Daquele dia em diante, sempre que percebesse que chegaria atrasado em casa, John Watson passou a pedir a Sra. Hudson para ficar com Rosie depois do horário de Audrey Morgan.

Sem saber ele acabou deixando a idosa muito contente por ainda ser requisitada com frequência para cuidar da menina. De qualquer forma, a babá raramente ia embora quando ela chegava.

Nas duas noites que se seguirem, Audrey conseguiu acordar dos pesadelos de maneira suave embalada pela melodia tocada no violino por Sherlock Holmes. No entanto, mesmo que não tivesse mais a dor de cabeça e o sangramento do nariz, a visão com as pessoas que tanto a ajudavam mortas, aparentemente por sua culpa, a perturbavam.

Ela não conseguia deixar de pensar quanto tempo levaria até aqueles pesadelos se tornarem realidade e o medo a fazia chorar abafando o pranto com o travesseiro.

Quando acordou pela quarta madrugada embalada com a música tocada por Sherlock, Audrey começou a se preocupar também com o esforço dele.

Não acreditava em suas desculpas que fazia aquilo porque gostava e com a intenção de acabar com o compromisso diário em horário impróprio, colocou um plano em prática.

Como nas noites em que tinha as dores, a mulher deu um grito como se tivesse acabado de despertar de um pesadelo e antes que Sherlock viesse até o quarto, ela correu para o andar principal do apartamento e se trancou no banheiro.

Com a torneira aberta para simular que ela tentava limpar o sangramento do nariz, Audrey sentou no chão com as costas contra a parede e chorou.

Quando a música parou, ela se deu por satisfeita e começou a se preparar, treinando o que ia dizer, para poder sair do banheiro. Entretanto, nenhuma preparação seria suficiente para a expressão triste que Audrey encontrou no rosto de Sherlock achando que havia falhado.

— Foi bom enquanto funcionou — disse ela parada no meio da cozinha.

— Não ajuda mais? — Na sala, ele levantou a mão com que segurava o violino.

A mulher apenas acenou em negativa com a cabeça por conta do nó que havia se formado em sua garganta.

— Talvez você queira um pouco de silêncio para tentar dormir, então — Sherlock colocou o violino sobre a sua poltrona.

— Sim, seria bom — Audrey tocou a testa com o dedo indicando a dor de cabeça, mas tinha algo no olhar dele que era doloroso demais de se ver.

Apesar de toda falta de jeito com as pessoas, ela percebeu que Sherlock gostava de ajudar.

— Acho que vou tentar dormir também, assim pelo menos fico quieto — ele esboçou um sorriso.

Audrey agradeceu e subiu as escadas correndo antes que começasse a chorar ali mesmo.

Pelo menos ela tinha a tranquilidade de que seu plano havia dado certo e o Sherlock estaria dormindo nas próximas noites.

(...)
O final daquele dia foi bem diferente de tudo o que Audrey já fizera. Tinha saído da casa de John no horário combinado depois que ele chegou de um dia atendendo clientes com Sherlock, que deveria estar sozinho quando ela chegasse, mas havia mais alguém na sala. Um homem alto e grisalho que ela nunca havia visto.

— Audrey, esse é o detetive inspetor da New Scotland Yard, Greg Lestrade — apresentou Sherlock sentado em sua poltrona. — Greg, essa é Audrey Morgan, babá da Rosie.

Os olhos do inspetor ainda brilhavam quando Sherlock falava seu nome certo depois de tantos anos errando. Ele levantou da cadeira onde estava e trocou um aperto de mão com a mulher.

— Prazer em conhecê-lo, mas não vou atrapalhar — ela sorriu. — O Sherlock te ofereceu um chá? Posso preparar se quiser.

— Não obrigado — o homem voltou a sentar onde estava.

— Então com licença, vou para o meu quarto.

Greg olhou do detetive para Audrey sem entender o que se passava.

— Ela não tinha onde morar e está no antigo quarto do John — esclareceu Sherlock antes que ele pudesse perguntar.

— Ah, sim — o inspetor sorriu imaginando que finalmente a senhora Hudson havia conseguido convencer o amigo que John não voltaria a morar na Rua Baker e tido permissão para alugar o quarto.

Ficou com um pouco de pena da mulher sem ter a certeza se ela sabia o que significava dividir o apartamento com o Sherlock.

— Então eu... — ela já estava de costas e pronta para sair da sala quando o detetive a interrompeu.

— Espera, por que tanta pressa? — Perguntou ele. — Você gostou de ouvir como eu resolvi aquele triplo homicídio outro dia, que tal resolver um você mesma?

— Por favor, Sherlock, não — as bochechas de Audrey ficaram vermelhas com o convite.

— Vamos lá Audrey — o detetive sorriu. — Gostaria de ver você tentar. Conte a ela, Greg.

