************************************ Cap 41 Miss Highlands ************************************
Três dias se passaram desde o evento das famigeradas tatuagens que culminaram no colapso cardíaco de Camus. Três longos dias nos quais a disciplinada rotina daquela pequena e nada convencional família tinha sido transferida para o quarto mais luxuoso e bem equipado do hospital Zorkin, onde o Santo de Aquário continuaria internado por mais uma semana.
A notícia não foi bem recebida pelo paciente, como todos já previam, mas doutor Fredek Gorky Stepanov fora categórico: Camus precisava desacelerar, repousar e tirar uns dias de folga da rotina estressante ou mesmo medicado correria o risco de sofrer um novo colapso.
Ao contrário dele, Hyoga e Afrodite abraçaram a recomendação médica com responsabilidade e esperança, ambos se comprometendo a ajudar o aquariano no que fosse preciso para mantê-lo relaxado e afastado dos problemas inerentes à posição que ele ocupava na máfia, mas sobretudo fazendo uma autoanálise para minar de uma vez por todas qualquer comportamento que pudesse contribuir para a desestabilidade emocional e física de Camus; uma tarefa que sem dúvida cabia exclusivamente a Afrodite, já que Hyoga nada fizera que contrariasse de fato o pai. As poucas estripulias que o garotinho se dera ao luxo até então, tinham sempre o incentivo de Maman Di.
Essa sim, teria muito o que rever.
Se Afrodite iria conseguir subjugar seu temperamento indomável e destrutivo isso ele não sabia, mas talvez, e pela primeira vez, ele sinceramente desejava que sim; e esse desejo ferrenho de se tornar um parceiro melhor para Camus, uma mãe responsável para Hyoga e viver em paz com sua consciência, já se refletiu nesses dois dias. Peixes não saiu do lado de Camus nem por um minuto, salvo as ligeiras viagens que fazia de volta à mansão para tomar banho e mudar de roupas, já que era arriscado, além de impossível, montar-se todo de Maman Di no banheiro daquele quarto de hospital. Na primeira noite Hyoga dormiu ali com os pais, dividindo um leito que fora excepcionalmente colocado ao lado de Camus para que eles lhe fizessem companhia, então de manhã Afrodite fora o primeiro a se levantar, contrariando seus hábitos de dormir até mais tarde, e acordou Hyoga para pessoalmente leva-lo à escola. Da segunda noite em diante, em comum acordo com Camus, Afrodite decidiu que o garotinho poderia passar o dia no hospital com eles, mas que deveria dormir em casa. Não era confortável ficar ali, com enfermeiros entrando no quarto a cada hora para medicar o paciente, e Camus também não queria que o rendimento do filho na escola fosse prejudicado. Hyoga por sua vez, sequer cogitou não obedecer ao desejo do pai. Mesmo assim, Afrodite levantava de manhã no hospital e ia buscar Hyoga na mansão para leva-lo à escola, depois voltava para ficar com aquariano ali o resto do dia e também da noite.
Na manhã do terceiro dia o cavaleiro de Peixes demorou um pouco mais para regressar ao hospital. Isso porque depois de deixar Hyoga na escola foi até o centro de Moscou comprar algumas coisas que, segundo ele, ajudariam Camus a se distrair e driblar o tédio. Ele sabia o quão difícil deveria ser para um homem como Camus, sempre tão ativo e agitado, ter de ficar deitando o dia todo em uma cama ouvindo música clássica, lendo ou assistindo televisão. Por todos os resmungos e suspiros que ouvia, Afrodite imaginava que, para o francês, driblar o estresse daquela forma acabava por ser ainda mais estressante, por isso tinha que ajuda-lo naquela árdua tarefa.
E era essa a razão de ter tantas sacolas penduradas em ambos os braços quando adentrou o hall da recepção e seguiu apressado para o corredor que dava acesso à ala do hospital onde Camus estava internado; porém bem no meio do caminho ouviu a voz grave de doutor Fredek o chamar:
— Ei, senhorita Britney!
Afrodite estancou os passos e após um segundo de abalo, no qual ele aproveitou para ajeitar os óculos escuros no rosto e preparar o espírito, virou-se na direção dele já armando um sorriso.
— Oh, doutor Fred! Não sabia que estaria por aqui tão cedo — disse forçando uma despreocupação que sempre lhe faltava no trato com aquele homem.
— É Fredek. — Ele disse devolvendo o sorriso. — Sempre chego cedo, mas como temos um paciente ilustre aqui, eu fui buscar alguns pertences pessoais em casa ontem para me hospedar essa semana aqui no hospital.
— Alôca! —Peixes exclamou. Não podia crer que teria aquele homem de olhar penetrante, e cuja desconfiança parecia ser o segundo nome, em sua cola por uma semana inteira.
— Perdão? — Fredek inquiriu confuso, procurando uma brecha entre os óculos escuros e o chapéu enorme para, quem sabe, conseguir decifrar aquela figura estranha vestida num justo conjunto de saia e blusa de seda em tons primaveris quando do lado de fora os termômetros marcavam menos de 10ºC.
Afrodite pigarreou voltando à realidade.
— Ah... digo... Por que vai se hospedar aqui? É preciso mesmo? Ah, minha deusa! Camus está com o pé na cova e você não quer me dizer? Olha aqui, doutor, você não me esconda nada! — disse bravo e preocupado.
Fredek riu.
— Não — disse ele, e depois se inclinou para pegar as sacolas que a namorada do chefe carregava. — Deixe-me ajuda-la com isso... Embora o caso do ruivo inspire cuidados, creio que logo, e com o tratamento, ele voltará a ter uma rotina normal. É que mesmo ele sendo um homem com poderes sobre-humanos, ainda assim é só um homem se recuperando de um infarto, e não podemos correr o risco de deixar nossos inimigos descobrirem que ele está aqui. Todavia, montar uma guarda como se deve chamaria muita atenção e levantaria suspeitas, entendeu?
— Hum... — fez Afrodite entregando as sacolas a ele enquanto abafava um risinho que teimava contrair-lhe os lábios tintos de batom vermelho. Ah, se Fredek soubesse que com ele ali qualquer inimigo que se atrevesse a se aproximar de Camus viraria adubo para roseiras... — Coragem e lealdade admiráveis, doutor! Não é à toa que Camus tem o senhor em seu mais alto grau de confiança. Mas... acha que dá conta de fazer a guarda pessoal dele sozinho? — provocou.
O médico fez a ele um sinal para que seguissem andando enquanto conversavam, logo em seguida respondeu convicto:
— Certamente que sim! A dele e a da senhorita também... Embora eu pense que não careça nem um pouco de minha proteção — disse ele com um sorriso simpático, porém num tom perceptível de ironia.
Cismado com aquela afirmação, e mais ainda com o tom em que fora dita, Afrodite prosseguiu caminhando ao lado dele em direção ao quarto de Camus, mas quase chegando lá não conseguiu frear o impulso e o questionou:
— E por que acha isso? Que não preciso de proteção? Logo eu... uma mulher tão delicada e...
— Forte! — Fredek o interrompeu. — Aliás, bem mais forte do que naturalmente deveria ser.
Afrodite deteve os passos abruptamente. Estavam bem em frente à porta do quarto.
— E não falo apenas pela carga dessas sacolas — Fredek prosseguiu erguendo até à altura da cintura ambos os braços que traziam as sacolas. — as carregava com tanta facilidade que não imaginei que estivessem tão pesadas... Mas me disseram que chegou aqui trazendo Camus em seus braços, e que o carregando como a uma princesa.
Afrodite engoliu em seco.
