Eram tempos de paz. As flores de cerejeira já começavam a mostrar suas cores, e ainda que timidamente, anunciam a chegada da primavera em Echigo. Era evidente a tranquilidade e bom humor nos rostos dos habitantes da província, uma vez que o inverno rigoroso havia enfim acabado.
"Paz... Uma palavra relativa."
Reflete Uesugi Kenshin. Feixes de luz da janela circular invadiam seus aposentos, em um espectro de cores suave. O daimyo apreciava uma xícara de chá enquanto lia contos e poesias, gostava especialmente de temas românticos. Algo que podia ser considerado irônico, pois o homem não poderia mais viver uma paixão em sua plenitude. Kenshin é monge, e fizera votos de castidade em honra à Bishamonten há anos atrás.
Levanta-se. Já havia terminado o chá e imaginou que uma caminhada não seria de todo mal. Assim ele poderia ver a primavera mais de perto.
Ao sair do castelo de Kasugayama, o mesmo onde havia nascido, ele se mostra impassível. De subordinados e caminhantes, recebe nada além de olhares breves. Em geral, Kenshin era agradável e fazia questão de saudar a todos, mas naquele dia se absteve de cumprimentos. Ele caminha o suficiente para se afastar do castelo e até que pudesse ouvir apenas o som da brisa entre as flores. Emanavam um cheiro doce. O monge observa o campo por um tempo, muitas das flores não haviam desabrochado ainda. Ele arranca a flor mais rosada que vê, e a examina. Então resolve sentar-se à sombra de uma das árvores e respira fundo.
"Kasuga..."
Kenshin pensa. Gostaria de acariciar os cabelos cor de trigo da ninja e agraciá-la com a flor que tinha em sua mão. Ultimamente, a bela mulher dominava cada vez mais os pensamentos do monge. Dotada não só de uma beleza extraordinária, também era uma lutadora exímia. Mas não era apenas isso que chamava a atenção do daimyo. Kasuga mostrara a ele uma faceta que pouquíssimos homens tiveram o privilégio de testemunhar. Por trás de sua máscara forte e ameaçadora, existia uma mulher doce e de bom coração.
"Sua gentileza, seu sorriso, seu..."
Ele sacode a cabeça, interrompendo seu devaneio. Kenshin e Kasuga passavam tempo considerável juntos inclusive fora de combate. Ele gostava bastante de recitar poemas à ninja, ensinar-lhe o que sabia e conversar sobre os mais diversos assuntos. A loura apaixonou-se por Kenshin à primeira vista, mas o monge também nutria afeição pela bela mulher. Até então ele mantinha-se fiel à Bishamonten... Mas pensar com clareza se tornava cada vez mais difícil perto dela. Vontades impuras surgem no âmago do homem com cada vez mais frequência. Kenshin está preocupado, é evidente. Meditava mais do que o habitual, passava noites seguidas em vigília e mantinha-se distante de todos. Inclusive de Kasuga, de certa maneira.
Um ruído destoou o silêncio, dando lugar ao galope de um cavalo. Surgiu logo no horizonte um dos subordinados do clã Uesugi, montado. Ao se aproximar do ainda sentado daimyo, o homem faz uma breve saudação e declara:
– Kenshin-sama, o lorde Maeda se encontra no castelo. Ele veio prestar uma visita ao senhor.
– Keiji? Hm. – O monge responde, levemente intrigado – Retorne e avise-o que estou a caminho.
Imediatamente o mensageiro partiu, Kenshin poucos momentos depois. Não demorou muito até que o daimyo chegasse ao portão de frente. De onde estava, já podia ouvir as vozes estridentes de Kasuga e Keiji discutindo. Os guardas abrem o portão, e ele caminha lentamente em direção ao par.
Idiota! – Kasuga exclama – Não fale bobagens!
– Ei, Kenshin! – Keiji acena de certa distância, sorridente – Aqui!
Kenshin se aproxima e cumprimenta Keiji, esboçando um sorriso. Kasuga faz uma pequena reverência ao seu lorde, com a tez levemente vermelha.
– É bom revê-lo, Keiji. O que o traz à Echigo?
– Queria ver como você está. E a Kasuga-chan também, claro! – Ele pisca para a loura, provocando-a. Em resposta, ela franze o cenho em irritação.
– E antes de mais nada, não vim de mãos vazias. – Ele sorri e aponta um frasco ricamente ornamentado preso à sua cintura – Trouxe essa belezinha aqui! Garanto que você vai adorar.
O monge ri de leve.
– Vamos entrando.
