"Este lugar me é familiar."
A dor...
A dor?
Apenas ira, talvez.
Quando tudo o que lhe restava era um coração vazio tomado pelo ódio agonizante, o que poderia fazer senão ferir?
Matar.
Matar.
Matar.
As lembranças nunca foram seu forte desde que deixara de ser um rato para se tornar um lobo — ratos comem apenas migalhas, lobos adoram presas maiores...
O sangue era o tempero.
O sangue em seus olhos dizia isso...
O sangue em suas mãos lhe provava. Ele o provava.
Quanto mais sangue, melhor, quanto mais dor, mais ira. Quem mais traria a máxima satisfação senão aqueles que o transformaram em tal aberração? Quem o dera tanta ira ao ponto de lhe destruir o próprio coração?
"Você sabe o que fez... Vocês criaram um monstro!"
Estava sem rumo, desenfreado e tudo era gatilho para sua fúria... Mas não era o único, não em Zaun.
Havia também um gatilho desenfreado.
Um buraco como Zaun, sob a magnificência de Piltover, era lotado de ratos — não somente os roedores —; homens conseguiam ser ainda mais sujos. Ali, uma simples rosa jamais florescia e da roseira se teria apenas os espinhos.
Beleza era para Piltover, Zaun era somente o resto sob a fumaça da grande cidade.
Uma criança corria frente aos seus caninos e caóticos olhos em meio à fumaça de um passado esquecido. Warwick mastigava algo, carne. Sequer dera-se o trabalho de lembrar qual de todos havia sido... Talvez mais um ladrão ou um pobre coitado que tivera a má sorte de cruzar seu caminho.
"Todos os caminhos levam a mim. Posso sentir o cheiro de sangue."
O cabelo da pequena balançava solto ao vento, efêmero, céu azul evanescente. A menina era delicada, deveria ser amável, deveria ser inteligente...
"Eu estou louco. Estou louco... Mas eu a conheço."
Deveria ser algo de sua cabeça, algo que não saíra de sua mente, não totalmente. Algo que ainda faria a ovelha se esconder sob a pele do lobo e não o contrário... Os olhos da criança cruzaram-se com os da besta. Ele a vira antes, sabia... A matara?
"Você estava lá…"
"Me deixe esquecer…!"
Havia ainda um coração humano, ainda que não físico.
Embora as lágrimas não mais existissem — aquelas matariam quem tentasse limpá-las — ele chorava. Não entendia porque estava se sentindo assim, ou porque estava sentindo algo tão diferente e sufocante, quente.
Piltover explodia frente sua visão, ao longe, enquanto uma mente neurótica ria e gritava para as autoridades, agitando a arma com que falava; mas tudo o que Warwick conseguia pensar era em sua solidão. Talvez ainda precisasse esperar.
Esperar que alguém coçasse atrás de suas orelhas...
E talvez — quem sabe — somente com ela pudesse ser um bom menino...
Mas assim que sentisse o cheiro de sangue novamente a esqueceria uma vez mais.
