*********************************** Cap 39 Ops! ... Eu fiz de novo ****** ********** ************
- Camus! Camus, fala comigo, mon amour !
De joelhos no chão enquanto sustentava o tronco do noivo sobre suas coxas, Afrodite o chamava dando batidinhas folhas em seu rosto.
- CAMUS!
Ao lado deles, pálido feito um fantasma, Hyoga chorava sem conseguir controlar o desespero.
- Por que ele tá tão gelado, mamãe ? Por que ele não acorda? - perguntou ele aos soluços sem tirar os olhos do rosto inerte do pai.
- Eu não sei - respondeu Peixes sentindo a corrente elétrica e fria do pânico percorrer seu corpo todo. - CAMUS!
- Ele não está respirando? - Hyoga gritou exasperado. Tinha os olhos arregalados e vidrados cravados no peito imóvel do aquariano.
- Eu ... eu não sei, eu ... - Afrodite respondeu fazendo um esforço violento para ele mesmo não sufocar, já que o pavor lhe fazer o prender a respiração, então olhou para Hyoga e tentou ser o mais rápido e claro que conseguiu: - Petit , preciso levar-lo a um médico ... ele não pode ficar aqui. Depressa, pegue os meus óculos escuros e o meu chapéu. Estão na penteadeira.
Antes de terminar de falar Afrodite já se levantava do chão trazendo Camus consigo no colo, enquanto Hyoga de pronto corria até a penteadeira. Quando o garoto já regressava com os objetos nas mãos, Peixes flexionou os joelhos e inclinou-se para que ele os colocasse em si.
- Maman , não é melhor chamar uma ambulância? - perguntou Hyoga enfrentando certo esforço em encaixar os óculos no rosto da "amazona", visto que tremia descontroladamente, além do corpo grandalhão e inerte do pai no colo dela lhe dificultar a tarefa.
- Não dá tempo - respondeu Afrodite - eu chego mais rápido se o levar nos braços. E você vai me esperar aqui, ok?
- O quê? Não! Eu quero ir com você! - protestou ele.
- Eu sei que quer, mas não posso leva-lo porque não posso arriscar que algo aconteça com você também, então vai ficar aqui - disse o sueco endireitando a postura, já com o disfarce completo: - Não saia de casa e não vá atrás da gente, entendeu?
Aos soluços Hyoga fez que sim com a cabeça.
- Ele vai ficar bem, eu prometo para você que ele vai ficar bem ... eu ... eu ligo para você daqui a pouco.
Afrodite lançou um último olhar cheio de pesar para o rostinho apavorado de Hyoga antes de desaparecer diante dele como num passe de mágico.
Há anos, desde que Hyoga entrara em suas vidas e Afrodite aceitou manter a farsa e assumir de vez o papel de "mãe", Camus o tinha instruído em uma porção de regras a serem cumpridas rigorosamente porque delas dependia a segurança e o bem estar do garotinho . Muitas dessas regras sem surpresa alguma Afrodite já tinha quebrado algumas vezes, como tirá-lo da escola para leva-lo para passear, entupi-lo de doces e guloseimas, fazê-lo perder uma noite toda de sono por ficarem assistindo televisão ... Mas havia uma regra que Peixes jamais se esquecera, tampouco cogitara descumprir. Hyoga era um membro da Vory v Zakone, e não apenas um membro qualquer, mas o filho único do líder máximo, uma moeda de ouro numa pilha de moedas de latão, um coelho no território de raposas. Mesmo que por vezes lhe preocupa e entristecesse, Peixes tinha que aceitar que a vida dos dois homens que mais amava no mundo tinha uma peculiaridade indigesta; a cabeça de ambos estava constantemente um prémio. Fossem visados por facções rivais ou pela polícia, a verdade era que o perigo estava sempre à espreita, onde quer que fosse, e o fato de serem cavaleiros com poder de rasgar os céus e criar universos não lhes permitiam baixar a guarda, visto que ele mesmo já quase morrera pelas mãos de meros civis, muito bem organizados e articulados, mas ainda assim meros civis. Milo, nem Kanon, teve a mesma sorte ... e o fato de serem cavaleiros com poder de rasgar os céus e criar universos não lhes permitir baixar a guarda, visto que ele mesmo já quase morrera pelas mãos de meros civis, muito bem organizados e articulados, mas ainda assim meros civis. Milo, nem Kanon, teve a mesma sorte ... e o fato de serem cavaleiros com poder de rasgar os céus e criar universos não lhes permitir baixar a guarda, visto que ele mesmo já quase morrera pelas mãos de meros civis, muito bem organizados e articulados, mas ainda assim meros civis. Milo, nem Kanon, teve a mesma sorte ...
