Retratação: Saint Seiya não me pertence.


Mais uma vez, te amo
Por Lola Spixii

Aviso: Conteúdo yaoi. POV.

Prólogo

A noite já ia alta quando eu entrei no meu Templo, apesar disso ainda era cedo para eu estar de volta, sempre era cedo para estar de volta àquele lugar. Aquela noite eu não estivera num dos meus melhores humores. Não que eu realmente acreditasse que era feliz na companhia do Johnnie Walker – eu sabia que estava bem longe disso – mas aquela noite, aquela maldita noite eu estava realmente indisposto. E acabei colocando a culpa no Johnnie, afinal, amigos são para essas coisas e ele, Johnnie, já havia deixado a categoria de whisky caro para ocupar a de dama de companhia há alguns bons meses. Era ele que me aconselhava e acalmava, noite após noite. E Johnnie era, acima de tudo, um amigo complacente, nunca reclamava das minhas oscilações de humor.

Mas no meu íntimo eu tinha certeza de que o bom e velho Scotch nada tinha a ver com a minha melancolia. Apesar disso, depois de reclamar da demora do atendimento, do copo molhado e do aspecto quebradiço das pedras de água de coco, apenas consegui sorver um modesto terço da garrafa do Whisky que me fora tão necessário em outros momentos.

Misteriosamente essa quantidade foi suficiente para me provocar uma latejante dor de cabeça que começava na nuca e subia pelas têmporas, chegando vitoriosa até a minha testa. Definitivamente aquela noite Johnnie estava sensivelmente menos sedutor e perigosamente mais agressivo. Então resolvi que o mundo não me merecia – reconheço que eu estava um chato – e acabei por retornar mais cedo das minhas andanças pela noite Ateniense.

Passei pela minha porta – minha? Hahaha! – contrariado, o Santuário era um lugar muito silencioso à noite. O estalado do solado do meu sapato de couro preto em contato com aquele piso de mármore milenar me fazia ensurdecer. Apesar disso eu pisava firme no chão, cada passo soava como uma martelada bem no alto da minha cabeça.

Queria banho e cama, mas sabia que não seria assim tão fácil dormir. Ainda ficaria um bom tempo mergulhado naquele silêncio irritante, sem conseguir fugir dos meus pensamentos, das minhas dores, de tudo o que eu não queria mais enfrentar. Qualquer adversário seria infinitamente mais bem quisto que certas lembranças.

Finalmente coloquei o pé dentro do meu quarto, passei displicentemente os olhos por toda aquela minha desorganização – essa sim, minha mesmo. Não, eu não sou um sujeito bagunceiro por natureza, como dizem, apenas não sentia necessidade de tornar o meu quarto um lugar habitável, pelo contrário. Eu queria sumir dali e, como não podia, – ou talvez eu realmente não quisesse, isso nem eu mesmo posso explicar direito – me torturava com aquela bagunça, eu confesso que tenho mesmo um certo fetiche por auto-imolação. Além disso um ambiente minimamente organizado destoaria por completo do caos que eu vivia por dentro, aquela zona combinava bem comigo.

Nem bem cheguei a dar três passos nessa contemplação odiosa, logo parei o olhar sobre a minha cama, tendo a atenção atraída por uma mancha rubra que maculava a brancura impecável do meu travesseiro. A dor de cabeça me impedia de raciocinar direito mas aquela cor, aquele brilho... Mesmo que estivesse à quilômetros de distância, era algo que eu conhecia bem.

Sangue... Sangue! Aparentemente vazando de uma cabeça que, obviamente, já não tinha mais vida.

Agucei os meus sentidos, percebi os meus nervos retesarem instantaneamente, logo a minha própria cabeça não doía nada. Ainda conservava a prática dos longos anos de treinamento, e das dezenas de lutas, intacta. O que significava aquilo? Um assassinato dentro das 12 Casas. Talvez tivesse início uma nova Guerra... Eu havia perdido muito da minha fé nos Deuses, não seria por Athena que eu me envolveria novamente em uma batalha, mas certamente me envolveria. Senti todo o meu corpo se excitar com aquela perspectiva, apesar disso mantive o cosmo brando para que eu não fosse percebido por um possível oponente, ele devia estar fazendo o mesmo, não percebi nenhuma presença.