Nessa altura seu coração dava saltos dentro do peito e ele só conseguia pensar em enfiar uma Rosa Diabólica em cada um dos olhos compridos daquele médico sabichão para não ter seu disfarce descoberto, mas além de criar um novo, e grande, problema para Camus, ainda tiraria dele o homem responsável por sua saúde e recuperação.
Definitivamente, matar Fredek estava fora de cogitação.
Sendo assim, só restou a Peixes tentar sair daquela saia justa da única maneira que conhecia; apelando para o absurdo.
— Halterofilismo! — disse ele fingindo naturalidade, ainda que lhe fosse impossível esconder as mãos trêmulas e lividez das maçãs do rosto. — Tricampeã regional de levantamento de peso e campeã regional de arremesso de tora nos Highland Games. Nossa! Aquilo lá não é para qualquer um não! Sabia que minha bisavó é quem detém o recorde mundial de arremesso de tora até hoje? Ela sozinha levantou um tronco de Baobá levado da África para Escócia num cargueiro... Pois é, está no nosso sangue, é de família... Puff... Quem é Camus perto de uma tora larga escocesa? É um gravetinho descascado, tadinho.
Fredek arregalou os olhos verdes, surpreso e confuso.
— O quê? Mas você é escocesa? O seu sotaque não me parece inglês ou escocês... Na verdade até achei que pudesse ser sueco... E eu também achei que fosse dinamarquesa, como dizem — disse ele sem disfarçar a desconfiança e tom inquisidor.
Afrodite hesitou por um instante estudando uma resposta coerente.
— Sabe, doutor, as pessoas falam demais... e nem tudo que falam procede. Eu trouxe o seu chefe praticamente morto para cá e não importa como fiz isso, o que importa é que graças a mim ele está vivo, e só por isso você e esses boca aberta da Vory, que vivem especulando e inventando coisas a meu respeito, deveriam me agradecer, porque se eu fosse uma ameaça para ele ou para a Vory, como sei que acham que sou, eu o teria deixado morrer em casa — disse firme, em seguida segurou na maçaneta da porta, mas ainda não a abriu. Abaixou os óculos escuros e olhou firme nos olhos de Fredek: — E pare de olhar para as minhas pernas como se fosse dar uma dentada nelas, ou eu falo para o meu "ruivo" que está dando em cima de mim.
Dito isso Afrodite deu as costas a ele, abriu a porta e adentrou o quarto sorridente.
Ainda do lado de fora Fredek abaixou a cabeça fazendo um movimento de incredulidade e depois riu. E não foi pouco, ainda que discretamente.
Quando viu Peixes ali Camus se remexeu na cama pondo-se sentado e abriu um largo sorriso.
— Ma Belle, você demorou! Nem vi quando saiu — disse ele.
— Eu não quis te acordar, mon amour. Estava dormindo tão bonitinho — disse Afrodite ao acercar-se do leito e inclinar-se para selar os lábios de Camus com um beijo, o qual fora prontamente interrompido pelo francês assim que se deu conta da presença de Fredek.
— Bom dia, ruivo — disse o médico com um sorriso amistoso ao mesmo tempo em que caminhava até a mesa no centro do ambiente onde um café da manhã digno de rei estava posto. Ele puxou duas cadeiras e depositou nelas a sacolada toda, só então seguiu para o leito. — Como se sente hoje? E como passou a noite?
— Bem... essas merdes que vocês me dão na veia me derrubaram mesmo. Mal consegui me despedir do meu filho ontem à tarde porque já estava dormindo — disse o aquariano enquanto com a ajuda de Fredek punha-se sentado para que ele pudesse aferir-lhe a pressão e auscultar os batimentos cardíacos com o estetoscópio, como fazia todas as manhãs em sua primeira visita ao ilustre paciente. — Eu já disse a você que non há necessidade de me manter aqui. Eu estou bem.
— Hum — fez Fredekposicionando o estetoscópio sobre o peito dele — respire fundo pelo nariz e solte o ar pela boca... repita isso três vezes.
Ao lado deles, mantendo-se numa distância segura dos olhares penetrantes do médico, Afrodite acompanhava calado a avaliação.
— Você sabe que me recupero mais rápido do que uma pessoa comum. Isso tudo é um exagero —insistiu Camus apontando para os acessos em suas veias por onde de hora em hora era ministrado algum medicamento.
— Eu não chamaria de exagero, mas de precaução — disse Fredek pendurando o estetoscópio no pescoço. — Tenha paciência, ruivo. Essa semana de descaso fará de você um novo homem, confie em mim. Aproveite a boa companhia da sua linda namorada e tente relaxar.
Camus não conseguiu disfarçar o embaraço ao vê-lo citar Afrodite. Pigarreou algumas vezes ajeitando-se novamente na cama.
— Eu relaxaria mais se me trouxesse um cigarro — disse ele mal humorado. — Eu pago uma fortuna para bancar esse lugar e o salário de vocês e nonme trazem nem um mísero cigarro?
Fredek coçou a sobrancelha farta e riu do absurdo que era aquele pedido.
— Considerando que agora você tem quatro stents desobstruindo suas artérias, eu acho que seria uma boa hora para considerar parar de fumar, ruivo— disse ele dando dois tapinhas nos ombros de Camus, que resmungou algo inaudível. — Bem, eu não quero atrapalhar vocês dois. Me parece que a bela dama trouxe algumas coisas para mantê-lo distraído. Acho que nem sentirá tanta falta assim do cigarro.
— Hum...
Fredek riu e em seguida os deixou a sós no quarto.
Assim que ele saiu, Afrodite soltou um longo suspiro, retirou os sapatos, o chapéu e os óculos escuros, pegou um cacho de uvas deixado em cima da mesa junto com outras frutas e foi se deitar junto de Camus no leito.
— Pelo pouco que eu entendi, você pediu um oxanã* para o doutor bravão? Foi isso mesmo ou a minha tecla sap tá com defeito? — Peixes perguntou servindo uma uva na boca dele.
— Foi... foi isso mesmo — Camus confirmou mastigando a fruta.
Peixes ergueu o tronco, apoiando-se em um dos cotovelos, porque queria encara-lo nos olhos.
— Mulher, a senhora está infartada!
— Dieu, Afrodite, eu estou bem.
— Toda cagada numa cama de hospital! Alôca!
— Eu entendo a preocupação do Fredek, mas ele tem que considerar que sou um cavaleiro e que non são alguns cigarros que irão me matar— insistiu o francês, e fez um biquinho para que Peixes lhe servisse outra uva na boca. — Hum... você bem que podia trazer alguns para mim, non?
— Eu?
— Sim, você, mon amour, ma belle, ma fleur...
Camus sussurrava aquelas palavras carinhosas as intercalando com beijos com sabor de uva nos lábios vermelhos de Afrodite; mas de repente ele parou e por um momento ficou imóvel apenas olhando para o rosto perfeito diante do seu.
— Aaah, por que parou? Estava tão bom os beijinhos... estava quase conseguindo me comprar com eles — disse Peixes manhoso esfregando as pernas nuas nas dele por debaixo do lençol.
Camus então ergueu a mão e tocou no hematoma em forma de lua crescente em tons de roxo e esverdeado em torno do olho de Afrodite.
— Eu sou perigoso — lamentou ele — quando penso no que quase fui capaz de fazer a Hyoga sinto tanta vergonha e raiva de mim mesmo... Se non fosse você ter me impedido eu sei que jamais conseguiria viver com essa culpa... Porém, mais uma vez eu agredi e machuquei você.
— Camy, por Dadá que está sobre as águas, nós já conversamos sobre isso. Nós duas cagamos igual no maiô*, mas se a gente não se perdoar e tentar não repetir os mesmos erros vamos ficar a vida inteira com o maiô cagado pesando na nossa bunda, e eu não quero isso. Quero meu maiô limpinho... Depois, eu ainda saí no lucro.
