Parte 1: Memórias


"Hmmm. Acho que está tudo pronto. Puxa, como dá trabalho abrir este armário." Mihoshi puxou o trinco com tamanha força que a porta veio de uma vez - PAM - acertando quem vinha do outro lado. Ao ver que tinha batido em alguém, notou quase em pânico que era Kiyone.

"Oh. Kiyone. Desculpe. Tá machucada? Me dá sua mão."

"Grunf. Mihoshi..." Kiyone parecia estar pronta pra perder a cabeça, mas só deu uma girada na cabeça. "Tá, tá. Não foi nada."

"Kiyone. Ne desculpe. Não queria ter machucar. É que o armário emperrou de novo e..."

"Já disse que está de boa. Esses armários são um perigo pra qualquer um." A jovem de cabelo esverdeado massageou o rosto e deu um sorriso meio torto para a amiga. "Olha, Mihoshi. Vim te procurar porque quero te perguntar algo."

"Pois bem. Sou toda ouvidos."

"Certo então. Mihoshi, por acaso já foi convidada pro baile de primavera?"

"O baile de primavera? Não, até agora não e nem sei se serei. Afinal, quem iria com uma desvairada que causa um acidente a cada minuto?" A loira bronzeada desviou o olhar pro chão.

"Ei, Mihoshi. Também não é assim. Tá certo que causa algum problema uma vez ou outra, mas sei que é sem querer. Não devia se achar alguém tão insignificante. Agora, levanta a cabeça e me dá um sorriso. Vai, você fica linda sorrindo." Kiyone lhe segurou o queixo com delicadeza.

Mihoshi sentiu o toque terno daquela mão e logo seu semblante triste deu lugar para um mais alegre. Kiyone também sorriu.

"Muito bom. É desse jeito que minha querida Mihoshi deve ser. Escuta, se não tem par ainda, o que acha de irmos juntas? Digo, como amigas."

"Puxa, Kiyone. Sou tão sortuda de ter você junto de mim. Aceito, sim."

"Explêndido. Quer que eu te busque em casa?"

"Não, pode deixar. Acabei de ganhar um carro e estava louquinha pra testá-lo. Não se preocupe, pois também tenho carteira. Foi uma dureza tirar, mas tirei."

"Jura? D-digo, e-está ótimo, então. Pode me pegar em casa às sete da noite, amanhã."

"Combinado. Vou ficar bem linda pra você. Te adoro." Mihoshi concluiu a arrumação do armário e saiu para sua aula, cantarolando e pulando.

Kiyone a viu se afastar até dobrar o corredor e voltou-se pra direção oposta. Um pouco adiante, parou junto de um grupo de garotas.

"E então? Você conseguiu?" Perguntou uma garota de cabelo loiro-mel com jeito de líder.

"Err. Sim, eu falei com ela e...topou ir ao baile comigo." Kiyone respondeu meio receosa.

"Magnífico. Cumpriu bem seu papel. Agora, só temos que esperar o baile começar e se fizer bem seu trabalho, vai poder entrar na roda da popularidade. É isso que deseja, não é?"

"Claro que sim, mas que fique claro, Nanami: eu sou a favor de uma boa brincadeira, mas não vou permitir que machuquem ninguém, especialmente Mihoshi. De acordo?"

"Ei, tranquila. Já disse que será um trote inofensivo. Garanto que não farei mal nenhum com ela. Agora, tenho outros assuntos em mente. Meninas, vamos."

Nanami e seu grupo deixaram Kiyone sozinha, que mostrava-se um tanto apreensiva e com certo pesar. "Espero que me perdoe, Mihoshi, mas essa é minha chance de brilhar na escola. Entretanto, se tentarem te ferir, que Deus ajude quem se atrever."


"Mãe. Estou em casa e trago novidades." Mihoshi chegou em casa saltitando de alegria.

"Olá, querida. Nossa, como está radiante. Deve ser algo muito bom que deve ter lhe acontecido."

"A melhor de todas. Mãe, fui convidada pro baile de primavera."

"Foi mesmo? Que bom. Algum rapaz da escola te chamou?"

"Não. Ninguém ia querer sair comigo por ser uma estabanada, exceto Kiyone. Ela me chamou pra irmos...como amigas."

"Verdade? Olhe, querida. Não tenho nada contra ela. Muito pelo contrário, ela sempre foi um doce de garota desde quando eram crianças e ela era nossa vizinha."

"Sim, eu sei. Eu entendo que fazia muita besteira e a colocava em maus lençóis, mas ela sempre me perdoou e continuamos amigas até hoje. Tanto que ela me convidou pro baile. Mãe, por favor, me ajuda a me preparar amanhã? Quero ficar bem linda para ela."

"Err...tá certo. Não vou negar meu apoio à você e se está certa sobre você e Kiyone...vem comigo. Tenho algo que vai lhe cair muito bem."