Dei mais alguns passos curtos e leves na direção do corpo ensangüentado, os sapatos também já não faziam nenhum barulho. Meus olhos dançavam por todo o quarto em busca de pistas. Eu seria capaz de desferir o meu mais poderoso golpe dentro de uma fração de segundo, não hesitaria.

Mas quando voltei a observar a mancha vermelha, hesitei. Sangue? Mais um passo. Sangue! Idiota! Me senti um completo idiota. Sangue... Não era sangue que brotava daquela cabeça sobre o meu travesseiro, mas sim fios ruivos. Relaxei involuntariamente o corpo, decepção! Eu realmente estava tendo uma merda de noite cheia de frustrações. Nenhuma Guerra havia se iniciado, não haveria nenhuma luta, mortes, meu poderoso golpe permaneceria adormecido mais algum tempo...

Paciência nunca foi o meu forte e se aquele infeliz não estava morto com um rombo imenso na cabeça, então o que estava fazendo dentro do meu Templo? Na minha cama? Babando sobre o meu travesseiro? Ah, aquele maldito ruivo pagaria por todas as desventuras da minha noite.

– Ei, o que está fazendo aqui?

O desgraçado não respondeu. Cerrei os punhos e dei mais alguns passos. Ou ele era maluco para me desafiar com aquele silêncio ou realmente estava dormindo pesado, talvez fossem ambas as alternativas corretas... Os olhos estavam firmemente cerrados, tinha os cílios longos e as feições finas. Os cabelos também tinham uma tonalidade muito peculiar e formavam um desenho especialmente belo em contraste com os meus lençóis. Apesar de tudo, eu tinha que admitir, era lindo, ou linda... Talvez fosse uma mulher. Que diferença?

– Acrode!

Eu disse em um tom mais baixo do que planejei dizer, já não tinha certeza se queria acorda-lo. Misteriosamente a curiosidade suplantou a raiva. A beleza dele me acalmou como Johnnie não conseguira a noite toda. Se tivesse uma máquina fotográfica, daquelas instantâneas, eu aprisionaria aquela face no papel e então o enxotaria do meu travesseiro sem dó. Mas eu não tinha nenhuma máquina e já me sentia completamente dependente, não dele, mas da sensação boa que eu tinha ao observa-lo.

Era uma sensação boa e familiar. E isso era realmente estranho. Muito estranho que me fosse familiar uma sensação boa, por que eu não tinha alguma há meses. Por incontáveis vezes julguei que jamais sentiria algo bom novamente, e agora estava ali, estático, observando abobalhado um sujeito que havia invadido o meu Templo e, não apenas isso, que havia se deitado sobre a minha cama, sem a minha autorização! E o que era mais absurdo, eu gostava.

Pensei que talvez fosse um admirador secreto tentando me seduzir com uma visita noturna. Clichê, mas tudo bem. Quantas vezes eu mesmo já não havia utilizado essa tática? O fato é que era belo e eu me sentia, definitivamente, atraído.

Seria, afinal, um homem ou uma mulher? Isso realmente não fazia muita diferença, sentimentos não respeitam gênero, aliás, sentimentos não respeitam absolutamente nada, nem mesmo a Deusa e suas convenções Olímpicas. Fosse um Cavaleiro, ou uma das virginais sacerdotisas de Athena, ou um qualquer, um pedinte, um delinqüente, uma prostituta... Isso não mudaria o que eu sentia por ele. Mas eu estava curioso. Desviei a atenção para o corpo que se escondia sob os meus lençóis. Era um homem, sem dúvidas. E, além de belíssimo, tinha os membros longos, elegantes, esguio e, ainda assim, másculo.

Esqueci completamente que eu devia expulsa-lo dali e dei mais um passo. Eu já estava perto o suficiente para sentir a fragrância que emanava do seu corpo. E, não só ela, como também seus traços e cabelos, me pareceram absolutamente familiares. Já não era a beleza que me tranqüilizava e me fazia deseja-lo, todo ele me era tão... tão íntimo!

Aquela noite realmente caminhava a passos largos para o absurdo. Eu me conhecia o suficiente para saber que estava já totalmente tomado de amor por aquele homem, que eu sequer sabia quem era, apesar de ter certeza de que conhecia de algum lugar. Talvez fosse de algum antigo sonho bom...