— Que lucro, viado?
— Ué, antes um olho roxo que outra surra de cinta — disse Afrodite mastigando uma uva. — E eu só levei um coice na cara, mas você levou um no coração... e eu sei que fui eu quem deu esse coice a longo prazo.
— Non fala isso. — Camus murmurou o puxando para um abraço e lhe beijando ternamente o rosto. — Você só me faz bem, mon amour. Non sei o que seria de mim sem você.
Afrodite suspirou ainda estranhando um pouco aquela versão amorosa e benevolente do noivo.
— Eu só quero te fazer bem, Camy, mas eu sei que às vezes não é bem que eu te faço, mas eu juro que me esforço. Eu me esforço!
— Eu sei que se esforça.
— E eu assumo que sou todo errado, mas sempre que eu erro é tentando fazer direito.
— Eu sei, ma belle.
— Por isso eu tomei uma decisão.
— Que decisão, ma fleur?
— Foi outro erro pedir para visitar vocês na Sibéria durante o treinamento do Hyoguinha.
Camus ficou sério de repente.
— Afrodite...
— Não. Eu na verdade não pedi nada, eu te chantageei, te coagi a me dar permissão.
— Mon amour...
— E eu menti, Camus.
— Mentiu?
— É... porque eu não vou morrer, nem vou murchar e definhar se você não me deixar ir para Sibária... Vou sentir saudades, claro, muita, muita mesmo, mas a parte de morrer era pura chantagem — confessou.
— Mas isso eu sei. Você acha realmente que eu acredito nos seus surtos, Afrodite? — disse um risonho Camus enquanto recebia mais uma uva na boca. — Foi uma escolha minha ceder à sua chantagem. Agora, quer a minha confissão?... Eu só cedi à sua chantagem porque eu é que non sou capaz de aguentar ficar tanto tempo longe de você... do seu cheiro... do seu corpo.
Peixes mordeu os lábios sentindo um arrepio e estreitou os olhos deixando escapar um suspiro.
— Ai, viado, não fala essas coisas quando eu tô tukada* que você me coloca numa situação delicada aqui.
Camus riu baixinho dele e agora era ele quem lhe servia uma uva na boca.
— Mas estou falando muito sério... Eu de início tentei resistir à permitir que vá nos visitar na Sibéria porque queria poupa-lo de situações que sei que farão você sofrer muito. O treinamento que darei a Hyoga o levará aos seus limites. Ele precisa sofrer queimaduras severas de frio até sua pele e organismo se tornarem resistentes, e isso non é algo fácil de se ver para uma... mãe. — Camus pigarreou nessa hora, mas logo emendou: — Você melhor do que ninguém sabe que se ele non sofrer, se non levar seu corpo e Cosmo ao limite, ele nunca se tornará um cavaleiro. Você precisou envenenar-se de todas as formas para se tornar imune às toxinas das suas rosas e do seu Cosmo. Com Hyoga será o mesmo processo... Se o corpo dele non se adaptar ao Cosmo gelado ele poderá morrer pelos próprios golpes, e eu queria poupar você desse sofrimento, mas... confesso que ter você lá conosco nos dará conforto e força.
Afrodite respirou fundo pensando em tudo aquilo que ele acabara de dizer. Sim, seria extremamente difícil para ele ver Hyoga ferido e não poder conforta-lo, dar o colo de mãe para curar suas dores e medos, mas mais difícil ainda seria ficar longe deles.
— É, fácil não vai ser mesmo, mas eu aguento — disse Peixes selando os lábios do aquariano com um beijo. — Eu aguento qualquer coisa por vocês dois, Camy... Aguento a Vory, aguento a farsa, aguento viver esse romance bandido... aguento até o olho grande do doutor bravão para cima de mim todo santo dia tentando ser meu miguxo*.
Nessa hora as sobrancelhas de Camus ergueram-se formando dois arcos.
— Fredek anda te sondando?
Afrodite fez que sim com a cabeça.
— Acha que ele desconfia de algo?
— Aquenda! Eu sou o mestre dos disfarces, bonita. Um pouco mais bandeirosa* do que deveria, né, mas ainda assim expert! — disse Peixes orgulhoso de si. — Ele está é dando em cima de mim... Olha lá, heim Camus. Talvez seja bom você rever a confiança que tem nesses seus cachorros fiéis aí... Já tomou café?
— Non... Estava esperando você... Eu confio no Fredek, ele já me deu incontáveis provas de sua lealdade. Depois, além de ele ser completamente apaixonado por uma dançarina, uma tal de Shoshanna com quem ele já até marcou casamento, ele sabe que se falhar comigo ele tem muito a perder... A questão é que você, Afrodite de Peixes, é um imã para os olhares, seja dos homens ou das mulheres.
— É, mas só um olhar me interessa — disse Afrodite colando seu corpo ao dele no leito.
Eles trocaram um beijo longo e apaixonado, em seguida ambos deixaram a cama e foram se acomodar na mesa para tomarem café juntos. Como Camus estava com os acessos no braço e ainda precisava fazer o mínimo de esforços possíveis, Afrodite prontificou-se a servi-lo.
— O que você quer? — perguntou ele solícito.
— Um cigarro.
— Mulher, te preserva, bicha! — Peixes o repreendeu batendo duas palmas antes de encara-lo firme e descansar as mãos na cintura.
— É sério, ma belle, só um! Depois juro que non peço mais.
— Nem meio! — respondeu Afrodite enérgico e nessa hora foi até as tantas sacolas que Fredek tinha deixado sobre as cadeiras, apanhou duas delas, abriu um espaço na mesa à frende de onde Camus estava sentado e começou a descarregar ali o conteúdo: — Olha só, eu trouxe algumas coisinhas para você se distrair enquanto estiver de férias aqui, assim nem vai lembrar de oxanã... trouxe um monte de filmes para você assistir. Tem dois pornozão com aquele ator que a gente gosta, o da tatuagem no pau. Você pode bater um bolo* para relaxar que isso acho que não vai contra as restrições médicas do doutor bravão... Se quiser que eu mesmo bato para você, melhor ainda.
— Afrodite...
— Ok. Parei... trouxe também mais alguns livros, histórias em quadrinhos do Neil Gaiman que você adora, baralho, uma gaita...
— Uma gaita? — Camus apanhou curioso o instrumento jogado por cima dos outros itens que Afrodite já tinha colocado sobre a mesa.
— É. Você pode tocar para passar o tempo, igual nos filmes quando o cafuçu tá lá tombado e deprimido, ou preso em algum lugar, sabe? — explicou enquanto ia buscar mais sacolas para despejar sobre a mesa mais algumas quinquilharias que, para ele, ajudariam Camus em sua recuperação.
— Eu non sei tocar gaita, ma belle — observou Camus divertido.
— Nunca é tarde para aprender, mon amour — disse um sorridente e animado Afrodite. — Ah! Eu trouxe também algumas revistas, lápis de cor e esses livros para colorir... E se ainda assim sentir vontade de fumar, podemos tentar aqueles adesivos de nicotina, sabe? Eu compro e trago para você.
Camus olhava para todas aquelas coisas, para ele inúteis ao propósito que lhes cabiam, despejadas diante de si sobre a mesa, com um olhar calmo, quase sereno; achou graça de quase tudo, afinal não se imaginava deitado na cama de um hospital colorindo livros, masturbando-se enquanto assistia a um filme pornô dos mais sujos ou tocando gaita. Só mesmo Afrodite para imaginar um cenário como esse. Um sorriso de genuína satisfação arqueou seus lábios e culminou numa gargalhada descontraída, então com cuidado para não perder os acessos conectados em suas veias do braço ele puxou o sueco para seu colo e o beijou ternamente.
