Petit Ballerina

Os pés descalços ecoavam uma música própria ao deslizar pelo chão frio de madeira velha, o piano de cauda ao fundo sem uma tecla a apertar. Um vento gélido chiava pela fresta da janela entreaberta e por baixo da porta torta que a prendia ali. Não podia parar.

Respirava com dificuldade, o peito arfando cada vez mais alto, num sobe e desce irregular que impressionava de olhar. E olhar, ora essa, era o que mais a fazia sofrer: os olhos daquele que ama sem amar, que aprecia com destreza a dor que proporciona ao outro. Olhos azuis gélidos.

A pessoa dona de tais olhos não pode ser revelada, mas digo-te que não é qualquer sujeito que vai às ruas passear. É solitário.

E desaba dessa solidão nos encontros noturnos com sua petit ballerina. Ou a que acha ser sua. Seus cílios espessos, seus lábios cálidos, seus cabelos esvoaçantes, seu corpo magro. Era completamente sua, ou, ao menos, seria sua. Naquela noite.

Era novembro. O frio vinha aos poucos, acolhedor e drástico. Nenhuma alma escapava, nem das mais belas como a dela, porém sobrevivia aquelas de inverno, como a dele era.

Então ele, como seu inverno, a acolheu drástico, certo? Nem tanto assim. Drástico, é verdade, porém nem um pouco acolhedor. Talvez tenha sido violento, isso sim. Extremamente violento.

Encurralou-a na parede de vidro de cortinas velhas fechadas. Agarrou-a com os braços fortes, tornando-a menor ainda, mas menina. Menina ingênua, principalmente. Trilhou beijos desde o lombar, beijos grosseiros que produziam lágrimas tênues. Tênues como a definição de sua relação com ela.

Dali para lá avançou cruel. Despiu-a com força, jogando o collant trançado do outro lado da sala e rasgando a meia-calça cor de pele. Ela tremeluziu aos ventos, que um dia tinham sido seus melhores amigos e agora riam dela, zombeteiros. Pareciam saciar-se com aquela cena.

Ah, saciar-se... Ele parecia um animal selvagem, sem vida vivida, mas sim vida caçada. Um ser que há tempos deixou de ser humano; foi naquela noite que a viu desolada num bar qualquer de uma esquina qualquer, bebendo Uísque de Fogo sem consquência. Encantou-se.

Matou-a.

Foi com um último grito agudo, o primeiro e último, o mais desesperador, que o corpo frágil caiu com um baque surdo no chão. Alguns cortes, onze hematomas roxos, boca ensanguentada e coração quebrado como vidro espatifado no chão, pois era tão ingênua a ponto de apaixonar-se por um monstro.

Ele secou a saliva que escorria dos lábios contraídos, cuspindo por fim em cima dela antes de virar-se e dá-la as costas, diferencialmente daquela noite em que a acolheu e mostrou-se realmente inverno.

Gabrielle, sua petit ballerina, finalmente o pertencera por completo e agora não lhe trazia mais lembranças, muito menos lhe trazia prazer. Fora alguém, como ele sempre foi e sempre será, mas o alguém dela era de se esperar levantar e quem sabe se vingar, já que nem todo o exterior reflete o interior.

Ambos eram completamente opostos.

NA: Primeiramente, escrita para o I Challenge Noite, da FCHP, no Orkut.

Não é exatamente o gênero qual costumo escrever, mas é para isso que os challenges servem, certo?

Espero que gostem e comentem!

Alice (: