Vale Tudo

Há muito tempo atrás, nas terras ensolaradas e cálidas de Nárnia, havia um velho rei chamado Frank, viúvo e com dois filhos a seus cuidados. O velho rei via em seu filho mais velho, Peter, todas as características necessárias a um soberano e se orgulhava de proclamar isso a quem desejasse ouvir.

Sua filha mais jovem, por outro lado, era constantemente privada das atividades próprias a uma criança real por ser muito ingênua e inocente. A princesa Lucy tinha um bom coração e muitas vezes ela se via enganada ou desiludida justamente por ser incapaz de pensar mal de alguém. Lucy jamais herdaria o trono, por ser uma garota, mas era esperado que um dia ela se casasse com algum príncipe e formasse uma boa aliança para seu país.

Cabia a Peter cuidar de sua irmã mais nova, tarefa que ele sempre encarou com grande prazer, pois os dois eram quase inseparáveis. Os dois jovens eram tanto o orgulho, quanto o futuro de Nárnia e o povo acreditava que Aslan abençoaria ainda mais aquela terra quando Peter fosse coroado.

Eram tempos felizes até Jadis, a Feiticeira Branca, voltar toda sua inveja e fúria contra o reino de Nárnia e seus herdeiros. Ela era a soberana das terras estéreis de Charn, onde aconteciam coisas tão terríveis que nem mesmo ouso descrever, e seu maior desejo era expandir seus domínios eliminando o rei Frank e seus descendentes.

Naqueles tempos, Peter tinha catorze anos e Lucy ainda não havia completado onze. O rei Frank estava enfermo pela idade e se aproveitando da vulnerabilidade, Jadis decidiu atacar Nárnia. Acreditando que o jovem príncipe não poderia ser palio para ela por conta da pouca idade e falta de experiência, a Feiticeira avançou com força total e qual não foi a sua surpresa quando se viu encurralada em pleno campo de batalha por aquele garoto.

Peter tinha um talento notável para batalhas e era um general brilhante. Logo o exército de Jadis estava batendo em retirada e a Feiticeira se viu tão humilhada que jurou vingança ao príncipe e também a preciosa princesa Lucy.

Jadis voltou para Charn e passou a maquinar um plano muito bem bolado para acabar de uma vez por toda com a família real de Nárnia. Era sabido que Peter logo estaria em idade de arranjar uma noiva e todos os conselheiros do rei estavam vasculhando os reinos visinhos em busca de uma candidata adequada para o posto de rainha.

Jadis sabia exatamente quem seria a candidata ideal. A princesa Susan, filha do rei de Telmar, era conhecida por todos como a jovem mais bonita do mundo. Príncipes e reis se metiam em brigas ferrenhas na esperança de obter sua mão em casamento, mas ela se recusava a aceitar qualquer pretendente. O pai da garota estava nas ultimas e quem subiria ao trono era seu irmão mais jovem, Edmund, que não via com bons olhos as recusas da irmã.

Tão logo Edmund fosse rei, daria um jeito de casá-la e de preferência com o pretendente mais rico que pudesse encontrar. Nárnia não era um reino tão rico quanto a Calormânia, por isso todos já contavam como certo o casamento de Susan com Rabadash, o filho mais velho do Tisroc. A mera idéia deixava a princesa nauseada.

O plano de Jadis consistia em jogar um feitiço em Peter e na princesa Susan. O príncipe de Nárnia se apaixonaria por ela de tal modo que se recusaria a aceitar qualquer outra noiva que não fosse ela e Susan, por sua vez, sentiria tanto asco de Peter que se recusaria até mesmo a encará-lo. Tomado de amores pela princesa telmarina, o rapaz ficaria incapaz de sentir qualquer atração por outra mulher e conseqüentemente jamais teria filhos para herdarem o trono.

Ainda que Edmund entregasse sua irmã ao príncipe de Nárnia, a garota teria tanto pavor da idéia que acabaria cometendo suicídio antes que Peter pudesse tocá-la e sua morte levaria o jovem noivo a loucura. Sem herdeiros e com uma irmã tolinha impedida de assumir e incapaz de levar o exercito de Nárnia ao campo de batalha, o trono pertenceria à Jadis sem esforço. Só por garantia, a Feiticeira lançou um feitiço em Lucy para que a princesa, mesmo quando chegasse a vida adulta, não sangrasse e para efeitos de lei fosse considerada uma criança eternamente.

A Feiticeira plantou nos sonhos de Peter a imagem perfeita do rosto de Susan e quando ele despertou na manhã seguinte, comunicou a todos que somente se casaria com a princesa de Telmar. O rei Frank enviou seus emissários ao velho rei telmarino e as negociações começaram.

Quando Susan foi informada, todo palácio pode ouvir seus berros indignados proferindo palavras que jamais deveriam ser ditas por lábios reais. Ficou de tal modo transtornada que chegaram a convocar o médico para examiná-la, acreditando que a garota estava fora de seu juízo normal.

Diante de tal reação, o rei Frank tentou convencer o filho a tomar outra jovem por esposa, mas Peter estava irredutível e chegou a se tornar violento diante da sugestão. Nem mesmo Lucy conseguiu acalmá-lo e os emissários reais não viram outra solução se não insistir nas negociações.

O processo se estendeu por anos até que tanto o rei de Nárnia, quanto o rei de Telmar estavam mortos. Peter agora era o Grande Rei de Nárnia e podia se orgulhar de sua aparência de jovem impetuoso, belo e robusto, no auge de seus vinte anos. Edmund também foi coroado e havia se tornado um rapaz de inteligência aguçada e rosto bem feito que sempre denotava um tom ou dois de mistério e perigo, mesmo para alguém que ainda não havia completado dezoito anos.

A esta altura, todos os conselheiros reais de Nárnia estavam apavorados com a idéia do Grande Rei ainda não ter filhos e da princesa Lucy ainda não ter apresentado o definitivo sinal de sua vida adulta, mesmo tendo corpo de mulher feita.

Peter, farto de todas as tentativas frustradas de conseguir a mão de Susan, decidiu que era hora de demonstrar suas intenções de forma definitiva. Montou uma comitiva real e zarpou em direção a Telmar a bordo do navio Peregrino da Alvorada, enquanto sua irmã, com a ajuda do fauno Tumnus, se encarregava de comandar o reino na condição de Regente.

O Grande Rei de Nárnia se apresentou diante do Rei Edmund, um mês após sua partida. O rei mais jovem encarou seu real convidado com curiosidade e algum interesse, já que Peter havia levado presentes esplendidos consigo para agradar seu anfitrião.

Quando soube da presença de Peter, Susan se trancou no quarto e se recusava a sair de lá enquanto berrava para quem quisesse ouvir o que pensava a respeito de seu pretendente. Edmund se sentiu constrangido pelo comportamento da irmã e diante de tamanha insubordinação ele chegou à conclusão de que era hora da casá-la, fosse com Nárnia, fosse com a Calormânia. Aquela mulher desvairada não continuaria a importuná-lo.

Edmund convidou o Grande Rei para ter com ele uma conversa em seu gabinete particular e Peter concordou. Sentaram-se um de frente para o outro, de forma avaliativa, até que o rei de Telmar quebrou o silêncio.

- Sabe que tenho grande apreço por Nárnia e sempre o considerei como um irmão. – Edmund falou de forma educada e pouco sincera, era um político nato – Entretanto, são tantos os pretendentes de minha irmã que eu me vejo obrigado a perguntar o que meu caríssimo amigo tem a oferecer em troca do privilégio de tê-la como esposa? – Peter se endireitou na cadeira e tentou parecer calmo.

- Isso seria extremamente benéfico, majestade. – Peter disse seguro – Temos os mesmo inimigos, somos nações poderosas e praticamente vizinhas. Não pensa que seria extremamente vantajoso ter laços permanentes com Nárnia, justamente quando a Calormânia se mostra tão belicosa contra nossas terras?

- Vantajoso, sem dúvida. Mas eu poderia evitar uma guerra simplesmente casando Susan com Rabadash. – Edmund rebateu de forma astuta. Peter já não se sentia tão confortável – Além do mais, minha irmã não fez questão de guardar seus pensamentos a respeito de meu caro amigo. Ela o odeia, odeia ainda mais a idéia de se casar com o Grande Rei de Nárnia, então por que eu deveria prendê-la em um casamento infeliz? Sou um homem preocupado com o bem estar de minha família.