— Sabe que se você non fosse esse viado maluco que você é eu non te amaria tanto, Afrodite de Peixes?
— Sei — o sueco riu.
— Desde que entrou em minha vida nada mais ficou no lugar... eu sinto que non tenho mais o controle de nada, mas eu non desejaria que fosse de outra forma... Antes sentir tudo, do que non sentir nada.
Os olhos aquamarines de Peixes brilharam de alegria e paixão.
— Ah, Camy, e eu te amo tanto, meu mafioso malvado, açoitador de peixinhos, tarado das calcinhas... — Afrodite sussurrava em meio aos beijos que dava nos lábios de Camus. — Eu não sou capaz de viver sem você, mon amour, então me deixe cuidar do seu coração, vai?
— Dieu, o meu medo é justamente esse! — Camus brincou, ainda que existisse de fato um tom de verdade naquela afirmação.
— Me deixe comprar os adesivos e me prometa que vai pelo menos tentar usa-los, vai deixa?
Aquário ficou sério por um momento e depois respirou fundo.
O que Afrodite lhe pedia que ele conseguia negar? Nada.
— Oui... compre os adesivos — disse sentindo-se derrotado.
Eufórico, Peixes comemorou com um grito de vitória e puro entusiasmo antes de apertar o rosto de Camus com ambas as mãos e lhe distribuir múltiplos beijos o deixando todo marcado de batom. Em seguida ele desceu do colo do francês com um salto e apressado juntou toda aquela tralha que havia despejado sobre a mesa as devolvendo às sacolas, então finalmente serviu o café da manhã a Camus.
Após terminarem a refeição Afrodite o ajudou a voltar para o leito e com uma empolgação que não conseguia, nem fazia questão de esconder, colocou o chapéu e os óculos escuros e despediu-se de Camus para ir comprar os adesivos de nicotina. Estava cheio de esperanças que eles ajudaram o amado a largar o cigarro.
Assim que Afrodite deixou o quarto, Camus chamou doutor Fredek e o convenceu a tirar-lhe a medicação intravenosa, sob a promessa de que tomaria os comprimidos via oral sem se opor. Pediu a ele que também chamasse Andreas, seu braço direito, uma vez que se dando conta de que não conseguiria mesmo sair daquele hospital em menos de uma semana, visto que nem Fredek, tampouco Afrodite, lhe permitiram, ele precisava colocar alguém de confiança à frente dos negócios da máfia que demandavam urgência e atenção. Andreas chegou ao hospital em menos de quarenta minutos e foi direto ao quarto de Camus, onde conversaram à portas fechadas. Entre orientações e ordens diversas, o aquariano fez a ele um pedido em caráter sigiloso: queria que lhe trouxesse uma boa quantia de dinheiro em espécie. Andreas não se demorou nem trinta minutos para cumprir a ordem. Foi só o tempo de ir até o estabelecimento mais próximo onde era lavado dinheiro da Vory e apanhar no cofre alguns maços de notas altas. Quando voltou entregou um envelope pardo grande e recheado a Camus, o qual ele escondeu cuidadosamente debaixo do colchão de seu leito.
Os dois ainda conversavam à portas fechadas quando Afrodite retornou ao hospital.
Peixes passou pela recepção apressado e sem titubear seguiu para a ala onde ficava o quarto de Camus, mas ao aproximar-se do corredor eis que mais uma vez foi abordado por doutor Fredek, que o impediu de prosseguir colocando-se à sua frente.
Afrodite andava tão rápido que foi impossível evitar um choque com o russo grandalhão.
— ALÔCA! — ele gritou com o susto.
— Perdão, senhorita Britney — disse Fredek o segurando pelo braço. Ao fazê-lo não pôde deixar de surpreender-se com os bíceps firmes e perfeitamente torneados. — Nossa... esses braços são o resultado dos arremessos de tora? — Ele riu dando uma boa apalpada naquele braço.
Peixes imediatamente livrou-se da pegada com um puxão, deixando transparecer seu desconforto e descontentamento.
— Se colocar a mão em mim de novo vai ficar sem ela, doutor — disse ele sério.
Ainda sorrindo, Fredek cruzou os braços e encarou a silhueta brilhante dos olhos aquamarines por trás das lentes escuras.
— Eu sinto muito. Não pretendia aborda-la desse jeito, mas o ruivo está em reunião com Andreas e me pediu para não deixar ninguém entrar, e você parecia estar com tanta pressa que eu...
— Como é que é? — Peixes o interrompeu — Camus está trabalhando?
— Creio que sim.
— E você permitiu? Mas de jeito nenhum! Vou acabar com essa reunião é agora!
Afrodite avançou um passo; Fredek recuou um.
— Você vai ficar aqui e esperar — disse o médico agora em tom autoritário e firme. — Exatamente como ele quer que seja... Quer um conselho, moça? Não se meta nos negócios do ruivo. Cuide dele, seja uma boa mulher para ele e para Alexei, mas limite-se somente a isso, a agrada-lo e ser obediente, pelo seu bem e pelo deles dois também.
— Pelo bem deles dois? Que quer dizer com isso?
— Quero dizer que seria uma pena se algo de ruim acontecesse a você, já que pela primeira vez em anos eu sinto que o ruivo tem sentimentos verdadeiros por uma mulher. Você deve saber o que aconteceu com Natássia, a irmã dele... A maneira mais certa e fácil de levar um homem à miséria é arrancar dele tudo o que ele ama, então quanto menos você se meter, e quanto menos você souber, melhor você fará a si mesma e a eles... Sinto-me privilegiado por finalmente tê-la conhecido, mas seria bom, para a segurança de todos nós, que a bela acompanhante do ruivo volta-se ao status anterior e se mantivesse nele: distante, misteriosa e inalcançável.
Afrodite respirou fundo. Não podia rebater as palavras de Fredek, porque além de possuírem um terrível fundo de verdade, qualquer coisa que dissesse colocaria em xeque seu disfarce. Contudo, ele não ficou ali acuado por muito tempo, já que no instante seguinte a porta se abriu e Andreas saltou para fora dando de cara com ambos.
Andreas não conseguiu disfarçar a surpresa de ver a misteriosa namorada do chefe ali. Somado a isso, aquela era a primeira vez que ele a via de tão curta distância, e bastou apenas alguns segundos para confirmar por si próprio que todos os boatos que eram ditos pelos homens da máfia a seu respeito não se tratavam de exageros ou delírio coletivo. Logo de cara o perfume dela nocauteou seus sentidos de uma forma que ele jamais esperara; um arrepio na nuca, que partiu da base da coluna e subiu num golpe só, feito uma corrente elétrica, lhe eriçando todos os pelos do corpo. Num rápido reflexo ele contraiu os lábios e meteu ambas as mãos nos bolsos da calça apertando com força os dedos. Sem que tivesse qualquer controle de seus instintos, seus olhos desceram contornando a silhueta longilínea até pararem nas coxas roliças à mostra, então depois de um momento suas sobrancelhas formaram um arco e seus olhos, agora arregalados, subiram para o rosto encoberto boa parte pelos óculos escuros e o chapelão.
Nessa hora Afrodite engoliu em seco; sentindo um calafrio o pisciano empurrou Fredek para o lado, passou ligeiro entre os dois russos e tratou logo de sumir dali agarrando a maçaneta da porta e adentrando o quarto de Camus tão rápido quanto uma faísca.
Do lado de dentro, Aquário se ajeitava calmamente no leito apoiando alguns travesseiros em suas costas quando viu Peixes.