A regra que Afrodite jamais quebraria era justamente a que Camus criara para atestar a saúde ea vida de Hyoga, e que dizia que na eventualidade de qualquer urgência médica em Moscou, Afrodite jamais deveria levar Hyoga à um hospital comum, mas em um pequeno hospital chamado Zorkin, construído no extremo norte da cidade, o qual era financiado pela Vory v Zakone e que existia somente para atender às demandas da máfia. Tudo custava muito dinheiro, é claro, em especial as propinas pagas ao governo russo para manter a polícia fora do caminho, mas dinheiro nunca fora do problema para Camus.
Quando surgiu diante das portas de vidro do Hospital Zorkin, Afrodite como empurrou com o pé calçado no salto finíssimo e entrou nas pressas já correndo em direção à recepção, com Camus em seus braços; e nessa hora não houve uma viva alma ali que não tinha parado o que fazer para lançar um olhar cheio de espanto e curiosidade para a cena, afinal não era todo dia que se via uma mulher elegante e tão bem vestida carregar sozinha nos braços, e com aparente e espantosa facilidade, um homenzarrão como aquele.
Ignorando os olhares sobre si, em completo desespero Peixes pediu ajuda aos recepcionistas, que só foram despertas do choque - elas ainda tentavam entender como uma dama como aquele carregar um homem daquele tamanho - quando ele disse o nome do paciente.
Então o cenário todo mudou em segundos.
Com os olhos arregalados e em sobressalto, enquanto a primeira moça já corria para fora do balcão para acionar uma equipe interna de enfermagem, uma segunda recepcionista imediatamente passou a mão no telefone e um único número. Segundos depois ela repetiu o nome do paciente com visível apreensão e espanto, depois não tinha nem bem devolvido o telefone ao gancho quando do corredor principal que levava às instalações internas do hospital a porta de duas folhas se abriu e por ela passou uma junta inteira de paramédicos e enfermeiros trazendo uma maca.
Camus foi colocado na maca às pressas, e nessa hora ninguém deu muita atenção a Afrodite, além de lhe fazerem as perguntas protocolares para os primeiros socorros, como o que havia acontecido, quanto tempo levara até chegarem ali e outros interrogatórios de praxe. Com o pouquíssimo que tinha assimilado aqueles anos todos do idioma russo, já que nunca tivera interesse de fato em aprender aquela língua, Peixes respondia às perguntas entre soluços e gaguejos, mais gesticulando do que usar palavras, enquanto os acompanhava a caminho do corredor. Mas ao chegaram lá eles seguiram levando Camus para dentro e sua entrada foi barrada.
Afrodite protestou, and enlouquecido estava prestes a arremessar para longe qualquer um que detivesse sua passagem quando uma voz grave atrás de si que o fez virar no ato para ver de quem se tratava:
- Você é uma tal namorada do chefe ?
O termo namorada foi propositalmente escolhido para não parecer rude logo numa primeira impressão, já que não era assim que eles, os homens de confiança de Camus, uma elite, chamavam a misteriosa mulher que o acompanhava em restaurantes caros, eventos públicos e que, pelo jeito, tinha passe livre em sua mansão.
Antes de responder, e dado o porte elegante e a fisionomia dura e intimidadora, isso sem falar nas icônicas tatuagens usadas pela máfia que cobriam ambas as mãos e a parte do pescoço que ficava acima do colarinho da camisa chumbo de linho, Afrodite já imaginou que aquele era o homem a quem Camus recomendara procurar no caso de alguma urgência. O diretor daquele hospital.
- Fred? Doutor Fred? - perguntou ele agitado correndo rapidamente os olhos pela figura grandalhona dentro de um jaleco branco, alguns bons tamanho maior e mais largo que si. O cabelo era de um cinza lustroso, quase loiro, volumoso na frente e bem curto atrás, o qual emoldurava o rosto de galã de cinema que era enfeitado por uma barba avultada caprichosamente bem feita e por um par de olhos de um verde indistinto.