- Sinto que tudo o que preciso é de uma chance para convencer a princesa de que sou um homem bom e totalmente dedicado a ela. Talvez toda resistência não passe de medo baseado em boatos sem sentido, ou excesso de romances açucarados. Não sei o que as damas vêem nessas coisas, mas sei que minha irmã tem idéias bem inadequadas quanto ao amor. – Peter disse seguro – Além disso, casada com Rabadash, sua irmã seria apenas mais uma esposa e esta seria uma aliança fraca, mesmo que ela desse um filho a ele. Rabadash já tem seu herdeiro e pelo menos mais cinco concubinas prontas para parirem bastardos. Casando-se comigo ela se tornará Grande Rainha, meus herdeiros seriam seus sobrinhos. Pense no quão vantajoso isso seria.

- A Arquelândia já fez propostas parecidas. Sinto muito, majestade. Ainda não me convenceu de que é o melhor para minha irmã. – Edmund disse calmo. Era hora de Peter apelar para seu ultimo recurso. Era uma tentativa desesperada.

- Mas há algo que a Arquelândia não poderá oferecer. – Peter disse firme – Meu caro amigo também não é casado e, como é pertinente a homens de nossa posição, precisa de uma rainha e herdeiros o quanto antes. Lune não tem filhas e não é costume dos calormanos casarem suas filhas com estrangeiros.

- O que sugere? – Edmund agora parecia interessado de verdade.

- Estou oferecendo a Telmar uma noiva de sangue real. – Peter disse – Minha amada irmã, a princesa Lucy, já está em idade de casar e se meu bom amigo me conceder a mão da princesa Susan, será minha maior felicidade entregar em troca a mão de Lucy.

Edmund emudeceu e passou a encarar seu convidado como um gato. O Grande Rei tinha razão. Telmar ainda não tinha um herdeiro imediato e o povo queria uma rainha. Nenhum dos conselheiros foi capaz de apontar uma jovem que pudesse servir bem ao papel, ou pelo menos nenhuma que o agradasse.

- E como é a dama? Conte-me sobre sua amada irmã, meu caro amigo. – Edmund disse de forma contida.

- Imagino que tenha ouvido os rumores. Lucy completará quinze anos em breve e é a jovem mais amável e carinhosa que pode imaginar. Tem bom temperamento, é divertida, educada e uma moça bonita. – Peter sorriu confiante – Ando tendo problemas com um ou outro guarda que anda sonhando acordado com ela.

- Imagino que ela não veja a idéia de casamento de forma tão terrível quanto minha irmã. – Edmund sondou. Tudo o que não precisava era de outra mulher desequilibrada como Susan.

- Lucy é uma boa garota que conhece seus deveres. Creio que ela está disposta a se apaixonar por qualquer rapaz que lhe faça alguns elogios e mande flores. Estou certo de que não terá problemas com ela. – Peter lançou ao seu anfitrião um sorriso confiante.

- Então acho que tenho um cunhado. – Edmund disse após uma breve ponderação – E que Aslan lhe dê disposição para lidar com Susan. Os céus sabem que você vai precisar.

Aquele foi um acordo que Peter consideraria satisfatório, eliminando dois grandes problemas de um só golpe. Acabara de conseguir uma rainha para si e providenciou um marido para sua irmã, o único problema seria não mencionar o fato de que Lucy era, em termos práticos, ainda uma criança.

As servas insistiam que Lucy era saudável e não deveria tardar a ter seu primeiro ciclo. Nos últimos quatro anos havia escutado aquilo com freqüência, mas até então o corpo dela não havia dado qualquer sinal. De qualquer modo ele considerava aquela uma questão de tempo e uma vez que ambos os reis estivessem casados, não haveria porque desmanchar o acordo.

E foi assim que Nárnia e Telmar se tornaram terras irmãs, ou pelo menos este é o começo da história. O que vocês não sabem é o que eu vou lhes contar agora.

Nesta conta peculiar, Edmund era o único livre de um feitiço porque Jadis o considerava tão egoísta e mesquinho que simpatizava com o garoto por isso. Em uma eventual invasão a Nárnia, se ela oferecesse a ele um bom acordo, Edmund faria o que a Feiticeira quisesse.

Isso era bem verdade. Edmund não amava nada nem ninguém além de si e do poder que tinha na posição de rei. A idéia de ter uma rainha só não era desagradável porque as leis telmarinas restringiam, e muito, o papel das mulheres na família real. Quando a princesa Lucy chegasse a Telmar ela daria de cara com um noivo arrogante, egoísta, prepotente e que estava determinado a tratá-la como um objeto decorativo, se a achasse digna de tanto.

E a pobre princesa Lucy foi comunicada da decisão do irmão e mandada para Telmar. É claro que Peter a orientou para mencionar a "pequena questão física" apenas quando a cerimônia estivesse finalizada. Realizados os preparativos para a viagem, a jovem se despediu de sua terra natal e seu amado irmão, para então partir para a misteriosa Telmar.