— Ma belle! Que bom que chegou... estava pensando em assistir um filme, o que acha? — disse Camus, mas assim que viu Afrodite retirar os óculos logo percebeu que ele parecia agitado e um tanto assustado. — Que cara é essa?
— Esse que saiu daqui era o Andreas, né? — disse Peixes retirando também o chapéu e colocando a bolsa de mão sobre a mesa.
— Oui. — Aquário respondeu simplesmente.
— E você tem coragem de olhar na minha cara e dizer que escolheu essa lasanha* como o seu xodó por causa da competência e lealdade dela? Tá boa, né Camus! — disse Afrodite tirando da bolsa os adesivos que fora comprar.
Camus riu do ciúmes dele.
— Ele non deixa de ser competente e leal por ser bonito, mon amour.
Peixes olhou indignado para ele.
— Bonito? Esse malassombrado é um espetáculo! — exclamou tirando os sapatos e caminhando descalço até o leito. — Não me conformo, viu, Camus! Com quatro jaburus nas tuas costas a senhora foi logo escolher o ocó* gostosão? Muito conveniente!
— Non reclama non, que o seu critério para escolher os seus servos non é nada diferente do meu, ou vai me dizer que escolheu Ágador e Jacinto para te servirem na Casa de Peixes por serem competentes e non porque são bonitos, gostosos, gays e ainda por cima trabalharem de sunga?
Afrodite subiu no leito enquanto ria do ciúmes de Camus. Com cuidado passou uma perna por cima do tronco dele e se sentou sobre seu quadril.
— Falando sério agora, Camus... O que Andreas fazia aqui? — Peixes perguntou já mudando o tom, se pondo sério. — Você está se recuperando, está convalescendo. Não é para pensar em trabalho ou problemas agora não.
Camus sorriu para ele e levou ambas as mãos à suas coxas roliças as deslizando faceiras para debaixo da saia de seda; deu uma apalpada na carne tenra e morna, respirando fundo ao desfrutar daquela sensação tão prazerosa de tocar o corpo do homem que amava.
Afrodite por sua vez, desabotoava sem pressa os botões do pijama de seda azul marinho que Camus vestia, expondo o peito nu tatuado onde deslizou as unhas fazendo uma carícia em círculos em torno dos mamilos.
— Eu non posso simplesmente sumir por uma semana, peixinho — disse o aquariano olhando para ele — tenho uma pendência urgente para resolver com uns investigadores comprados por uma facção rival que se non der cabo agora vai se tornar um problema grande em poucos dias, e precisava orientar Andreas como resolver essa pendência... Mas non vamos falar disso agora. Trouxe os adesivos?
— Trouxe — respondeu Peixes meio contrariado, mas sabendo que era melhor não esticar aquele assunto, já que tinha plena consciência de que não seria fácil convencer Camus a largar a máfia por uma semana, a única coisa que estava em seu alcance fazer era apenas ficar de olho nele e cerificar-se de que relaxasse de fato. — Vou colar em você.
Ele destacou um adesivo da cartela e o colou num dos ombros de Camus, próximo à Rosa dos Ventos da Vory tatuada.
— Sabe, mon amour, não estou aqui para dizer como deve lidar com a sua Vory — disse Afrodite destacando outro adesivo. Dessa vez o colou na barriga de Camus, acima do umbigo.
— Oui, eu sei.
— Eu estou aqui para cuidar de você e do Hyoga, mas ajudaria muito se você não fosse tão teimoso... O doutor bravão falou muito claro: nada de aborrecimento, estresse ou trabalho... Ah! Sabia que ele me deu um conselho?
— O Fredek? Que conselho? — Camus perguntou curioso.
— Ele me disse para ser uma mulherzinha bem boazinha para você, bem submissa, para não me meter nos seus negócios e resumir a minha desprezível existência, enquanto mulher, a agradá-lo, e que se eu fizer isso estarei segura, caso contrário...
Afrodite conteve o riso, depois destacou mais um adesivo da cartela e o colou sobre um dos mamilos de Camus.
— Isso é para ser colado aí, nesse lugar? — Aquário perguntou aos risos.
— Sei lá... vai que a sua tetinha também está louca por um oxanã, igual a você — brincou Peixes se debruçando sobre Aquário para lhe roubar um beijo.
— Sabe que Fredek non está de todo errado, non? Especialmente na parte que ele disse para me agradar na cama — Camus sussurrou.
— Claro que eu sei! — Afrodite sussurrou de volta beijando o pescoço do aquariano enquanto baixava as mãos para o cós da calça de seu pijama. — Agora mesmo eu tô pensando em te fazer um agrado para te deixar bem relaxado, assim pode tirar um cochilo enquanto vou buscar Hyoga no colégio para jantarmos juntos aqui mais tarde.
Dito isso, Afrodite nem esperou que Camus falasse ou fizesse qualquer coisa, apenas esperou o tempo de ele se ajeitar confortavelmente entre os travesseiros para descer-lhe a calça junto da cueca até o meio das coxas; feito isso ele iniciou com lambidas ousadas, beijos obscenamente molhados e chupões caprichosamente calculados o melhor sexo oral que Camus recebera em meses.
Afrodite estava certo quando dissera a Camus que o deixaria tão relaxado que ele possivelmente dormiria no intervalo em que buscaria Hyoga no colégio. Quase duas horas se passaram e quando chegaram ao hospital Camus tinha acordado do cochilo a poucos minutos.
Naquela noite os três jantaram juntos, e como precisava seguir uma dieta balanceada, Camus comeu a comida do hospital e Hyoga e Afrodite pediram uma pizza. Aquário permitiu que o filho ficasse com eles até tarde da noite. Era incrível como agora percebia que queria aproveitar todo o tempo que podia na companhia dele.
Na manhã do dia seguinte, depois de deixar Hyoga no colégio Afrodite chegou ao hospital cheio de ânimo e energia. Agradeceu a Dadá não ter topado com Fredek pelos corredores, como já tinha se tornado costumeiro, e seguiu para o quarto de Camus exalando entusiasmo; mas boa parte dessa euforia toda caiu por terra assim que entrou e sentiu um cheiro conhecido no ar.
— CAMUS DE AQUÁRIO, QUE CHEIRO É ESSE DE OXANÃ? — Peixes gritou já jogando bolsa, chapéu e óculos sobre o leito do acompanhante.
Camus, que estava confortavelmente sentado no leito do paciente, pernas esticadas, costas apoiadas numa montanha de estufados travesseiros, enquanto tranquilo lia o jornal do dia, — Fredek tinha proibido até os celulares — deitou sobre o colo as folhas ásperas cheirando à tinta fresca e olhou para Afrodite fingindo surpresa.
— Comment? — Fez ele com a voz meio abafada pelo tanto de balas de café que haviam dentro de sua boca, as quais ele chupava vagarosamente.
— Mulher, não faz a pêssega* para cima de mim não que eu tô lôca! — Protestou o pisciano avançando até o leito.
Quando Afrodite chegou lá, para a surpresa de Camus ele agarrou seu queixo com uma das mãos, e com razoável brutalidade enfiou os dedos da outra em sua boca a abrindo à força e inclinando-se para cheirar-lhe o hálito.
Camus na mesma hora protestou dando um safanão em Afrodite com o jornal.
— Arrête ça, Aphrodite! Para com isso! — resmungou. Uma bala foi cuspida involuntariamente para longe. — Ficou maluca?
— Você fumou! — Peixes afirmou indignado.
— Claro que non! — Camus respondeu sem um pingo de vacilação.
— Estou sentindo o cheiro de oxanã nas tuas entranhas, Camus!