Kenshin entra no castelo, acompanhado pela ninja e o samurai. O trio se dirige a um salão amplo, e Kasuga trata logo de abrir as portas de arrastar, que dão de frente a um quintal com uma pequena lagoa de águas termais e de vista para a floresta. Eles se sentam à porta e começam a conversar, enquanto a loura sai para buscar a cerâmica para servi-los.
– Quando cheguei os guardas disseram que você tinha saído. – Keiji dá de ombros – Espero que não tenha sido má hora.
– De modo algum, amigo. Estava apenas tomando um ar fresco. Como estão as cousas em Kyoto?
– O de sempre. Ainda estou te devendo um desenho, não me esqueci disso! - O samurai sorri enquanto coça o couro cabeludo – E você, o que me conta de novo?
– Não muito, Keiji. O que pode ser considerado algo bom. Echigo está próspera e em paz.
Kenshin esboça um pequeno sorriso, mas seus olhos azuis eram frios e distantes. O samurai e artista tinha certa sensibilidade e pôde perceber que algo estava errado com o daimyo. Mas nada questiona, apenas responde com um aceno de cabeça. Momentos depois, a ninja retorna com os copos de porcelana.
– Ei, Kasuga-chan... Só dois copos?
Keiji questiona e ela dá de ombros.
– Não mesmo, você vai beber com a gente! Eu insisto.
Ela olha hesitante para Kenshin esperando algum tipo de aprovação.
– Acompanhe-nos, Tsurugi.
Obedientemente, a loura sai e deixa os dois à sós por mais um instante. Ao retornar serve os homens e logo em seguida é servida por Keiji. O monge degusta o seu primeiro gole e o samurai faz o mesmo enquanto o observa em expectativa. O daimyo arfa em aprovação:
– Tem toda a razão, Keiji. Isto aqui está fantástico.
Kasuga bebe silenciosamente, enquanto os outros dois começam a conversar trivialidades. Ao decorrer da tarde, Kenshin observava a paisagem montanhosa, e apesar de conversar com o amigo, suas respostas eram curtas e menos frequentes que o de costume. Parecia mais interessado em apreciar o calor da bebida em si, como se dependesse daquele torpor para estar ali. A ninja também não se pronuncia para chamar a atenção de Keiji por alguma atitude, ou sequer se irrita com o andarilho em algum momento. E o mais surpreendente, Kenshin e Kasuga mal trocavam olhares, ou conversavam entre si. Parece óbvio para o samurai que algo está errado. Keiji não poderia simplesmente deixar as coisas como estão. Já levemente alcoolizado, ele tenta chamar a atenção da mulher:
– Sabe, Kasuga-chan... Eu ouvi um boato engraçado recentemente! – Sorri em tom de deboche – Um absurdo, sério! Andam falando por aí que um dos dez bravos do jovem tigre de Kai, Sanada Yukimura...
Ao ouvir o nome do pupilo de Takeda, Kenshin parece interessado no que o homem tem a dizer e a loura enrijece feito uma rocha. Obviamente já sabia do que se tratava. Seus punhos cerram e seu rosto começa a se avermelhar. Sentia um misto de vergonha, e raiva.
– ...O ninja Sarutobi Sasuke iria se casar com a mulher mais bela de Echigo, uma ninja servente ao clã Uesugi! – Gargalha – Dá pra acreditar?!
O monge levanta as sobrancelhas, levemente surpreso com a história. Kasuga responde, indignada:
– Pura falácia! Aquele idiota... Saiu espalhando isso! Kenshin-sama! Eu... nunca deixaria o senhor!
O monge calmamente termina o seu copo, e faz sinal para que a ninja o complete novamente.
– Acredito em você... Porém, uma parte do rumor é verdade. De fato...
Kenshin levanta devagar e fica de costas para Keiji e a ninja então insegura, voltando os olhos para o seu copo, e em seguida para o já poente sol, no horizonte.
– A mulher mais bela de Echigo és tu, Kasuga.
– K-Kenshin-sama...
A loura murmura timidamente e Keiji sorri satisfeito. Aparentemente, tudo correu como o esperado, para o samurai. Mas apenas o pôr do sol testemunhava a tristeza e amargura nos olhos azuis que amaldiçoavam o destino. Kenshin lamenta. Lamenta por uma mulher que nunca será plenamente feliz ao seu lado. E lamenta por si mesmo, que por conta de suas próprias escolhas, acabou perdendo para sempre o que mais tarde viria a descobrir ser a pessoa mais preciosa de seu mundo.