O homem por sua vez, ousou fazer o que nenhum dos outros cinco capangas mais próximos a Camus se atrevera até então, ele se aproximou e olhou para Afrodite sem se preocupar em parecer indiscreto ou soar invasivo, separando o analisando. Ele inclinou-se para o lado enquanto descia os olhos até suas coxas nuas roliças, e depois de se demorar mais do que deveria por ali os subiu de volta para a cintura fina demarcada pelo corte do vestido e em seguida para os "seios" pequenos, então nessa hora suas sobrancelhas ergueram-se formando dois arcos idênticos e fazendo aparecer três vincos em sua testa.
Preocupado com o que ele poderia estar vendo que lhe demandava tanta atenção e comoção, Peixes recuou um passo e cruzou os braços. O olhar incômodo do homem então subiu até seu rosto e estacionou na boca rosada antes de finalmente focar na sombra dos olhos aquamarines por detrás das lentes escuras de óculos.
- Fredek ... Fredek Gorky Stepanov. Sou diretor desse hospital e médico particular do Camus - disse ele muito sério estendendo a mão a Afrodite, o convidando a um cumprimento formal, o qual foi aceito no ato, ainda que com aparente receio. - O que dizem sobre você é ... a mais pura e sincera verdade!
Fredek sorriu discreto, e nem esperou que Afrodite dissesse algo em resposta, logo soltou sua mão e percebendo que "a moça" parecia não ter entendido bem o que havia dito, ele mudou o idioma e em inglês lhe pediu para que esperasse ali sem causar tumultos para não chamar atenção de ninguém, então seguiu para dentro do corredor às pressas.
A firmeza e autoridade com que Fredek dirigiu-se a si, estranhamente fez Afrodite intuir que podia confiar nele, ou melhor, que podia confiar Camus a ele, mas não apenas aquela primeira impressão lhe causou tal intuição, o noivo já havia lhe falado muito bem de Fredek Gorky Stepanov incontáveis vezes, dito que igualmente, e junto dos cinco homens que escolhera como seus sicários particulares, ele também lhe devotava lealdade cega, pois que além de ser muito bem pago Fredek lhe uma tinha dívida de vida.
Com o desespero e o pavor a lhe fazerem experimentar um gosto amargo na boca, tão seca que era como se tivesse comido areia, e sem ter o que fazer ali de pé em frente à porta de vidro daquele corredor, Afrodite recuou alguns passos e olhou em volta. Embora o local fosse bem grande, havia uma curiosa falta de janelas, como preparo que eram pequenas e bem no alto, talvez para no caso de haver alguma invasão ou troca de tiros entre facções rivais da máfia, ele complementado. Era pouco arejado, tinha um cheiro enjoado de éter, e diferentes dos convencionais como paredes eram pintadas de um azul berrante; também faltavam flores e havia um excesso de cartazes e quadros pregados nas paredes.
Sem que ele percebesse, uma das recepcionistas aproximou-se e gentilmente o convidou à uma das salas de espera ali perto. Felizmente essa era menos poluída visualmente, então lá ele se sentou num dos confortáveis sofás de couro branco e assim que foi entregue sozinho apoiou os cotovelos nas coxas nuas, tirou os óculos escuros e cobrindo o rosto com ambas as mãos chorou.
A cada soluço sufocado ele pedia perdão, perdão a Camus, perdão a Hyoga. A cada espasmo que seu corpo sofria ele rogava à Atena que não permite que Camus morresse.
Não lista forma. Não por sua culpa.
O medo terrível de perder a pessoa que mais amava em sua vida crescia a cada segundo transcorrido e o sufocava. Como pôde ser tão ingênuo em cogitar que poderia viver longe daquele homem? Como pôde pensar que poderia deixar-lo? Mas também, como continuar vivendo com ele sem mata-lo de nervoso ou de desgosto?
Afrodite oferta muitas coisas enquanto esperava, e quase duas horas depois, enquanto aflito ele andava em círculos segurando o chapelão e os óculos escuros nas mãos, doutor Fredek entrou na sala.
Logo que o viu ali, Peixes rapidamente colocar os acessórios - não tão rápido que não possui dado tempo de Fredek reparar nenhum tom peculiar de seus cabelos azuis e também no hematoma em torno de seu olho.
- Como ele está? - Peixes cortados correndo até ele, arranhando um russo esquisito que deixava em evidência o sotaque sueco misturado com grego que tornava sua fala cômica e um tanto incompreensível.
