para ela. Também não podia permitir-se ter sua própria casa.

Sempre se sentira fora de seu ambiete, por ocupar o lugar intermediário entre as classes inferiores e os nobres que estavam fora de seu alcance. E até aquela altura, Rin permanecera realmente à deriva, sem ter para onde ir, até receber a mensagem da condessa de Taishou.

Para os parentes não muito nobres de Rin, a viúva, condessa de Taishou, era admirada como uma mulher bem-educada, de família não muito importante, mas que pelo casamento se tornara rica e privilegiada. Rin, que a havia encontrado apenas uma vez, tinha um ponto de vista menos entusiasmado. Lembrava-se de uma velha senhora, altiva, que dava ordens a todos, fazia pedidos ultrajantes e parecia uma cabra.

Claro que ela ficara temerosa de servir a fidalga, como dama de companhia paga. Mas que outra escolha lhe restava? Os parentes acharam a oferta uma dádiva de Deus, então... ali estava ela. Determinada a fazer o melhor que pudesse, em um posto tão inferior.

Rin suspirou e tentou animar-se. O lugar não podia ser tão grande como parecia. Aliás, era melhor que fosse. Assim, poderia manter a distância entre ela e a empregadora. Entretanto, continuava sem entender o que a velha senhora pretendia com ela. A mulher tinha servos às suas ordens em quantidade. Para que precisava de Rin Higurashi?

Kaede, sua tia-avó, dissera que a condessa tomara conhecimento da reputação de Chloe para cuidar de enfermos. Mas ela duvidava que a mulher precisasse de qualquer tipo de ajuda, apesar da bengala.

Rin sempre fora chamada de santa por cuidar do pai, o que não se mostrara uma tarefa fácil. O pai não era exigente e se mostrava agradecido pela ajuda da filha, principalmente depois da gota que o impedira de andar. Mas ela não se ressentira da dedicação.

Alguns parentes diziam que deveria aproveitar as temporadas, mas o dinheiro era curto e não havia mais ninguém para cuidar do pai. De qualquer forma, ela não se entusiasmava com vestidos caros e festas. Preferia ficar no sossego do lar, desfrutando do aconchego da lareira e da beleza do jardim.

Rin tornou a suspirar, ante a ironia. Nada podia estar mais longe do pequeno mundo que ela apreciava, do que a sede histórica do condado de Taishou. O grande esplendor revelava uma herança de riqueza, poder e privilégio, muito além de seus objetivos.

Embora as terras circundantes denotassem quietude e beleza bucólica, ela não era tão ingênua a ponto de acreditar que haveria paz para uma empregada da condessa. Rin foi levada a seus aposentos por uma criada jovem e tagarela, que se mostrou contente de ter alguém novo na casa. Teve de admitir que a mobília do dormitório enorme, da sala e do quarto de vestir era muito bonita.

Foi até agraciada com o luxo de um banho, necessário após a viagem prolongada, e com a assistência de outra criada para ajudá-Ia a vestir-se para o jantar. No conjunto, a sua chegada transcorreu tranqüilamente. Era hora do jantar. O momento do temido primeiro contato com a condessa.

Rin ergueu, o queixo e as saias pretas do vestido de luto. Determinada a dar o melhor de si, iniciou a descida da escada íngreme e sinuosa que dava no vestíbulo de mármore. No meio do caminho, ouviu o som de passos e o ruído inconfundível do clique de uma bengala. Apesar da tentação de voltar para o quarto, ela continuou a descida. Era melhor aprender logo como comportar-se diante da dama imperiosa.

Rin chegou ao pavimento inferior, sem levantar os olhos. Assustou-se, quando foi detida por uma bengala que não pertencia à condessa. Quem a empunhava era um homem. E que homem! Era certamente o espécime mais perfeito da face da terra.

Alto e espadaúdo. Magro e rijo. As madeixas Prateadas eram revoltas e pareciam iluminadas pelo sol. Ela perdeu o fôlego. Os olhos âmbar daquele homem, profundos e misteriosos atingiram-lhe o coração.

Ele era tão bonito, mas o contorno do rosto, o queixo forte e a expressão sofrida, creditavam-lhe forte masculinidade. Rin, que não era de impressionar-se com belas fisionomias, ficou presa no lugar, incapaz de fazer mais nada, além de fitar o desconhecido que abaixava os supercílios com ar sombrio.