"Cair? Mãe, se eu cair, posso me machucar e daí, a Kiyone não vai ter como quem ir."

A sra. Kuramitsu ficou com a cara meio embaraçada, todavia sabia como a filha era e ignorou. "Não, meu anjinho. Eu disse que tenho algo que vai lhe servir bem. Entendeu?"

"Oh, agora entendi." A loira bronzeada deu um sorriso ingênuo para a mãe, indo com ela até o quarto.


Era a tarde do dia seguinte ao convite de Kiyone à Mihoshi. Em seu quarto, Kiyone procurava pela roupa e acessórios corretos para a noite da festa. Sendo que seus pais viajaram, tinha a casa só para ela, embora parecesse um tanto vazia. Enquanto se arrumava, não conseguia deixar de pensar em Mihoshi.

"Hmmm. Será que estou fazendo o correto? Quer dizer, por fim tenho a chance de integrar a a nata da popularidade da escola e tudo que preciso fazer é...uma brincadeira. Me garantiram ser inofensiva, mas devo levar isso adiante, ainda mais contra Mihoshi? Sei como ela já fez minha vida um desastre desde que a conheci, mas..."

Tomada pelos devaneios ao verificar o armário, se deparou com uma pequena caixa de papelão guardada no fundo e pelo estado, não era aberta há bastante tempo.

"Ei, o que é...? Nossa, meu velho álbum de fotos. Achei que tinha sumido." Kiyone o abriu e viu as diversas fotos contidas nele.

Nas primeiras páginas, viu fotos suas de bebê, dando os primeiros passos, incluindo uma de estar com um exagerado laço de cabelo. "Desta lembro. Foi quando no mudamos para cá e veja só, foi no dia em que conheci Mihoshi." Apontou pra um close onde via-se ela e a garota de pele bronzeada com seu inocente sorriso alegre. Uma foto adiante viu-se elas numa festa de aniversário.

"Oh, claro. Quando me mudei, Mihoshi veio me dar as boas vindas e por pouco não me acertou com uma torta. Fiquei com vontade de gritar com ela por ser uma desastrada, porém me contive e só a cumprimentei. Dias depois, foi seu aniversário e ela veio em pessoa me convidar. Tentei declinar, mas ela insistiu e logo aceitei, o que de certa forma foi bom, pois a diversão rolou solta o dia todo." Kiyone focou sua atenção na página seguinte. "Lembro desta com o jogo de chá: estávamos brincando, saí por um instante e ao voltar, meu jogo de chá de brinquedo estava aos pedaços e sem sinal dela. Pensei que tinha sido ela e fiquem bem zangada. Corri pra mamãe dizendo que Mihoshi tinha feito e disse que nunca mais queria ver aquela bobona. Contudo, papai veio pra cozinha e contou ter sido ele o responsável. Falou que carregava umas caixas pesadas e uma se soltou, caindo no jogo. Fiquei com uma baita vergonha pelo que tinha dito sobre Mihoshi. Logo, a campainha tocou: era ela, trazendo seu próprio jogo de chá. Disse que ficou triste pelo meu ter quebrado que correu até sua casa e trouxe o dela pra eu não ficar chateada. Aquilo me tocou profundamente, pois não queria me ver chorando pela perda. Ficamos brincando o dia inteiro e na hora de ir, ela me pediu pra ficar com o jogo. Tentei dizer que não precisava, mas ela insistiu por me querer ver feliz. Foi tanta generosidade dela que quis agradecer de um modo especial. No dia seguinte, seu segundo aniversário desde que se mudou, levei de presente uma de minhas bonecas favoritas. Ela amou o presente e prometeu guardá-lo por toda a vida. Fiz a mesma coisa com o jogo de chá."

Dentro da caixa, havia um embrulho bem feito e cuidado e nele, o jogo de chá de brinquedo. Era uma lembrança de um tempo cheio de confusão e encrencas por parte da Mihoshi, contudo equilibrado com carinho e amizade que durou bastante, até o dia em que a família de sua amiga teve de mudar para outra casa. Assim, ela passou um bom tempo sem ver sua desajeitada amiga, rendendo-lhe alguma paz, até que a reencontrou na escola e viraram colegas de classe. Verdade, seu retorno acabou por tornar sua vida novamente cheia de agitação, porém tinha uma certeza: era a amiga de maior honestidade que tivera e agora podia estar perto de perdê-la devido à...

"Não. Não posso ir adiante com isso. Talvez deva ligar pra ela e esclarecer." A garota de cabelo verde ligou o celular. Não demorou pra ser atendida. "Alô? Mihoshi?"

"Oi, Kiyone. Estou quase pronta. Daí vou te buscar." "Bem, é sobre o baile. Acho que...não vai dar para ir."

"O quê? Não. O que houve? Fui eu? Te fiz algo que te aborreceu? Eu sabia. Tudo de infeliz que te acontece na vida é minha culpa. Eu sinto muito."

