Contínuo
E aí, ele ouvia as outras crianças gritando na rua, e como elas gritavam alto. "Monstro! Sai daqui! Vai embora! Nojento!" Ele abaixava a cabeça, ele não falava nada, mas ele queria falar, só que ele não podia porque a voz dele era feia, feia, feia e ninguém quer ouvir uma voz feia, ninguém quer saber o que uma voz feia diz.
E aí, ele corria e corria e apertava os pulsos, e apertava e apertava e apertava. Ele chegava naquele lugar, naquele lugar abandonado, naquele lugar que era sua casa. E feio, feio, feio; aquele lugar era feio em cada centímetro, porque tudo que ele tocava era feio.
Então, ela aparecia, e ela era bela, era bela, bela, bela e ele gritava e ela o abraçava. E ela cantava e sorria. Ele olhava e olhava e continuava olhando, e enquanto ele a olhava cantava.
Ela tinha a voz dos mortos.
Ele a tocava, às vezes. Passava os dedos pelos cabelos dela e sorria. Mas a verdade é que eles deslizavam rápido demais. Demais, demais, demais e de repente os dedos dele estavam vazios. E doía, doía, doía até o momento em que eles os tocava de novo. E de novo. E os dedos feios, feios, feios dele se misturavam com os fios belos dela e naquelas horas ele era feliz. E sorria bobo, bobo, mais bobo do que feio.
"Canta pra mim, Lala?" ele pedia e pedia e pedia e tornava a pedir. E ele continuava, mesmo sabendo que ela aceitaria.
Porque ela amava cantar, e ele amava ouvi-la.
A voz dos mortos. Porque as vozes normais eram efêmeras e a dela continuava sempre soando, sempre, sempre, sempre, mesmo quando ela estava longe e não cantava e ele não a via. Ele era surdo para o mundo e só ouvia a voz dela, dela, dela, dela porque a voz era bonita e merecia ser dela.
E ela era da voz.
Só da voz.
E todos o ofendiam quando ele passava pelas ruas, roubando comida e correndo até sair da cidade. E então encontrando aquele lugar abandonado e abandonado e belo. Porque ele passou a ser belo quando ela estava lá, porque ela o tocava e o toque dela transformava.
E ele se sentava em frente a ela e eles sorriam e ela começava. E passavam-se horas, horas, horas e ele não ouvia, porque a voz dela apagava o tique-taque do relógio e as ofensas das pessoas e todo o resto e de repente ele era surdo. Mas ele ouvia a voz dela, ouvia a voz dela e as nuances e as notas e o dó ré mi fá sol lá si dela. Que só ele ouvia, só ele regia, só ele aplaudia e sorria. Amava.
E às vezes havia tempestades naquele lugar abandonado, mas ele nunca notava, porque ele não notava nada. Às vezes sua barriga doía de fome, mas não doía mais do que poder tocá-la. E podia; podia, podia, podia e isso doía tanto que ele sorria e sorria.
E ela cantava e ele ouvia e era só.
E ela estava cantando e era da voz quando ele resolveu interromper.
"Eu te amo, Lala."
E os dois sabiam que ela não tinha ouvido.
E, quando ele cresceu, ele notou.
Ele ainda se sentava em frente a ela e ainda a ouvia e ainda doía. E ela ainda era bela e os cabelos dela ainda deslizavam e ele era feio. E ela ainda tinha a voz dos mortos porque mortos estariam sempre mortos e a voz dela seria sempre bela.
E ele ainda era capaz de identificar as notas e as nuanças e os tons e dó ré mi fá sol lá si, Lala. É assim a escala que as pessoas usam pra cantar. Por que você não experimenta? E ela ainda "Sim, Guzol" e sorria e voltava a cantar, e a escala dela era mais bonita que a das pessoas.
E doía. Doía mais do que antes.
E, naqueles momentos, quando ela parava de cantar com a voz dos mortos, ele chorava.
Porque um dia ele seria um deles.
E um dia ela não cantaria mais.
N/A: Nem acredito que estou estreando num fandom sem nem ter chegado ao quinto mangá. Mas, cara, Lala e Guzol QUEBRARAM O MEU CORAÇÃO de tal forma que eu tinha que escrever algo com eles, simplesmente. E porque a Murder também queria uma fic deles eu presenteio pra ela esta daqui, porque ela é um amor e ela merece e hoje é ANIVERSÁRIO DELA, CRIATURAS! E ela sem dúvida merecia algo maior do que uma ficlet, mas prometo que a próxima sai grande. Enfim... PARABÉNS, MURDER, ESPERO QUE GOSTE! /o/