Antes de dizer qualquer coisa Fredek fez um gesto o convidando a se sentar, depois ele mesmo acomodou-se no sofá procurando uma posição confortável.
- Você fala inglês ? - perguntou ele, e Afrodite respondeu na mesma hora com um aceno positivo - Ótimo, porque tenho muitas coisas a dizer. Como é o seu nome, moça ?
Afrodite sentou-se apressado na beiradinha do acento de frente para ele.
- Tá falando sério, bonita? Nós vamos falar de mim ou vamos falar do seu chefe? - Ele alterado alterado.
Fredek arregalou os olhos surpreso. Não estava acostumado com mulheres de temperamento impositivo.
- Certo ... eu só quero saber como devo me dirigir à acompanhante do meu Vor - explicou ele com um sarcasmo quase imperceptível.
- Acompanhante é o meu ... - fez uma pausa obrigatória cobrindo a boca com os dedos para não falar besteira e ao mesmo tempo se situar ao terreno em que estava pisando, afinal, enganar uma criança de dez anos e um mordomo idoso era uma coisa, já enganar um homem como aquele era outra. Não podia cometer nenhum deslize ali, então achou melhor falar o mínimo possível, tanto para não dizer o que não deveria quanto para não dar pinta: - Britney ... Pode me chamar de Britney.
Falou o primeiro nome que lhe veio à cabeça.
Os olhos verdes do médico percorriam compenetrados a figura curiosa à sua frente, que estava visivelmente aflita.
- Muito bem, senhorita Britney - disse ele com um sorriso um tanto irônico, enquanto cruzava as pernas e se acomodava melhor no sofá. - Até onde eu sei , você é a dama com quem Camus têm uma relação íntima já há alguns anos, correto?
Afrodite confirmou com um aceno apenas.
- E a senhorita sabe o que, exatamente, sobre ele? Pergunto isso porque dessa informação depende o modo como explicarei a você o que aconteceu a ele.
Peixes engoliu em seco, mas decidiu não esconder nada para que Fredek pudesse lhe relatar todos os detalhes.
- Eu sei que ele é o poderoso chefão, tá? E eu sei que ele faz parte de uma Ordem Militar secreta com endereço secreto na Grécia que serve a uma divindade reencarnada, e que por isso tem superpoderes, ou seja, eu sei de tudo. Pode me dizer exatamente o que houve que eu vou entender.
Fredek o princípio abismou-se com aquela informação. Quando fez uma pergunta a ela esperava que Camus apenas tinha dito que tinha ligações diretas com o crime organizado russo, mas aparentemente a relação que ele mantinha com aquela figura curiosa era bem mais íntima e concreta do que qualquer um dentro da Vory v Zakone imaginava . Contudo, sem tempo para ponderar isso ou aquilo a respeito, ele apenas respirou fundo e apoiando os cotovelos nas coxas começou:
— Bem, já que está a par de tudo então serei breve e sucinto. Camus sofreu um infarto.
O rosto de Afrodite ficou lívido.
— Dadá sobre as águas! — Ele exclamou com os olhos arregalados, espalmando ambas as mãos sobre as próteses em seu peito. Seu desespero só não era maior porque desde o ocorrido vinha monitorando o Cosmo de Aquário, que embora estivesse muito fraco ainda se mantinha ativo e conectado ao seu.
— Na verdade, Camus chegou aqui já com um quadro confirmado de parada cardíaca, porém ele foi muito sagaz e provavelmente quando percebeu o que estava acontecendo, e que não conseguiria reverter ou mesmo evitar que seu coração colapsasse, ele reduziu a temperatura do próprio corpo para um estado de hibernação, ou seja, ele paralisou todo seu metabolismo segundos antes de seu coração de fato parar — explicava Fredek. — Essa manobra felizmente foi o que nos deu tempo para pensar no que poderia ser feito no caso dele, um paciente diferenciado, então decidimos primeiro por aquece-lo e infundir fluidoterapia com trombolíticos até que seu organismo atinja uma temperatura próxima ao ideal, depois então realizaremos um cateterismo seguido de uma angioplastia para desobstrução da artéria... Esse processo pode levar horas, por isso sugiro que vá para casa e volte amanhã.