Fechei os olhos buscando-o nas minhas memórias. Senti-me voando entre um mar de pessoas, atraído para um ponto específico, iluminado. Era ele, e sorria para mim, um sorriso que quase me fez derreter, era ainda mais lindo quando sorria. E isso só fez aumentar a certeza tanto de que eu o conhecia quanto de que eu o amava. Ele emanava uma luz dourada intensa e foi então que reparei nas vestes dele. Trajava uma armadura, uma armadura de ouro?

Era estranho. Aquela armadura... eu conhecia, conhecia muito bem, inclusive. Talvez tão bem quanto a minha própria... Por que minha memória tinha que me trair daquele jeito...? Por que eu tinha que lembrar justamente dele agora...? Era cruel, cruel demais... Lembrar dele no exato momento em que eu estava me apaixonando novamente. Será que nunca conseguiríamos nos libertar um do outro? Eu estava vivo e ele, morto!

Minha respiração ficou difícil, meu coração acelerou tanto que pensei que fosse explodir dentro do meu peito. Não sei quando foi que eu comecei a chorar, mas meu rosto estava molhado. Abri os olhos e pisquei seguidas vezes enquanto me certificava, em estado de choque, de que ele era ele. E era. Por todos os Deuses... era! Se estava ali me assombrando, como um fantasma, certamente a culpa era minha. Eu nunca deixei a lembrança dele em paz. Nunca permiti que se afastasse. De tanto querer me esquecer dele apenas o fazia cada vez mais presente. Eu estava sendo punido, severamente punido. Apaixonara-me novamente por ele a agora tinha que suportar novamente a perda.

Dei meia dúzia de passos vacilantes para trás, esbarrando em tudo que se encontrava no meu caminho, até finalmente sair do quarto. Bati a porta com força a colei as minhas costas nela, mais lágrimas molharam o meu rosto, eu me sentia profundamente culpado. Tantos sentimento se confundindo, se misturando. Será que jamais nós dois teríamos paz novamente? Que tormento... Inferno.

Não sei se passei 5 segundos ou 5 horas encostado naquela porta, mal-dizendo os Deuses, blasfemando. Perdi completamente a noção do tempo.

– Miro.

Por um instante achei que era a assombração que se dirigia à mim, e só me convenci de que não era quando voltei a cabeça na direção da voz e vi Saga.

– Você não pediu permissão para sair do Santuário essa noite.

Lancei um olhar indecifrável para ele. Certo que eu estava perturbado mas também era muito estranha a presença de Saga na minha casa àquela hora. E que tipo de comentário era aquele?

– Você já o viu.

Não foi uma pergunta, foi uma afirmação. "O viu" quem? Eu me perguntei, ainda sem conseguir compreender o que estava acontecendo e muito menos articular uma resposta. Saga deve ter visto o desespero nos meus olhos, por que se aproximou com uma benevolência quase sobre-humana, colocando a mão em meu ombro.

– Athena conseguiu encontra-lo... Ele ainda vai precisar de muitos cuidados médicos.

– Como assim? – uma pergunta idiota, bem digna do caos mental em que eu me encontrava.

– Miro, Camus está vivo.

Meus joelhos amoleceram e eu só não fui ao chão por que ainda estava escorado na porta. E chorei... chorei como nunca havia chorado na vida.

Mais uma vez...

Te amo.


Olá!

Depois de 3 semanas de intensa ralação, voltei em grande estilo! POV do Milucho não é todo dia e, modéstia à parte, não é pra qualquer um! Espero que tenham gostado, por que eu amei "ser" o escorpiãozinho por alguns instantes!

Por trás dessa fic existe toda uma história que está completinha na minha cabeça, por isso algumas coisas ficam meio que não explicadas. Mas, só pra localizar todo mundo, a cena se passa depois de Hades e o Camyu já tinha sido dado como perdido por Athena, ela não conseguia encontrar a alma dele e por isso não podia trazê-lo de volta à vida.

Se vai ter continuação ou não... nem eu sei! Mas eu acho que o Camyu não gostou nadinha de ter entrado mudo e saído calado da fic, e vai fazer uma certa pressão psicológica para eu continuar... hehehe.

Bjinhos, pessoal!

(Junho de 2005)