"Não, não. Eu juro, Mihoshi. Nada a ver contigo. É só...bem, eu...quer dizer?"

"Está doente? Posso passar aí e te levar para um médico."

"Não, estou bem. A questão se deve...bem, não consigo me arrumar direito. Não sei me decidir por qual vestido usar ou como me maquiar."

"Apenas isso? Sem problema. Eu vou aí e te ajudo. Se tem algo que faço bem, é maquiagem e escolha de roupas."

Kiyone não tinha ideia do que falar. Desejava poupar a amiga do que viria a seguir na festa, mas notando como ela se sentia empolgada por ir, não pensava em decepcioná-la. Talvez no baile pudesse achar um jeito de poupá-la da brincadeira que Nanami e suas amigas planejavam, se descobrisse o que se daria.

"Kiyone? Está aí? Tá tão quieta." "Hã? Como? Oh, sim, Mihoshi. Estou aqui. Se faz questão, eu aceito. Uma ajudinha sua seria bem vinda."

"Que bom. Vou pra aí em 10 minutos. Tchauzinho." Desligando o celular, Kiyone sentiu algo no peito. Era como ansiedade e preocupação. Não sabia o que faria, mas iria fazer.


10 minutos depois, ouviu-se a campainha. Ao atender a porta, Kiyone ficou muda pela visão da garota perante ela. Mihoshi vestia um elegante vestido longo bordado com pontos prateados e uma faixa na cintura também prateada. Os sapatos de salto brancos davam o toque de combinação perfeita ao vestuário, assim como os brincos e o fino laço no cabelo.

"Oi, Kiyone. Vim te ajudar. Ei, algo errado?" "E-errado? Não, nada errado, Por quê?" "Ué. Está parada sem dizer nada. Não estou bonita?"

"Não, digo, sim. Está ótima. Confesso nunca ter imaginado você com tamanha elegância e beleza."

"Oh, obrigada. Minha mãe me deu o vestido. Era dela na época do colégio. Posso entrar?"

Só dando um gesto com a mão, Kiyone permitiu sua entrada. Andando até o quarto, Mihoshi reparou na cama o álbum de fotos e o jogo de chá desembrulhado.

"Que gracinha. Ainda guarda o jogo que te dei?" "Sim, claro. Foi seu primeiro presente para mim. Mostra como zelo por nossas boas lembranças."

"Tão meigo. Sabe que até hoje eu guardo à boneca que me deu no nosso segundo aniversário de amizade? E olha estas fotos." Mihoshi pegou o álbum e o foleou. "Veja nós aqui na nossa viagem à praia. Está uma gracinha com o maiô que te dei no seu aniversário e olha esta, juntas no Natal. Os gorrinhos de Papai noel ficaram um amor"

"Sim, sim. Tudo isso é uma boa memória, mas temos um baile para irmos." "Verdade. Deixa eu ver suas roupas." Mihoshi abriu o armário e verificou as roupas da amiga. Ao examiná-las, notou uma sacola de guardar roupas fechada. Abrindo-a, deslumbrou-se pelo vestido azul-turquesa com alças finas contido na sacola.

"Uau. Que achado. Não sabia que tinha uma vestido tão lindo." "Na realidade, é da minha mãe. Ela o deixou aí por não ter espaço no guarda-roupa dela e creio ter se esquecido."

"Experimenta. Sei que vai servir." "Olha, não sei se devo." "Ah, vamos lá. Aposto que ela teria orgulho de você usá-lo numa noite tão especial. Por favor."

Sem poder argumentar contra o olhar doce e suplicante da amiga, Kiyone num suspiro aceitou. Despindo-se, tratou de vestir-se com cuidado e tão logo terminou, se olhou no espelho. Mal conseguia crer em sua imagem.

"Devo dizer, Mihoshi...caiu muito bem." "Eu disse, não? Agora, ponha os sapatos. Estes aqui são perfeitos." A loira passou-lhe um par de sapatos pretos com fivelas douradas. Após calçá-los, sentou-se diante da penteadeira, ao passo que Mihoshi passava com suavidade um pouco de blush e pó nos olhos e bochechas.

"O segredo da maquiagem perfeita é não deixar ser notada." Foram alguns minutos sentada sem se mexer mais que o devido. Depois de pronta, Kiyone de novo olhou no espelho. "O que achou?"

"Está...está...maravilhoso. Nunca me senti tão bonita em minha vida inteira. Parece que vou tomar parte de um concurso de beleza. Obrigada, Mihoshi. Agradeço de todo o meu coração."

"Tudo por você, querida. Pronta pra festa?" A moça de cabelo esverdeado nada falou: só tomou a mão da companheira e deixaram a casa até o porshe vermelho estacionado. Tomando o assento, Mihoshi o ligou e seguiu para o baile, com Kiyone meio pensativa, mas ciente de que ia tornar aquela noite inesquecível.

Continua...