O coração de Afrodite naquela hora parecia ser a única coisa em seu corpo que se mexia; batia com tanta força que olhos atenciosos poderiam ver os bordados do vestido sobre seu peito pulsarem. O espanto e o medo tinham paralisado todo o resto. Um infarto? Ele se questionava sobre como um homem, um cavaleiro, tão forte como Camus poderia ter sofrido um infarto, e no ato sua mente, sempre totalmente parcial, ofertou-lhe várias respostas válidas; culpa do cigarro, do uso recorrente de cocaína, culpa da vodca russa...
Mas logo uma lembrança relampejou em sua memória e ele percebeu que aquelas respostas eram meros escapes, ainda que válidos, já que a maior fraqueza do coração de Camus era ele, Afrodite, e agora não mais apenas no sentido figurado. Mu já o havia alertado anos atrás, no episódio absurdo em que mandou uma calcinha de presente para Camus no churrasco de noivado de Saga e Geisty, causando no aquariano um mal súbito que felizmente não teve consequências mais graves naquela época.
— Britney? — Fredek chamou sua atenção vendo que parecia em choque.
— Oops! Eu fiz isso de novo! — as palavras pareciam ter escapado da boca de Afrodite.
— O quê? — O médico o questionou vendo que somente seus lábios se moviam enquanto todo o resto continuava imóvel, a não ser pelos olhos, que via brilhantes por trás dos óculos escuros. — O que você fez de novo, Britney?
Afrodite olhou para ele, sem piscar, sem respirar, sem se mover.
— Eu brinquei com o coração dele... — fez uma pausa e finalmente piscou os olhos e respirou fundo antes de continuar: — Digo... eu não queria isso, porque coração não é brinquedo, mas... Dadá misericordioso, qual é o meu problema?
Muito nervoso Peixes se levantou de supetão e o oposto do que era segundos atrás agora andava em círculos chacoalhando os braços e dando soquinhos contra o próprio peito.
Fredek também se levantou, curioso e confuso com a reação da "mulher".
— Senhorita Britney, há algo que queira me dizer? Por que diz que brincou com o coração dele? Vocês tiveram alguma discussão? Qualquer informação que der ajudará no processo de recuperação dele.
Afrodite virou-se para ele sobressaltado.
— Não! — respondeu com um grito de desespero. — Não há nada que eu queira dizer porque isso nunca me aconteceu antes, você entende? Mas agora está acontecendo de novo!
Desconcertado Fredek comprimiu os lábios e coçou o queixo.
— Não, eu não estou entendendo nada, mas confusão mental é completamente normal numa situação de grande estresse como essa — analisou ele — eu vou prescrever um calmante para você e então poderá ir para casa e...
— Eu não estou estressada! — Afrodite o interrompeu estressado — E também não quero calmante, eu só quero vê-lo. Me deixe ver o Camus.
— Impossível, ele está no CTI aguardando para ser levado para o centro cirúrgico assim que sua temperatura chegar próximo ao desejável para realizar o cateterismo e a angioplastia. Faça o que recomendei. Não adianta ficar aqui agora, vá para casa, descanse... O filho dele já sabe do ocorrido?
O coração de Afrodite deu um novo salto dentro do peito.
Hyoga certamente estaria desesperado em casa sem notícias até aquela hora e certamente necessitava muito mais de sua presença do que Camus ali no hospital.
— Hyoga! — sussurrou sentindo o peito gelar. Como diria isso a ele sem permitir que ele se sentisse tão culpado quanto estava sentindo-se agora?
Afrodite então respirou fundo procurando se acalmar para não tomar nenhuma atitude imprópria.
— Você tem razão — disse ele a Fredek — eu vou até à casa dele e vou avisar Hyoga, mas quero que ligue para lá assim que fizerem o procedimento e que tiver uma resposta concreta do estado dele e... — fez uma pausa enquanto corria até Fredek e lhe agarrava forte o braço — Por favor, por tudo que é mais sagrado na sua vida, não deixe ele morrer.
Fredek ficou tão impressionado com a força com a qual aquela mulher lhe segurava o braço que seu espanto não passou despercebido por Peixes, que o soltou imediatamente.
— Eu não deixarei — o médicorespondeu com uma convicção impressionante e os olhos grudados nas lentes escuras dos óculos de Afrodite. — Vou pedir para que o meu motorista a leve.
— Não é necessário. Nos vemos mais tarde.
Antes mesmo de terminar de falar, Afrodite já tinha deixado a sala e seguido às pressas para a saída. Fredek o acompanhou com o olhar sempre analítico e curioso até que ele cruzasse a porta, então voltou aos cuidados do paciente mais ilustre daquela noite.