Ela saiu daquele transe com o barulho de uma segunda bengala. ,A condessa parou ao lado do cavalheiro vestido com elegância e também mirou Rin com curiosidade.

— Ah! Então está aí, jovem! — A viúva analisou Rin mais de perto e voltou-se para o homem. — Taishou, quero que conheça a srta. Rin Higurashi.

— Sesshoumaru. Meu nome é Sesshoumaro — ele afirmou, estreitando os olhos âmbar.

A condessa emitiu um som reprovador, antes de encarar Rin novamente.

— Meu neto, Taishou, que tem aversão por cerimônias. Pode chamá-lo de Sesshoumaru, pois a srta. tem laços com a família, embora distantes. Rin é parente da prima Kaede e ficará conosco.

Sesshoumaru, que Rin deduziu ser o conde, não pareceu entusiasmado com a novidade.

— E em que condições? — ele resmungou, de maneira insultuosa.

— Não é de sua conta. Ela está aqui e pronto.

— Ah, mas é sim. Pensei que tivéssemos concordado que a senhora desistiria de comandar minha vida. E que iria parar com o desfile de pretendentes jovens e aceitáveis, embora eu duvide de seu julgamento neste caso.

Sesshoumaru fitou Rin com insolência, de alto a baixo. De repente, ela se deu conta de sua aparência. Uma jovem simples, vestida com um modelo ultrapassado e tingido de preto por causa do luto, embasbacada com tudo. Mesmo com os cabelos arrumados pela criada, Rin entendeu que, lamentavelmente, não combinava com a casa luxuosa do conde.

— O que queria que eu fizesse? Mandar a jovem embora? — a condessa indagou. — Ela

não tinha mais nenhum lugar para onde ir. A propriedade de seu pai está vinculada e vai para um sobrinho tratante. Ela foi praticamente destituída! Quer que a mande para o asilo de pobres?

As faces de Rin tornaram-se escarlate. Embora consciente de sua situação precária, não queria que a lembrassem disso e ainda mais, publicamente.

— Se houver algum problema em empregar-me aqui, posso procurar em outro lugar — declarou, com orgulho.

A velha senhora desdenhou e o neto fitou a recém-chegada com olhar penetrante, certamente aprendido com a avó e destinado a espantar o inimigo. Rin não se deu por achada, mas lembrou-se do que sabia sobre o atual conde. Era um herói, como todos os que lutaram na longa guerra e a sua bengala atestava os sofrimentos por que passara. Fitou a perna dele e enterneceu-se.

— Se a srta. está pretendendo pescar uma posição de condessa, posso assegurar-lhe que não estou procurando uma esposa! — Sesshoumaru esbravejou, apagando qualquer traço de simpatia por parte de Rin.

— Esposa?! — a viúva exclamou. — Quem é que falou nisso? Ela é uma dama de companhia!

Por um momento, Rin esqueceu o próprio embaraço. Fitou a dama e o neto envolvidos em uma luta de vontades, que não parecia ser nova. Imaginou uma luta de bengalas, se essas fossem as armas escolhidas, e balançou a cabeça. Tornava-se claro que dali para a frente teria de conviver com dois temperamentos fortes. Ergueu a cabeça, passou por ele e dirigiu-se para onde pressupôs fosse a sala de jantar.

Infelizmente, ela se enganara.

— Por aqui!

Duas cabeças indicaram o caminho certo e Rin teve de segui-Ias, temendo ser castigada com uma das armas, se não o fizesse. Mal havia dado alguns passos, quando a voz contundente da velha condessa a fez parar.

— Taishou, leve a srta. Rin até a sala de jantar — a dama ordenou.

O conde, que ia à frente apesar da claudicação, estacou e voltou-se, carrancudo. Por um momento, Rin pensou que ele fosse protestar e preparou-se para recusar. Ela podia ser apenas a filha de um barão, mas conhecia as regras de etiqueta. O conde deveria escoltar a condessa. Mas não pretendia discutir tão cedo com sua empregadora e por assuntos tão banais. Perma- neceu simplesmente à espera de que ele estendesse o braço para ela.

Rin foi afetada pela proximidade, de uma maneira peculiar e inesperada, mesmo sem fitá-lo. Quando o tocou, a corrente entre eles foi até os dedos dos pés. Sentiu calor e uma espécie estranha de languidez. O que a deixou ansiosa para fugir, mas relutante em soltar-se.

Eles andaram devagar por causa da bengala e Rin lamentou ser uma carga adicional. Essa simpatia logo desvaneceu-se, ao perceber a alegria do conde ao soltar-lhe o braço.

Ele observou-a sentar-se, com um resmungo. Foi até seu lugar em uma das extremidades da mesa longa, que estava posta com belos pratos. Herói ou não, parecia um nobre típico, arrogante demais para tomar conhecimento dela. O que fez do jantar um acontecimento interminável e canhestro.

Embora a comida fosse deliciosa, muito mais variada e sofisticada de todas as que ela conhecera, a conversa não se sustentou. A velha condessa gritava qual um macaco, o conde permanecia mergulhado em si mesmo e Rin não sabia o que fazer. Logo tornou -se claro que a distância entre Sesshoumaru e sua avó ia muito além da distância que os separava, nas cabeceiras opostas da mesa.

Por um momento, Rin desejou estar em ambiente menos carregado e em companhias mais agradáveis. Teve saudade de seu pai, que discutia com ela assuntos variados, sempre de modo inteligente e agradável. Logo tratou de afastar a melancolia e decidiu mudar a situação que não lhe agradava.

Discorreu primeiro sobre a viagem, tentou não recuar quando a viúva interrompeu-a com uma altercação paralela e voltou-se para o novo lar.

— Estou encantada com o interior de Yorkshire — ela afirmou, com sinceridade.

— Ah! Só se fosse uma fázendeira ou leiteira — a outra fez pouco-caso.

Mas Sesshoumaru pareceu um tanto mais animado, talvez para contrapor-se ao desdém da avó.

— Já viajei muito e nunca vi terras como essas, principalmente no outono — ele declarou.

— Estou ansiosa para conhecer os arredores — Rin admitiu, sem ter certeza se as suas tarefas lhe deixariam tempo livre. Era evidente que a condessa Taishou não iria escalar colinas e nem percorrer os vales. — Imagino que deve haver muitos passeios para serem feitos por perto. Taishou Park tem uma paisagem belíssima.

— Ela foi idealizada por Jackotsu Brown em pessoa e penso que deve ter custado muito dinheiro — a condessa explicou, com uma ponta de orgulho. — Naquele tempo, as pessoas gostavam de jardins extensos e bem cuidados. Não dessa confusão selvagem de hoje em dia.

— Talvez os gostos tenham mudado, mas não se pode negar que este é o melhor trabalho de Brown — Sesshoumaru acrescentou.

Rin fitou-o, surpresa. Ainda que ele falasse casualmente, ela pôde perceber o mesmo orgulho permeando-Ihe as palavras. Talvez a velha condessa e o neto não fossem tão diferentes.

— Bem, se está tão enamorado de tudo isso, por que não leva Rin para um passeio depois do jantar? — a condessa sugeriu, causando um certo desconforto a Rin.

Embora conhecesse o conde muito pouco, sabia que ele recusaria.

— Já está muito escuro, não vai dar para ver nada — ele confirmou as suspeitas de Rin e mudou imediatamente de assunto.

— Pode levá-Ia amanhã, quando houver luz suficiente — A fidalga não se deu por vencida e encarou a ambos, como se fizesse planos. Mas bastou fitar a expressão implacável de Sesshoumaru, para Rin entender que a opinião dele era bem diferente. Na verdade, supôs que ele desapareceria, antes de mostrar qualquer traço de hospitalidade.

Sentiu-se ferida pela rejeição evidente, o que deixou-a ainda mais solitária. Era natural.que procurasse um amigo por ali. Mas seria melhor eliminar Sesshoumaru como uma possibilidade. Não tencionava perder tempo com um conde carrancudo, agressivo e mal-educado.

Para comprovar a suspeita de Rin, Sesshoumaru saiu da mesa sem muita educação, desobedecendo as ordens da avó para reunir-se a elas no salão grande. Ele ignorou-a de tal maneira, que Rin nem se preocupou em desculpar-lhe a grosseria.

