Kano espiou a menina por cima do livro. Estava encolhida no sofá, joelhos colados no peito, os cabelos verde-escuro escondidos debaixo do capuz, olhos pregados no jogo portátil.
- Kido? – ele chamou. Silêncio. O garoto apertou os lábios – Líder?
A menina porém continuou calada, os "bips" e "bops" do jogo eram a única resposta.
Kano se levantou, puxou o casaco revelando os cabelos louros, coçou a cabeça e se espreguiçou.
- Líder, você está me ignorando?
A menina apertou os olhos e isso foi o suficiente para Kano sorrir. Eles eram amigos desde a infância, cresceram com um laço estranho, porém forte. Kido, ainda uma criança, mal conseguia controlar seus poderes, estava "desaparecendo", mas Kano a viu.
E nunca mais tirou os olhos dela.
E ele que sempre disfarçava suas expressões, seus sentimentos, sempre mantendo aquele sorriso de gato... ela o viu também. Viu além. Ela conseguia enxerga-lo de verdade. Felicidade, tristeza, dores e sorrisos.
- Sabe? Mary e Seto saíram – sentou-se em um canto do sofá – Momo-chan também não está.
- Eu sei – ela resmungou – Acha que sou cega?
Kano pegou os pés da garota e puxou para seu colo, ela resistiu no começo, mas então cedeu.
- Ainda está jogando Tales of Cupcake? – ele espiou por cima da tela – Fase três? Você é muito ruim!
- Me deixa seu idiota – ela murmura – Veio me perturbar?
- Vim te fazer uma pergunta – ele se aproxima – Por que você sempre tem que fazer isso de maneira tão difícil?
Kido cora, as bochechas ficam em chamas.
- Vá embora! – grita e afasta o jogo de suas mãos.
Mas ele não vai. Com um movimento rápido ele a puxa para seu colo, a garota paralisa, se encolhe toda.
- Vou sempre ter que lutar com você? – ele pergunta e abaixa as pontas do capuz de Kido.
- Você é um idiota – ela sussurra. Levanta o rosto e fecha os olhos quando os seus lábios se encontram com os de Kano.
Kido nunca havia sido uma pessoa fácil de lidar. Seus olhos a haviam isolado de maneira que ela já não sabia mais como tratar os outros. Kano fora o primeiro a lhe dar a mão e mostrar o mundo a ela.
Ele era seu amigo, seu irmão, seu... Namorado?
Eles nunca haviam definido uma maneira de se chamar, e não gostavam de deixar que os outros soubessem (apesar de todos desconfiarem). Eram apenas... Eles.
Kano era da Kido e Kido era do Kano.
Um pertencia ao outro de maneira a não deixar brechas ou falhas, e se esse afeto era demonstrado pelas brigas, brincadeiras, risadas e beijos escondidos... O que havia de errado?
Foi a maneira que haviam encontrado para se amarem.