Quando chegou à mansão Afrodite encontrou Hyoga e Fyodr sentados lado a lado no grande sofá de veludo carmim da sala principal. Não foi uma tarefa fácil relatar ao garotinho o estado em que o pai se encontrava, porém mais difícil ainda fora convence-lo de que não tivera culpa alguma pelo mal súbito sofrido por Camus, já que Afrodite mesmo tinha assumido toda a culpa para si.
Choraram muito, lamentaram-se, consolaram-se um nos braços do outro, com Fyodr igualmente desesperado procurando nos chás de camomila algum alívio e esperança, e depois de algumas horas, vencido pela exaustão Hyoga adormeceu, porém só se permitiu render-se ao cansaço quando Afrodite lhe prometeu que assim que Fredek ligasse para dar notícias ele o levaria consigo para o hospital para ver o pai.
Depois de colocar Hyoga na cama Afrodite seguiu para a suíte e tomou um banho. Estava desesperado por tirar aquele disfarce incômodo nem que fosse por algumas míseras horas e poder sentir o sangue correr livre dentro de si. Já fazia tantos anos... Por mais que estivesse habituado, sustentar aquelas roupas justas, os enchimentos no peito que esquentavam e o faziam suar, a cinta apertada que lhe afinava a cintura e comichava-lhe o abdome, isso sem falar nos sapatos de salto que causavam dor e faziam seus tornozelos estalarem constantemente, o punham extremamente cansado depois de algumas horas.
Saindo do banho ele esticou o corpo no colchão sobre os destroços da cama, ainda ali no chão, mas não dormiu. Na verdade ainda estava tão chocado e em pânico que mal piscava.
Aos primeiros raiares do dia Afrodite foi até o closet e vestiu-se de Maman Di mais uma vez. Dessa vez escolheu um modelo mais discreto, já que os olhares de Fredek sobre si o tinham deixado bem desconcertado. Cobriu as marcas em seu rosto com maquiagem, prendeu bem o cabelo, calçou os sapatos e só quando foi pegar o chapéu e os óculos na penteadeira foi que notou que havia uma mala encostada na parede ao lado. Curioso a abriu e surpreendeu-se ao vê-la cheia de roupas e acessórios pessoais de Camus. Respirou fundo angustiado, pensando no motivo que tinha levado o noivo a fazer aquela mala.
Teria ele passado mal quando a fazia? Teria ele pensado em deixa-lo também?
Afrodite não ficou ali tentando adivinhar a resposta, ele tinha pressa. Decidido foi até o quarto de Hyoga, o acordou com calma para não assusta-lo e depois o ajudou a arrumar-se para irem juntos ao hospital. Não esperaria ligação nenhuma de Fredek.
Assim que chegaram lá, poucos minutos depois o próprio Fredek veio falar com eles. A princípio ele novamente surpreendeu-se, agora com a visível intimidade daquela mulher com o pequeno Alexei, e também dele com ela.
Camus nunca falava daquela mulher, apenas quando saia o assunto, geralmente da boca de algum homem mais tagarela, era que ele a mencionava, no entanto sempre dando ordens para que a deixassem em paz, pois que sua vida pessoal e amorosa não era assunto deles, portanto não toleraria investigações ou confabulações acerca desta. Tanta discrição e pouca menção sempre fez todos pensarem que se tratava de um relacionamento com pouca importância, mas agora, ali diante dela e do jovem Alexei de mãos dadas, claramente um se apoiando no outro, Fredek via que não. O relacionamento do ruivo com aquela mulher misteriosa era muito mais sério do que qualquer um da Vory supunha.
Passados os cumprimentos formais, Fredek finalmente deu a notícia que ambos esperavam ouvir. Tudo havia corrido como planejado. Ao longo da noite a temperatura do corpo de Camus subiu e eles conseguiram fazer os procedimentos previstos a tempo de evitar o colapso cardíaco, porém seu coração apresentava uma leve arritmia que caracterizava um quadro de insuficiência cardíaca, portanto seria necessário que ele ficasse internado por alguns dias para realização de exames que apontariam o estágio dessa patologia e o possível tratamento.
A realidade atingiu Afrodite como uma marretada dada na nuca.
— Está dizendo que ele... que Camy... tem problema de coração? — Ele perguntou assustadíssimo e incrédulo.
Hyoga estava também tão assustado que tremia.
— Sim. Podemos dizer que de hoje em diante Camus é um paciente cardiopata. Ele terá que fazer uso de medicamentos e acompanhamento médico para o resto da vida — disse Fredek procurando ser o mais claro e sucinto que conseguiu.
— E ele já tinha isso, digo, essa doença, ou... — Hyoga não sabia como concluir a pergunta, pois que em sua ingenuidade de criança era viva a possibilidade do desgosto que causara ao pai por causa do episódio da tatuagem ter sido o que lhe causara a doença no coração.
— Provavelmente sim — explicava Fredek — Você conhece bem o seu pai, jovem Alexei. Eu mesmo já o vi queixar-se de dores no peito algumas vezes, mas toda vez que eu lhe recomendava que fizesse alguns exames ele se negava... O ruivo pode ter, usando uma linguagem popular, o "coração fraco", há alguns anos já, só o que eu posso dizer com toda certeza é que ele não adquiriu essa cardiopatia por hereditariedade ou outras doenças prévias, já que sou seu médico há anos e ele sempre foi muito saudável. Pode ser que nos últimos anos ele tenha abusado muito do cigarro e sofrido altos picos de estresse... Vocês que convivem mais intimamente com Camus, notaram se ele anda passando muito nervoso? Tem parecido irritado?
Afrodite e Hyoga trocaram um rápido e cumplice olhar, comprimindo os lábios. O que não passou despercebido por Fredek.
— Sei que você é um filho exemplar, Alexei. Certamente não foi você quem fez o ruivo sofrer picos altíssimos de estresse — disse ele com sua peculiar intimidade ao se referir ao chefe, depois desviou o olhar para Afrodite e o encarou por alguns segundos antes de continuar: — Temos que concordar que a vida de Camus não deve ser nada fácil, já que estar à frente da Vory é um desafio diário. Isso sem contar os outros problemas e aborrecimentos que ele deve ter em sua vida privada e que não compartilha com ninguém, não acha, Britney?
Hyoga franziu a testa e olhou curioso para Afrodite.
— Britney? — murmurou ele.
— Britney? — Peixes repetiu distraído, mas logo em seguida deu-se conta do deslize e pigarreou ajeitando os óculos no rosto fingindo normalidade, esperando que Hyoga capturasse o recado : — Ah, sim! Sim Britney sou eu, quer dizer... eu... Eu? O que está insinuando, doutor?
Fredek baixou a cabeça devagar para disfarçar o riso que escapuliu de seus lábios.
— Nada. Não estou insinuando nada — disse ele antes de voltar a ficar sério e encarar novamente a ambos. — Bem, sei que devem estar ansiosos para vê-lo, mas terão que esperar até que ele volte da sedação e seja encaminhado para o quarto. Como é um semi leito intensivo, o horário de visitas é breve.
— Vai sonhando que eu vou deixa-lo ficar nesse hospital sozinho — Afrodite bateu duas palmas e disse firme: — Nem que seja para eu dormir no chão, mas ficarei com ele... a menos que...
Iria dizer a menos que Camus não o quisesse ali com ele, nem ali, nem em lugar nenhum, e de novo um frio na barriga e uma sensação de pânico terrível o fez engolir o ar e prendê-lo nos pulmões por longos segundos.
Fredek percebeu a exasperação da "mulher", mas achou por bem não forçar uma situação e de repente coagi-la — os homens da Vory eram peritos nesse quesito — a dizer algo impróprio na frente de Hyoga.
— Bem, acho que posso abrir uma exceção para você, já que se trata do meu Vor— disse ele. — Em todo caso, terão que esperar até que ele acorde para vê-lo. Fiquem à vontade. Assim que autorizar a visita eu mando chama-los.
O médico fez uma pausa de poucos segundos e deixou o hall onde conversavam.
Afrodite e Hyoga, no entanto, ficaram ali sentados lado a lado e de mãos dadas cada um remoendo sua culpa como melhor conseguia, enquanto esperaram os minutos correrem; no final de quatro longas horas finalmente Fredek os veio chamar para verem Camus, que tinha acabado de acordar.