Enquanto isso, Susan promovia cenas homéricas e constrangia toda corte com seus acessos de fúria. Berrava para quem quisesse ouvir (e mesmo quem não queria acabava ouvindo também) que preferia se deitar com um cavalo a ser esposa do Grande Rei de Nárnia. Quanto a isso, Edmund se limitava a encarar a irmã com ar de desprezo e depois ignorava tudo o que ela dizia.

- Você é um cretino desalmado. Um bastardo cruel! – ela vociferava.

- Cruel ou não, eu uso a coroa e enquanto isso acontecer fará o que eu mandar. – ele dizia aborrecido – Sinto dizer que você não tem voz ativa nesta questão, maninha.

E isso bastava para que ela tivesse um motivo para destruir o quarto inteiro, ou agredir um guarda, ou gritar com uma dama de companhia. No fim das contas não adiantou de nada. Edmund mandou que dopassem a irmã e então dois homens a levassem na calada da noite para o navio que a levaria para Nárnia, junto com suas damas de companhia. A embarcação zarpou enquanto a princesa dormia e quando ela acordou...Bem, eu não queria estar na pele da tripulação.

Susan continuava agindo no navio da mesma maneira que agia em casa quando o assunto era o casamento com Peter. Podem pensar que ela era uma princesa mimada e egoísta, sem qualquer refinamento, mas isso não é verdade. Apesar de seus ataques, a garota era uma boa pessoa, que se preocupava com seu povo, seu país e até mesmo com seu ingrato irmão. Suas damas de companhia a adoravam, quando ela não estava gritando com ninguém.

Lucy, por sua vez, estava resignada. Sempre soube que esse dia chegaria e confiava em Peter o bastante para crer que ele havia lhe arrumado um noivo gentil e bondoso. Todos confirmaram o fato de que Edmund era um rei bem jovem e isso foi um alívio tremendo. Seu maior medo era ser entregue a um homem com idade para ser seu avô.

As damas repetiam para Lucy os boatos a respeito de Edmund. Falavam de sua instrução e vasto conhecimento, suas habilidades em batalha e de sua aparência. Talvez ele não fosse obviamente belo como o Grande Rei, mas tinha algo que o tornava atraente. Assim Lucy foi se iludindo com a idéia de um cavaleiro em armadura brilhante que arrebataria seu coração quase que instantaneamente.

Em Nárnia, Peter aguardava sua noiva ansiosamente. Sonhava com ela todos os dias. Havia mandado construir o mais lindo jardim imaginável, com flores variadas e uma grande quantidade de estátuas de mármore para que Susan tivesse um lugar bonito para passear e tomar chá. Gastou fortunas para providenciar jóias e roupas novas para ela, peças que encheriam os olhos até mesmo das exóticas princesas calormanas. Ele estava disposto a fazer qualquer coisa por ela, mesmo quando as notícias a respeito do comportamento da noiva se tornaram alarmantes.

Enquanto isso, em Telmar, o rei Edmund esperava muito pouco de sua noiva. Queria que ela fosse bonita, conveniente e de preferência muda. Viver com Susan debaixo do mesmo teto por tantos anos havia sido uma experiência traumatizante para ele e tudo o que o rei não queria era mais uma histérica para lhe atormentar a paciência. Não se via apaixonado pela futura esposa, tão pouco tinha qualquer esperança quanto a isso, mas se Lucy fosse uma garota comportada ele até poderia gostar de passar algum tempo com ela.

É claro que até ai ele não fazia a menor idéia do que estava para acontecer...

Nota da Autora: Mandei o início do capítulo para um amigo meu palpitar e eu sou obrigada a concordar com ele quando disse que é uma história absolutamente normal. Ela não tem nada particularmente inovador e se repararem bem vão ver que eu estou tentando desesperadamente escrever algo no melhor estilo "Mamãe Ganso", ou seja, minha tara por contos de fadas sombrios está mais uma vez acabando com a minha vida. O espírito da coisa é "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão". Os personagens serão mais ensaboados que roupa lavada com OMO e acho que a única com possibilidade de ser santa é a Lucy (conte uma novidade). Se eu fosse classificar esta história, diria que ela é um "conto de fadas mexicano".

Me segurem! Minha veia dramática está atacada XD.

Bjux

Espero que gostem.