O inspetor hesitou por alguns segundos, mas começou a falar.

— Bem, aconteceu hoje. A vítima disse que estava no quarto organizando sua coleção de moedas por volta do meio dia quando o interfone tocou. Era uma amiga que estava na porta do seu prédio pedindo companhia para ir resolver um problema. Quando a mulher voltou no final da tarde, os bombeiros já estavam no apartamento.

Sherlock passou as fotos tiradas pela polícia para Audrey que continuava de pé perto deles.

— Ela tem certeza que foi o ex-namorado quem iniciou o incêndio, mas não conseguimos colocar ele na cena do crime — continuou o inspetor Lestrade. — Ele não tem álibi, por isso acho que estamos deixando escapar alguma coisa.

— O que você acha Audrey? — Sherlock estava pronto para fazer o seu discurso contando como tudo havia acontecido. Quanto mais plateia tivesse, melhor. — Como o namorado entrou e colocou fogo no apartamento?

Os dois homens esperaram a resposta em silêncio.

— É possível que a mulher estivesse usando uma lupa para organizar a coleção?

— Bem, sim — respondeu o inspetor sem entender o motivo da pergunta.

Já Sherlock começou a sorrir quase sem acreditar no que estava ouvindo.

— Ele não fez isso, foi um acidente — anunciou Audrey devolvendo as imagens para Lestrade. — As janelas estão abertas. Você disse que ela saiu por volta do meio dia e ela só voltou no final da tarde.

— Isso — confirmou o inspetor.

— Hoje o dia estava ensolarado e com poucas nuvens — ponderou Audrey. — Quando foi atender a amiga, deve ter deixado a lupa sobre a mesa. Junte a lente convergente, o sol e o tempo de exposição sem interferência que temos um forte candidato para iniciar um incêndio.

Sherlock olhava para ela sorrindo, mas Lestrade parecia espantado com o que ouvira.

— Falei muita besteira, né? — Perguntou Audrey rindo da própria teoria.

— Na verdade faltou só mencionar o detalhe da mesa de plástico ter derretido com o calor e feito a lupa, que estava na beirada, cair dentro da lixeira onde estavam os papéis que pegaram fogo primeiro e por isso ninguém a encontrou. — Comentou o Sherlock. — Mas a minha análise é a mesma.

— Tá falando sério? — Audrey sorriu sem acreditar nas palavras dele. — Não, isso é impossível!

Sherlock não estava aborrecido por ter perdido a chance de se exibir, mas sim animado com o que tinha acabado de ver. Lestrade continuava em silêncio.

— Na verdade, improvável, não impossível — ressaltou o detetive. — A lixeira está no canto da parede ali no fundo — continuou indicando o objeto na foto. — Caso queria encontrar a lupa.

— Vou fazer isso — o inspetor se levantou. — Agora! — Ele se despediu atordoado e saiu do apartamento.

Audrey ocupou o lugar dele com um enorme sorriso no rosto.

— Sherlock! O que foi isso?

— Confesso que não era o que eu esperava, mas gostei de presenciar — ele sorriu.

— Alguma possibilidade de eu ter passado por esse tipo de treinamento também?

— Acho meio estranho te instruírem dessa forma apenas para atirar em pessoas, mas prefiro não descartar nada por enquanto.

— Não faz isso de novo! — Audrey riu e o detetive a acompanhou.

— Mas você se saiu bem!

— Sorte de principiante.

— Me empresta seu celular?

Ela não entendeu o pedido, mas passou o aparelho para o detetive.

— Espera, tem senha... — disse ela, mas Sherlock já estava com sua agenda de contatos aberta. — Como você?

— Caso queira manter a senha em segredo, tome cuidado para que outras pessoas não vejam quando você desbloqueia o aparelho — ele sorriu enquanto digitava nome, sobrenome e um número de telefone. — Se estiver em perigo, e não conseguir falar comigo ou com o John, pode ligar para o Lestrade em meu nome que ele ajuda você. — Sherlock devolveu o aparelho.

— Obrigada — agradeceu a Audrey. — Mas precisamos trabalhar melhor no que vamos contar para ele quando começarem a aparecer perguntas sobre o meu passado.

— Depois pensamos nisso — o homem sorriu.

Audrey correspondeu e depois subiu para seu quarto no piso superior.


Nota da autora: Uma nova parceira para ajudar nas investigações? Sherlock gostou de ver, mas a Audrey não está muito a fim de visitar cenas de crime com ele. Só o tempo para dizer quem vai convencer quem a mudar de ideia.

Gostaram desse pequeno caso que Lestrade trouxe para o Sherlock resolver? Como o detetive mesmo disse, improvável, mas não impossível. Tranquilamente um 1 ou 2, já que ele nem se levantou da poltrona para solucionar.