Ela conhecia pessoas que haviam voltado da guerra muito mais feridas. Homens que regressaram para nada e ainda assim mantinham a civilidade. E ali estava um homem atraente, rico e privilegiado, que não passava provações e nem miséria, mas que não sabia comportar-se dentro de sua própria casa.

Rin começava a pensar que não gostava de Sesshoumaru Taishou, o conde de Taishou, ou fosse lá como ele gostava de ser chamado.

— Vá! Vá atrás dele! — a viúva interrompeu-lhe os pensamentos e surpreendeu-a. — Ele provavelmente irá fazer uma caminhada. Não é o que queria, jovem?

Seria esse um tipo de humilhação?, Rin refletiu. Se fosse, não a aceitaria.

A órfã empinou o queixo e calmamente adoçou o chá, sem demonstrar interesse.

— Acredito que milorde deixou bem claro que não quer a minha companhia.

— Ah! Esse menino não sabe o que quer! — a viúva respondeu, com uma batida da ponta da bengala. — A srta. foi contratada como dama de companhia. Vá desempenhar seu serviço!

Rin estacou. Não! Certamente não entendera as palavras da condessa.

— Estou aqui para ser sua dama de companhia — Rin enfatizou.

O encargo já seria bastante desagradável, sem aquelas disputas entre avó e neto.

— Eu a empreguei, mas não exatamente para mim. Acha que eu preciso disso? Quero que observe meu neto. Que o distraia desse mau humor em que está mergulhado, desde que voltou para casa.

Rin ficou inquieta, mas decidiu dar à dama o benefício da dúvida. Afinal, a outra era idosa e talvez a preocupação com o neto a tivesse deixado perturbada.

— Acho que um homem seria muito mais conveniente — Rin sugeriu, com gentileza.

A viúva bateu a bengala de novo.

— Acha que já não tentei? Ele não quer ver seus velhos amigos e nem os companheiros de Exército! Não se interessa por nada e nem por ninguém.

— Sinto muito. — Rin estava pesarosa com o sofrimento do conde, mas o que poderia fazer? — Não entendo o que milady espera de mim. Ele também me evita.

— Ah, mas a srta. é mulher — a viúva comentou, um tanto maliciosa.

Rin retesou-se, rejeitando a indireta. Já ouvira falar em dissabores que atingiam mulheres jovens em situação difícil, mas não esperava vir a ser uma delas. Como também não aceitava cair em desgraça, sob a responsabilidade única da condessa deTaishou. Não se considerava nenhuma tola.

Ainda que se considerasse uma solteirona para os padrões da época, não ignorava totalmente o que se passava entre um homem e uma mulher. Era, apesar de tudo, instruída. O simples pensamento de participar de uma atividade ilícita com o conde de Taishou era horrível e ao mesmo tempo agradavelmente excitante. Rin estremeceu ao lembrar-se do toque da mão dele em seu braço, mas assim mesmo endireitou os ombros.

— Receio que tenha havido algum mal-entendido. Gostaria muito de servir a milady como dama de companhia, mas não pode esperar que eu exerça a mesma função com um homem da casa.

— Ah! Não estou lhe pedindo para dormir com ele — a viúva retrucou, áspera. — Quero apenas que o anime um pouco.

Rin respirou, um pouco mais aliviada. Ainda assim, não deveria consentir.

— Contudo, é uma atitude inteiramente inadequada.

— Ah! Não é certo ajudar um parente? Ele não pode mandá-Ia embora, por que a srta. não tem para onde ir. Está aqui por um dever de família, minha jovem, e será bom que entenda isso!

Rin franziu o cenho, mas não se abalou com a impertinência da velha senhora. A viúva certamente pensava que era muito esperta por contratar uma parente falida. Mesmo nesse caso, Rin não via como poderia ajudar. O conde não era enfermo, pelo menos fisicamente, ela pensou, corando ao lembrar-se de sua vitalidade aparente. E sem conhecer-lhe a personalidade antes dos ferimentos, como podia fazê-Io voltar ao que era? O homem era tão sisudo, que seria preciso muito mais de que um sorriso e algumas palavras de coragem para suavizá-Io. Principal- mente alguém cuja presença ele execrava.