— É lá de fora, doida. Non está vendo a janela aberta? — disse o aquariano apontando para a janela. — Eu também estou sentindo o cheiro, e vou te falar uma coisa, ma belle, eu só non pulei lá para fora e pedi um cigarro, seja lá para quem for que estiver fumando, porque você me colou tantos adesivos que acho que estão realmente surtindo efeito... Non estou com vontade de fumar.
— Hum... E para quê esse tanto de bala na tua boca, santa imaculada?
— Ora, o Fredek cortou o café da minha dieta, e você sabe que non vivo sem um cafezinho pela manhã... tive que apelar para as balas descafeinadas de café — disse ele com a convicção de alguém que nunca na vida cometeu um pecado, então esticou-se todo e puxou Afrodite pela cintura para que ele se deitasse ali no leito. — Eu já estava com saudades, sabia?
— Hum... — fez Peixes enquanto recebia de Aquário uma porção de beijinhos.
— Non faça essa cara, mon amour... estou falando a verdade. Eu non fumei nenhum cigarro — ele sussurrou deslizando a mão pela lateral do corpo esguio do pisciano enquanto seguia com os beijinhos.
Foi então que veio a surpresa.
Ao descer a mão para os quadris de Afrodite e num gesto de ousadia mete-la entre suas pernas por debaixo da saia do vestido de linho puro, Camus arregalou os olhos e por um instante ficou imóvel encarando o rosto corado de Peixes.
— Está sem o tuk! — Aquário sussurrou baixinho.
— Amor, faz quatros dias que estou tukada direto, né... meu pau precisa respirar — disse Peixes remexendo-se no leito. — E depois daquela gravação* de ontem eu quase tive uma gangrena!
— Non fale uma coisa dessas nem de brincadeira — disse Camus num tom terrivelmente sensual e instigante, enquanto por cima do tecido da cueca ele raspava as unhas no pênis de Afrodite, claramente com a intenção de provoca-lo. Ainda que nem preciso fosse.
No instante em que Camus puxou para baixo a cueca de Afrodite e sem demora lhe agarrou o pênis turgido, eis que Peixes numa rápida reação o segurou pelo pulso e o impediu de prosseguir.
— Se começar eu não vou parar — disse ele olhando nos olhos de Camus, que brilhavam animados.
— Non quero que pare, ma fleur — ele respondeu mordendo suavemente os lábios do pisciano.
— É, mas o problema é que estou subindo pelas paredes e você está infartada, lembra? — gemeu Peixes que contraditoriamente já desabotoava o pijama de Aquário com certa pressa.
— Eu non estou mais infartada, ma belle, eu já estou bem — rebateu Camus, e sentindo Afrodite afrouxar a pegada em seu pulso seguiu massageando-lhe o pênis lentamente.
— O doutor bravão não aprovaria isso, Camy — observou o sueco lambendo o pescoço do francês.
— É só a gente fazer devagarinho e com cuidado... você quer?
— Você por acaso pergunta para o macaco se ele quer banana? — respondeu Afrodite, então abruptamente afastou mais uma vez a mão de Camus do meio de suas pernas e tratou ele mesmo de tirar a própria cueca, a abandonando ali sobre os lençóis. Depois, com pressa também despiu Camus das calças de pijama já junto da peça íntima puxando ambas até os tornozelos, e em seguida sentou-se sobre a barriga dele se inclinando para frente para encara-lo nos olhos, bem de pertinho: — Você não vai fazer esforço nenhum, combinado? Eu sei que o nosso lance é baixaria, mas você está de repouso e eu prometi que dessa vez ia cuidar direitinho de você, sem abilolação* nenhuma e sem deixar o meu coágulo interferir.
— Oui... combinado. — Camus respondeu levando ambas as mãos ao rosto dele e o puxando para um beijo intenso.
Enquanto as línguas se enroscavam ávidas e os lábios quentes chupavam-se com gula e urgência, Afrodite levantou a saia do vestido até a cintura e começou a rebolar, apertando a cintura de Camus com ambas as pernas, incitando seus sentidos e o pondo louco como adorava vê-lo.
— Aaah... Aphrodite... — gemia o aquariano sentindo um frisson percorrer seus membros e culminar com um comichão gostoso no coração. — Je t´aime...
Impaciente Afrodite esticou o braço e apanhou a própria cueca deixada ali.
— Eu também te amo, Camus — gemeu de volta em meio ao beijo, depois entregou a cueca ao francês — toma, amarra na minha boca, está limpinha... Vamos evitar que esse hospital inteiro descubra que a mulher do chefe é uma vadia das mais baixas — provocou.
Camus mordeu os lábios, terrivelmente excitado, depois olhando para aquele rosto nevado de bochechas coradas e beleza desconcertante atendeu ao pedido, mas antes esperou que ele umedecesse a palma da mão com saliva para se preparar para o sexo.
— Você trancou a porta? — Camus perguntou ansioso, já improvisando a mordaça feita de cueca; deu um nó fácil de ser defeito atrás da nunca dele.
Afrodite fez que sim com a cabeça, e endireitando a postura, sentado agora reto sobre a pélvis de Camus, ele levou a mão até as próprias nádegas e preparou-se, enquanto o aquariano aproveitava para masturba-lo com movimentos lentos e caprichados. Camus tinha os olhos cravados no rosto de Afrodite o tempo todo; não queria perder nenhum detalhe das expressões de prazer absoluto que o sueco sempre fazia quando se entregava a si.
Quando Afrodite posicionou-se e deu início à penetração — a princípio rude devido à pouca lubrificação — diferente do costumeiro, Peixes o fez de modo lento, buscando tirar proveito de cada sensação, porém Camus sem conseguir conter-se agarrou-lhe a cintura e empurrou-se para dentro dele com irresistível ímpeto; nessa hora agradeceu aos deuses pela ideia, de início jocosa, da mordaça de cueca, pois que Peixes soltou um alto e abafado gemido.
— Shiiiii... hmmmm... — fez o aquariano para Afrodite, que jogando a cabeça e os braços para trás apoiou as mãos nos tornozelos de Camus e desfrutando daquele pênis rijo como pedra todo dentro de si começou a rebolar.
Camus sentia seu coração bater forte como nunca, mas dessa vez o ar não lhe faltava, e também nenhuma dor o incomodava; o prazer era seu único guia. Ele sentia o corpo de Afrodite estrangular o seu e lhe passar um calor enlouquecedor, mas foi quando Peixes endireitou a postura, apoiou-se nos próprios joelhos e começou a cavalgar em si feito um doido depravado que ele sentiu-se realmente vivo novamente.
— Aaaaah... oui, Aphrodite... delicieux...
Camus gemia enlouquecido com os olhos pregados aos de Afrodite, que realmente só não despertou a atenção daquele hospital todo por causa da mordaça improvisada.
Peixes subia e descia em ritmo cada vez mais rápido, alternando entre enterradas e reboladas obscenas, ora masturbando-se, ora permitindo que Camus lhe estimulasse porque assim tinha as mãos livres e então podia beliscar sem piedade os mamilos dele. Vez ou outra Afrodite se debruçava no peito de Aquário, gemia e roçava os lábios amordaçados em seu pescoço, então nessa hora em que estava com as nádegas empinadas para cima Camus aproveitava para cravar suas unhas nelas e assumir o controle das estocadas. Mas Afrodite permitia aquele domínio apenas por um período bem curto de tempo, logo voltava a se posicionar como antes e retomava a cavalgada frenética, ditando ele o ritmo.
Como o leito hospitalar tinha rodinhas, logo ele foi parar quase no meio do quarto, mas eles nem se deram conta; estavam mergulhados demais em si mesmos, na paixão que os movia, na promessa de viver dias mais excitantes e menos estressantes, cuidando verdadeiramente um do outro ao em vez de se machucarem.
