Prólogo

Mark Rutherford suspirou alto, escondendo o rosto entre as mãos enquanto buscava forças para continuar acordado. Haviam se passado quase cinco horas desde a prisão do garçom maluco que tentara explodir quase todos os diretores naquele encontro anual, e desde então Mark não tivera chances de sequer respirar propriamente. Estava cansado, morto de sono e começando a ficar mal humorado. Diabos, ele já não tivera uma boa noite de sono no dia anterior – passara praticamente a noite em claro – e tudo provava que aquele dia seria o mesmo.

A porta do escritório em que se encontrava se abriu, e uma mulher que ainda conservava feições infantis perguntou em um inglês carregado de sotaque, com voz educada e baixa, como se com medo de interrompê-lo:

- O senhor precisa de alguma coisa, Diretor Rutherford? Talvez algum café ou algo para comer?

Escondendo parte do rosto em uma das mãos, ele usou a outra para dispensar a jovem.

- Não, está tudo bem. Obrigado. – resmungou. A moça pareceu levemente hesitante, sem saber o que fazer, antes de assentir e fechar a porta.

Antes que Mark pudesse achar que havia voltado para o silêncio daquele escritório, a porta se abriu novamente. Mais uma vez, a voz da garota se fez presente:

- Er... Perdão, diretor Rutherford, mas a diretora Oliveira pediu para que eu o avisasse que chegará aqui em breve. Ela disse para que o senhor fique a vontade.

Eu ficaria se você me deixasse dormir. Assentiu, respondendo na voz mais educada que conseguiu encontrar:

- Certo. Muito obrigado.

A porta se fechou mais uma vez. Bocejando, passou as duas mãos pelos cabelos e resmungou coisas incompreensíveis, antes de dirigir os olhos cansados para o porta-retratos sobre a escrivaninha. Ali, uma sorridente, estática e adolescente Camila Oliveira parecia aproveitar um dia ensolarado em alguma parte do litoral brasileiro com mais três garotas, a quem ele apenas pode supor quem poderiam ser. Cabelos bagunçados pelo vento e óculos de sol, ela parecia estar em seu auge de alegria, rindo de algo há muito esquecido.

Pegou o retrato para observá-lo mais de perto. Ela ainda possuía feições infantis aqui, ele analisou, curiosamente divertido. Perguntou-se há quantos anos aquela foto poderia ter sido tirada. Depositando-a em seu local de origem, Mark recostou-se à confortável poltrona de couro, fechando os olhos.

Ela mudou tanto, ele pensou de repente. Era uma garota quando a conhecera, simplesmente – não que ele não fosse novo, na época. Era apenas três anos mais velho, afinal. Na época, Camila era um poço de autoconfiança e arrogância. E por que não seria? Havia ingressado na Academia com notas surpreendentes – o suficiente para que até ele, alguém já formado, tomasse conhecimento. Além disso, era adiantada em seus estudos em um ano, algo não muito comum entre os estudantes. A garota pequena e de aparência delicada era a promessa dos professores, àquela época. Entretanto, apesar do talento, pecava por falta de experiência, como qualquer outro novato. Isso prejudicava em algumas situações – ela simplesmente não sabia como agir, faltava-lhe tato necessário.

E a grande promessa se mostrava cheia de falhas.

Ele parecia surpreso agora ao comparar aquela menina escandalosa e risonha com a mulher que comandava dois Departamentos atualmente. Apesar de simpática, educada e de sorrisos fáceis, Mark já não via mais o brilho que estava acostumado a ver em seus olhos – ou que vira, pelo menos quando se encontraram para o que seria a primeira e única missão em que trabalhariam juntos. Ela amadurecera, mas parecia que algo havia se perdido durante esse processo.

Às vezes ele tinha certeza que isso era sua culpa, outras considerava que o cinismo do trabalho e das situações que era obrigada a viver havia corroído sua vivacidade. Rever a alegria nas feições de Camila através daquela foto lembrou-o o quanto ele sentia falta daquele sorriso.