Ainda no corredor, enquanto seguiam para o quarto, Afrodite sentiu sua vontade vacilar por mais de uma vez. Temia que ao ver-lhe ali, toda a raiva, mágoa e desapontamento que tinha causado em Camus viessem à tona e provocassem nele um novo infarto, mas ao mesmo tempo ansiava por olhar pra ele e vê-lo fora de perigo. Seu corpo tremia descontroladamente, ainda que conseguisse disfarçar bem, no entanto não tão bem que Hyoga não conseguisse perceber, por isso o garotinho apertou forte sua mão e antes mesmo que pudesse protestar ou recuar o puxou para dentro do quarto consigo.
— PÈRE!
A voz emocionada de Hyoga irrompeu no cômodo amplo que mais parecia uma suíte de hotel de luxo, não fosse pela parafernália hospitalar toda ao redor do leito do paciente, e assim que a ouviu Camus lentamente virou a cabeça para olhar em direção à porta. Seus olhos avelãs então marejaram ao verem o filho ali correndo em sua direção.
— Hyoga...
A voz de Camus não era mais que um sussurro brando.
Nessa hora Fredek fechou a porta e deixou os três a sós lá dentro. Era o momento da família e ele sabia o quanto esta era importante para o ruivo.
— Père, eu tive tanto medo! — disse Hyoga segurando o choro como o próprio Camus o havia ensinado, porém permitiu-se debruçar sobre o leito e abraçar forte o pai, deitando a cabeça em seu peito como fazia quando era pequenininho e sentia medo de ser deixado sozinho.
— Mon fils... — Camus sussurrou abraçando Hyoga de volta. Sentia-se demasiadamente fraco, ainda um pouco letárgico pelos sedativos, mas com sua mente lúcida como nunca. — Mon petit... que bom que está aqui...
Ainda abraçado a Hyoga, comprazendo-se do calor e do amor daquele contato que tanto bem lhe trazia, Camus levantou os olhos e finalmente olhou para Afrodite parado no fundo do quarto. O bip bip bip do aparelho que monitorava seu coração dolorido tornou-se mais rápido.
Um frio na espinha fez Afrodite encolher os ombros.
Talvez ele não devesse mesmo estar ali.
Já tinha sentido o perfume de rosas e a presença dele ali; na verdade, sentira a presença dele o tempo todo, mesmo inconsciente, pois que o Cosmo do pisciano em momento algum desconectou-se do seu desde que o socorrera na mansão.
Para surpresa de Afrodite, Camus esticou o braço para fora do leito e lhe estendeu a mão.
— Ma Belle... venha. — Ele chamou, e o convite foi seguido de um sorriso sutil.
E nem foi preciso que ele chamasse uma segunda vez.
Com os lábios trêmulos e lágrimas a rolarem pelo rosto maquiado, Peixes correu até o leito, livrando-se do chapelão e dos óculos no caminho, para por fim agarrar-se a Camus e a Hyoga feito uma criança que pede colo desesperadamente.
— Camy me perdoa, me perdoa... — rogava aos prantos, debruçado sobre eles e abraçado a ambos enquanto com cuidado distribuía beijos e mais beijos pelo rosto todo do aquariano.
— Shiii... sou eu que devo pedir perdon a você, peixinha — sussurrou Camus — a vocês dois... Eu non queria ter feito nem dito nada do que disse... Perdon.
Surpreso Hyoga levantou a cabeça e olhou para o pai. Encontrou os olhos dele marejados, então nessa hora Camus segurou na mão dele e a virou com a palma para cima, expondo a tatuagem em seu pulso.
— A sua pequena rosa é linda... Eu sei que Afrodite a fez com todo amor do mundo — disse, deixando as duas pessoas debruçadas sobre si de queixo caído.
Camus na verdade tinha muitas coisas a dizer a eles que os deixariam surpreendidos, mas claro por hora bastava apenas deixar que tê-los ali consigo, receber todo o amor que tinha para dar-lhe e também transmitir o seu a eles era só o que importava.
Quando Camus gozado seu coração confirme que tudo estava acabado e que em seus últimos atos em vida ele quase tinha dado uma surra de cinta em Hyoga e mais uma vez tinha afrodite agredido, e tudo por causa de uma imbecilidade. De fato Peixes tinha errado, mas ele também errara ao sempre levar tudo às últimas consequências. Agora tinha esperanças de que ambos aprendessem com seus erros e enfim conseguissem achar um ponto de equilíbrio, porque quando formulada que morreria só desejou ter mais tempo, mais vida, para estar junto de Afrodite e de Hyoga e poder fazer tudo diferente.