Em contrapartida, Rin sentia uma simpatia genuína pela situação difícil que Sesshoumaru enfrentava. Era raro uma mulher ou um homem não conhecer alguém que fora ferido ou morto na guerra. Rin sabia que deveria fazer o que pudesse por esses heróis, mesmo sem ter idéia do que eles haviam sofrido nas batalhas.

— É natural que ele fique deprimido, pelos horrores que deve ter visto e que nós nem po- demos imaginar quais sejam — murmurou.

— Taishou não é o único! Guerra é guerra! Ele tem de esquecer isso e assumir suas responsabilidades.

Rin entendeu o porquê do distanciamento entre avó e neto. Mas a compaixão a fez achar que ele não podia ser melhor. Lembrou-se de que Sesshoumaru assumira o título com a morte recente do irmão. Será que ele tivera um período adequado de luto? Rin tivera uma experiência semelhante. Ainda sentia muita dor com a falta do pai.

— Ele sofreu outras perdas — comentou, em voz baixa.

— Meu neto tem tido alguns contratempos, alguns revezes — a velha condessa admitiu, mordaz. — Por exemplo, aquela jovem idiota por quem estava tão apaixonado. Imagine, eu lhe disse que ela não passava de uma tola mimada, embora fosse filha de um duque. Mas ele não me escutou. Propôs-lhe casamento antes de partir e quando voltou, ela achou que não gostava do novo corte da roupa dele!

— Eles estavam noivos? — Rin perguntou, espantada.

— Ah! Se é que pode falar assim. Um engano de juventude, eu diria, e dos grandes!

Rin achou a notícia perturbadora. Claro, um homem atraente como Sesshoumaru devia gostar de mulheres belas, elegantes e da mais alta linhagem. No âmbito da experiência limitada de Rin, ela as conhecia como paparicadas, esnobes e insensíveis. Mas pensar que uma dessas criaturas fúteis pudesse ser tão cega e cruel, a ponto de rejeitar um herói de guerra apenas por ele ser manco?! Não podia aceitar isso. E o mais estranho foi ela cogitar se ele a amara.

Será que ele estaria sofrendo por amor?

— Aquela moça lhe fez um grande favor ao deixá-Io. — A condessa afastou a preocupação de Rin com um gesto dos dedos cheios de anéis. — Embora meu neto não possa entender isso agora... Está por demais afundado em suas tristezas. Demais — ela murmurou.

O tom de voz baixo fez Rin esquecer suas reflexões e fitar a velha senhora, mas a outra desviou o olhar. De repente a fortaleza da fidalga pareceu evadir-se, deixando em seu lugar uma anciã cansada, magra e frágil. — Meu marido era um pouco... taciturno — ela comentou, devagar. — Ainda que meu filho não tenha herdado a tendência à melancolia do pai, posso ver esse traço em Sesshoumaru. E eu não gostaria que esse mal o dominasse.

A condessa bateu a bengala com força, mas Rin pôde ver nela o desamparo e a frustração, por isso as palavras ásperas e violentas não tiveram o mínimo efeito em Rin.

O vislumbre da real personalidade coberta pela fachada feroz da viúva fizeram-na considerar a proposta. Com um suspiro, Rin tentou avaliar a lógica da fidalga. Teria a noiva mergulhado Sesshoumaru na escuridão? Ou ele teria uma predisposição para exagerar sentimentos? O que a avó tentara fazê-Ia entender? Qual a profundidade de sua depressão?

De repente, Rin arrepiou-se, antes de expressar o que sentia.

— A senhora não está imaginando que ele possa... matar-se, está? — ela sussurrou.

A questão trouxe-a de volta a si mesma e a viúva bateu com a ponta da bengala, com vigor renovado.

— Claro que não, minha jovem. E espero que a srta. não permita que ele o faça.

Bem como eu vivo dizendo fic também e cultura, uma simples curiosidade o Sesshoumaru sofreu um acidente que o deixou com um problema na perna que e:

A claudicação é um termo médico usado em vários sentidos. Também é usado figurativamente: é uma sensação dolorosa nas pernas que ocorre como um resultado do déficit de suprimento do oxigênio que consiste em uma dor muscular que surge no indivíduo.

Claudicação – mancar; coxeadura. Clônus - movimento ritmado, com contração e relaxamento rápido do músculo. Ocorre somente em membro hipertônico e com reflexos exagerados, quando o músculo está sob certa tensão.