Não, aquilo não era verdade. Ele não sentia falta apenas de um sorriso... Ele sentia falta dela. Confiara muitas coisas a ela num período de quase dois anos, o que incluía muito de seus pensamentos e da sua vida em si. Se não era uma grande amiga, Camila Oliveira lhe era alguém muito importante.Se ao menos ele pudesse encontrar um momento adequado para conversar, colocar tudo em ordem, explicar tudo o que havia acontecido, talvez...

Sentiu-se aborrecido ao se lembrar que havia planejado explicar tudo no encontro dos Diretores. Acreditara sinceramente que tudo daria certo – existiram vários momentos em que ela se encontrava sozinha, propiciando uma conversa pessoal e sem a preocupação de intervenção de terceiros – até que descobrisse sobre aquela maldita bomba. Então, todos os seus planos foram substituídos por um aviso à Camila, de modo que nenhum convidado percebesse e criasse um pandemônio por culpa do susto e do medo.

E, após isso, mal tivera tempo para colocar os pensamentos em ordem, e duvidava que conseguisse falar com ela a sós tão cedo.

- Rutherford. Ei, Rutherford, acorde.

Ele foi levemente chacoalhado e acordou assustado, procurando se ajeitar na poltrona. Agarrado nos braços da mesma, ergueu o rosto, seus olhos encontrando os verdes da pessoa a quem estivera justamente pensando. Atrás dele, as luzes artificiais da rua iluminavam o aposento por entre frestas da persiana da enorme janela de vidro.

- Ah, droga – ele murmurou rouco de sono, esfregando o rosto com uma das mãos – Que horas são?

- Quase cinco. – ela respondeu em voz baixa. Daquela maneira, mal parecia que ela não o suportava. Mark surpreendeu-se, percebendo que havia, realmente, cochilado por quase duas horas. Diabos, ele mal percebera! – Michael Stuart enviou ordem para que não tocássemos no corpo do garçom.

A notícia fora direta, sem humor ou expressões. Mark piscou duas vezes, absorvendo a situação, antes de bufar e assentir.

- Quando vamos para a Inglaterra? – perguntou, tornando a esfregar o rosto para tentar afastar o cansaço. Camila o encarou por alguns segundos, em silêncio, antes de perguntar, franzindo o cenho:

- Você quer realmente ir? Você não parece muito -.

- Só preciso de um pouco de café. – ele dispensou sua preocupação, tentando soar educado – E então?

- Michael Stuart só chegará ao Departamento às oito. Temos ainda algumas horas. – ela respondeu, cruzando os braços e encostando-se à sua escrivaninha.

Tempo? Eles tinham tempo? Aquilo pareceu uma resposta aos seus pedidos. Com tempo, ele conseguiria conversar com Camila, pelo menos, talvez, o suficiente para esclarecer diversas coisas.

Contudo, sentia que o sono estava o fazendo apressar as coisas. Estava há dois dias acordado, movendo-se como louco de um lado para o outro. E, tinha que dar a mão à palmatória, já estava considerando a possibilidade de falar com a Auror há meses...

- Certo. – murmurou. Subitamente, sentiu-se tentado a recostar-se à poltrona mais uma vez e tornar a dormir, mas segurou-se. Ele poderia deixar de falar com ela hoje, pensou. Falaria com ela depois que conseguisse dormir.

Camila pareceu perceber seu cansaço, pois franziu levemente o cenho e comentou:

- Há um aposento que os Curandeiros do IML usam para dormir. Você pode ir para lá, se quiser.

-Não, tudo bem. Só preciso do maldito café. – resmungou, erguendo-se, reclamando mentalmente da dor em seu pescoço por ter dormido de mal jeito. Droga, sabia que precisava falar com ela agora, porque tinha leve impressão que, após aquela conversa com Stuart, as coisas ficariam mais corridas. Decidiu então, sem pensar mais sobre o assunto, dizendo: - Camila, precisamos conversar.

Bem, agora não tinha mais jeito de voltar atrás, tinha?

- O quê? Se for para reclamar sobre o fato de eu ter aceitado o pedido de Stuart sem guerra alguma, eu -.

- Não, não é sobre isso. – resmungou, aproximando-se dela. Olhando-a nos olhos, disse: - Preciso falar com você a respeito do que aconteceu seis anos atrás. A respeito da missão Perez. Há muitas coisas que precisam ser esclarecidas.

Continua