As marcas dali para frente seriam apenas aquelas deixadas em seus corpos pela paixão que partilhavam.
Depois de muito explorarem toda forma de cavalgada possível, e sem querer que Camus extrapolasse seu corpo ainda em recuperação, Afrodite acelerou o ritmo e chegou ao orgasmo quase que ao mesmo tempo que o aquariano, tomando cuidado para não sujar o vestido, já que ainda teria o dia todo de encenação ali.
Peixes limpou a mão no lençol antes de desabar sobre o peito de Camus e enfim livrar-se da mordaça de cueca.
— Aaaaah... como eu estava precisando sentar em você, mon amour! — disse Peixes aos suspiros, enquanto com o rosto colado no peito do francês ouvia alegre seu coração bater forte. — Seu coração está acelerado!
— Oui... você o deixa assim... — Camus sussurrou acariciando os cabelos dele. O aquariano só não podia dizer que sentia-se tão feliz que era como estar no paraíso porque agora, após o sexo, tinha ainda mais vontade de fumar um cigarro.
Eles ainda estavam conectados quando de repente ouviram duas batidas fortes na porta.
— Chefe! Estamos entrando!
A voz grave e forte era de Chesla, Camus a reconheceu no ato, e quando olhou para a porta viu a maçaneta girar. Seu rosto então ganhou uma lividez de morte.
Desesperado, e agindo quase que na velocidade da luz, Camus empurrou Afrodite para o lado e puxou o cobertor deixado nos pés do leito. Ficou apenas com a cabeça e um dos braços de fora, que felizmente estava vestido pela manga do pijama de seda.
— Merde, você non disse que tinha trancado a porta, Afrodite? — Ele murmurou empurrando Afrodite um pouco mais para baixo e lhe cobrindo a cabeça com o cobertor.
— Eu achei que tivesseeeee — respondeu Peixes aos cochichos.
— Shiiii cala a boca, non fala nada pelo amor de Dieu!
Camus mal acabou de falar a porta se abriu e por ela entrou Chesla, seguido de Andreas, Miroslav, Josef e Victor. A patota toda do esquadrão de elite de Camus, ou como Afrodite gostava de chama-los: os Teletubbies soviéticos.
Os cães fiéis que Camus escolheu pessoalmente a dedo eram, sem sombra de dúvidas, os cinco homens mais perigosos de toda a Rússia.
— E aí, chefe! Já está pronto para outra? — brincou Chesla que encabeçava aquelacomitiva animada. Ele sorria exibindo seus dentes de ouro que faziam par com a porção de cordões do mesmo metal reluzente em torno do seu pescoço.
— Pela mãe Rússia! Andreas disse que está aqui já há quatro dias! — observou Miro parecendo preocupado. — Por que não avisou a gente, chefe?
— Foi coração, não foi? O Fredek estava dizendo que foi o coração — perguntou um aflito Josef limpando a coriza vitalícia do nariz com um lenço vermelho que depois guardou no bolso do casaco de couro. — Eu com certeza sou o próximo!
De repente eles se calaram de forma abrupta dando-se conta de que o chefe não estava sozinho no leito.
Embora o volume e as silhuetas dos dois corpos sobre o colchão e debaixo do cobertor por si só já denunciassem o cenário inusitado, na ânsia da pressa Camus puxou a manta com muita força e os pés de Afrodite ficaram de fora.
Além deles, a cueca usada como mordaça tinha caído no chão e agora era um corpo de delito explícito deixado ali para quem quisesse ver e tirar suas próprias conclusões, óbvias. E se ainda assim ainda restasse alguma dúvida do que tinha acabado de acontecer naquele quarto, esta cairia por terra assim que se olhasse para fisionomia de Camus. Por dentro ele queria gritar de desespero, mas por fora seus anos de experiência e sagacidade imbatíveis o faziam transparecer exatamente o que era necessário para aquela situação: ele era um homem que tinha acabado de fazer o melhor sexo de sua vida, e não tinha nada a esconder. Que macho em sã consciência não o louvaria por isso?
— Ah! Que bom que vieram! Cheguem mais perto! — disse Camus lhes fazendo um sinal com a mão para que se aproximassem.
Debaixo do cobertor, Afrodite encolheu as pernas na tentativa de esconder os pés, mas não foi possível. Sua boca secara e o coração batia a mil por hora dada a apreensão. Só podia mesmo confiar em Camus naquela hora e entregar suas sortes nas mãos de Atena. Tentou ficar tão imóvel que mal respirava.
A naturalidade com que Camus recebera seus homens de fato fora um elemento decisivo naquele impasse. Confiantes de que não haviam interrompido nada, ou de que atrapalhavam o chefe num momento íntimo com a dama misteriosa, sim, porque ali só poderia ser ela para haver a necessidade de oculta-la em vez de exibi-la como troféu, os cinco se aproximaram do leito e seguiram normalmente com os cumprimentos e com a conversa descontraída, fingindo naturalidade.
Contudo, ainda que os relatos do chefe demandassem deles sua atenção integral, essa inevitavelmente era dividida com um elemento extraordinário presente ali: os pezinhos delicados da dama sob o cobertor.
Ah, aqueles pezinhos brancos!
Vez ou outra os dedinhos se contraiam e provocavam neles um estupor voluptuoso. Alguns suavam e precisavam afrouxar a gola das camisas; outros mordiam os lábios e engoliam em seco, havendo a necessidade de ajeitar discretamente entre as pernas uma certa parte de suas anatomias que teimava em querer deixá-los em maus lençóis. As unhas esmaltadas daqueles pezinhos, em um tom de azul clarinho, caprichosamente lixadas e polidas, eram um convite ousado para que os dedinhos fossem chupados incansavelmente.
Camus, sério e concentrado, seguia discursando, dando a eles orientações sobre como deveriam prosseguir com o caso dos investigadores comprados pela facção rival, totalmente alheio ao fato de que ali ele não era mais protagonista de nada, já que os pezinhos de Afrodite lhe roubara todo o protagonismo.
Bravos homens como eram, os cinco tentavam a todo custo manterem-se indiferentes à presença poderosa daquela mulher, porém não eram só aqueles pés que tornavam a tarefa impossível, uma vez que toda uma lenda existia envolvendo a mulher do chefe, e era justamente o mistério que os mantinha instigados, cada vez mais. Os boatos diziam que ela era lindíssima, e mesmo sem nunca a terem visto sem o chapéu, lenço e os óculos escuros, esses só poderiam ser reais, já que com uns pezinhos daqueles, somado à aquela curva sinuosa do quadril farto, desenhada pela coberta jogada por cima, e aquele perfume delicado de rosas que espantosamente parecia ter o poder de incitar seus instintos mais primitivos, ela deveria ser um fenômeno de mulher. Eles se imaginavam fazendo sexo com ela de todas as formas possíveis, desde a mais romântica à mais suja, e isso sem nem ao menos conseguirem dar a ela um rosto.
Que o chefe nunca desconfiasse desses pensamentos! O episódio com Nicolai deixou claro o que ele era capaz de fazer a qualquer um que mexesse com sua mulher.
A conversa séria, contudo, prosseguia.
— Nós vamos pega-los essa noite, chefe. O esquema já está todo armado — disse Andreas referindo-se ao problema urgente que tinham que dar cabo: os investigadores comprados.
— É, nós já localizamos o esconderijo dos pezinhos — disse Chesla.
— Dos pezinhos? — Camus perguntou confuso e curioso, pois de onde estava não tinha visão dos pés à mostra de Afrodite.
Chesla piscou os olhos e pigarreou embaraçado.
— Ah, digo... dos cretinos, o esconderijo dos cretinos! — corrigiu.
Miro do lado dele riu com um gesto negativo.
— Não se preocupe, chefe. Hoje resolvemos esse problema para você — disse ele dando dois tapinhas no ombro de Camus.
— É, descanse enquanto... — disse Victor, que fez uma pausa fora de hora porque distraiu-se com a dama debaixo do cobertor remexendo-se languida. Afrodite tinha uma mecha do cabelo de Camus entrando em seus olhos e tentava tira-la. — ... enquanto alimentamos as baleias.
Percebendo que não poderia prolongar demais a estadia deles ali, pois que esta já estava se tornando por demais arriscada, uma vez que algum deles, especialmente os que mais frequentavam o Templo das Bacantes, poderia reconhecer o perfume natural de Afrodite e associa-lo ao do cavaleiro de Peixes, já que este era tão peculiar, Camus tratou logo de dar o assunto por encerrado e dispensa-los.
Quando fecharam a porta e Camus se viu sozinho com Afrodite no quarto ele enfim respirou fundo e desabou entre os travesseiros. Peixes descobriu a cabeça e respirou aliviado, ainda que estivesse tremendo de apreensão da cabeça aos pés.
— Viado, eu tô toda cagada! — disse ele. Ainda estava pálido feito um fantasma. — Essa foi por pouco!
— Dieu... eu preciso de um maço inteiro de cigarros!
Depois do susto da visita inesperada dos Teletubbies, Camus e Afrodite ficaram bem mais cuidadosos. Decidiram que só fariam sexo quando voltassem para casa, e que passariam os últimos três dias de internação de Camus ali distraindo-se com jogos, livros, filmes, partidas de xadrez, aulas de gaita ou o que quer que fosse.
Falharam, óbvio.
Os dois cavaleiros fizeram muito sexo naquele leito de hospital, quase compulsivamente, e sempre com Camus tomando a iniciativa.
O motivo? Aquário estava sofrendo de abstinência do cigarro, e aqueles adesivos do demônio não o ajudavam em nada. O dinheiro que havia pedido a Andreas ele usava para comprar os funcionários da limpeza para que lhe contrabandeassem cigarros, os quais ele fumava escondido quando Afrodite se ausentava para buscar Hyoga para visita-lo. Peixes já sabia do delito, mas quis evitar começar uma briga com Aquário para não voltar a estressa-lo, mesmo assim não deixou de tentar convence-lo a largar o vício.
Numa das visitas de Hyoga ao pai, Afrodite sentou-se na cama com eles, entregou o diário que estava escrevendo para o garotinho e lhe pediu que lesse uma das cláusulas:
— Hyoga, filho, leia a página 23 do diário que a maman está escrevendo para você, mon petit.
Hyoga abriu o diário de capa felpuda e começou imediatamente a ler.
— Capítulo 23. Dos males do cigarro. Não fume cigarro, cigarrilhas, charutos e outras drogas de aspirar fumaça. Todas elas, principalmente o cigarro, causam doenças do pulmão e do coração. Cigarro também te deixa fedendo à fumaça, estraga seus dentes, envelhece sua pele, te faz parecer uma ameixa seca aos 30 anos e te deixa broxa! Assinado Maman Di.
— Tenho objeções, principalmente nessa parte aí sobre impotência... — Aquário ralhou.
O loirinho fechou o diário e olhou para Camus dando uma risadinha.
Era dois a um. Camus estava em descarada desvantagem.
Quando recebeu alta do hospital, Camus despediu-se de Fredek e o vínculo entre eles tornou-se ainda mais forte. O médico teceu muitos elogios à senhorita Britney e sua visível dedicação ao chefe, por isso foi a ela que entregou o receituário com os medicamentos de uso continuo para o coração que Camus de agora em diante teria que tomar disciplinadamente para o resto da vida.
Já em casa, Afrodite organizou todos os remédios, que não eram poucos, os colocando dentro de uma caixinha com os dias do mês enumerados e os horários em que Camus deveria toma-los. Ele então mostrou a caixinha para Fyodr e lhe disse para que observasse se o patrão os tomaria direito.
Fyodr como sempre respondeu:
— Oui, mademoiselle.
A outra recomendação que Afrodite fizera ao mordomo se tratou mais de um pedido, e como este tinha caráter sigiloso Peixes foi ao quarto de Fyodr de madrugada para fazê-lo, enquanto Camus dormia.
— Ei, Jarbas?... — O sueco sussurrou dando três batidinhas na porta. — Sou eu... vou abrir a porta, ok?
Mas não foi preciso ele abrir. Fyodr logo o atendeu abrindo uma fresta.
Afrodite reparou que ainda naquela hora ele usava seu indefectível fraque de mordomo.
— Nossa, Jarbas! Não me diga que você dorme de fraque de mordomo, querido! — disse ele invadindo o quarto do nobre senhor, o empurrando para dentro e fechando a porta atrás de si. — Vamos conversar aqui dentro que não quero que o Camus nos veja aqui.
— Oui, mademoiselle.
— Jarbas, quero te pedir para ficar de olho no Camus para ver se ele está fumando muito, e se estiver quero que roube e esconda os maços dele, entendeu? Cigarro? Dar a Elza? Esconder? Pegou a missão, gay?
Fyodr olhava confuso para ele, mas de alguma forma compreendeu bem o que ele lhe pediu.
— Oui, mademoiselle!
— Perfeito! Ai, você é o anjo da guarda do Camus, você sabe né, Jarbas? Precisamos fazer esse viado parar de fumar, meu querido — suspirou esperançoso. — Olha, eu vou te comprar pijamas quando te levar para me visitar na Grécia. Na minha casa você não vai precisar dormir de terno, Jarbas. Onde já se viu isso.
— Oui, mademoiselle.
— Eu preciso ir — disse Peixes e aproximando-se de Fyodr lhe deu um beijo estalado na testa, depois caminhou até a porta. — Conto com você, meu anjo. Boa noite, querido.
Afrodite voltou para a Grécia no dia seguinte. No fim das contas, tinha passado a semana inteira com Camus, o que em absoluto foi bom para si, já que seria extremamente constrangedor aparecer com um olho roxo na frente de Mu, Geisty e dos colegas de trabalho; principalmente de Geisty, de quem certamente ouviria um sermão. Isso sem contar Misty, que obviamente o tripudiaria por meses. O intragável cavaleiro de Prata andava suspeitosamente quieto e ocupado demais nos últimos tempos, mas jamais deixaria passar aquela oportunidade de ouro!
Naquela semana que ficou fora cuidando de Camus, Afrodite nunca deixou de ligar para os amigos para saber a quantas andava suas lutas, dores e dramas individuais, e num determinado dia ficou radiante ao saber das novidades. Por isso, assim que pisou no Santuário, eufórico ele tratou logo de procurar Geisty e Mu para confirmar por si mesmo as boas novas sobre Kiki, que para ele soavam, finalmente, como o fim tão esperado de um longo e terrível pesadelo!
Negrito – traduzido do russo.
Itálico – traduzido do inglês
Dicionário Afroditesco
Abilolação – trapalhada, confusão, loucura
Bandeirosa – aquele que vive dando pinta, o mesmo que pintosa, só que mais
Bater bolo – masturbar-se
Cagar no maiô – vacilar, errar feio.
Gravação – boquete
Lasanha – rapaz MUITO gostoso, apetitoso, você sente água na boca só de olhar.
Miguxo – pessoa chata que quer fazer a íntima
Ocó – homem heterossexual
Oxanã – cigarro
Tuk – termo empregado para definir a manobra usada por Drag Queens para esconder o pênis.
Tukada – estar de tuk, estar com o pênis escondido por meio de algum recurso; exemplo, fita adesiva.
