Capítulo 1 – Chamado de Casa
O maldito café na E Superior St. estava fechado por motivos de que aquele definitivamente não era o dia de sorte de Bella Swan.
Além de estar atrasada para uma reunião importante que poderia definir o futuro da sua carreira profissional, ela estava perturbada com uma terrível dor de cabeça de ressaca da noite anterior. Bella se xingou mentalmente por ter ido na onda de sua amiga, Alice, e ter saído para beber um dia antes da maldita reunião com a dona da maior revista feminina de Chicago, onde ela trabalhava há sete longos anos migrando do cargo de estagiária para uma das articulistas da famosa Femme's Magazine com um esforço de que ela se orgulhava.
Enquanto corria tremulando sob os saltos louboutins – por um acaso sua internet resolveu falhar naquele dia, impossibilitando-a de pedir um Uber - e olhava para avenida a procura de um táxi de cinco em cinco segundos, Bella pensou no que faria se fosse demitida naquele dia. Havia poucas coisas que ela sabia fazer além de escrever artigos, fazer compras e beber café com uma quantidade microscópica de açúcar. Provavelmente acabaria retornando para sua cidadezinha natal e chuvosa, Forks, depois de se afundar em dívidas e ser chutada do apartamento de alto padrão que dividia com Alice por não conseguir manter o aluguel.
O menor pensamento dessa realidade se tornar concreta fez a morena estremecer.
Ela não voltaria para aquele lugar pequeno e confinador por vontade própria, não quando resolveu deixar todo o seu passado para trás e seguir em frente ambicionando a vida que levava agora. Bella sabia que seus pais espalhavam para todos sobre como sua garotinha estava feliz e bem-sucedida na cidade grande, qualquer passo para trás passaria uma outra mensagem a toda aquela comunidade de fofoqueiros, então ela se tornaria o alvo de uma atenção desnecessária e, consequentemente, seus pais estariam incluídos.
Nunca, pensou irritada.
A última vez que pisara em Forks fora há dez anos e sua partida para a faculdade não lhe trazia boas lembranças. Desde então, Bella envia passagens aos seus pais quase todos os anos para visitá-la no natal em Chicago. Renée e Charlie não ficavam satisfeitos com as visitas inexistentes que ela fazia, mas seu pai geralmente não fazia perguntas ou pedia nada, o pacto de silêncio entre eles sobre assuntos impertinentes se prolongou durante uma vida, Bella achava que era porque Charlie confiava na sua capacidade de tomar decisões sozinha.
No entanto, Renée comentava sobre uma ida a Forks sempre que podia. Neste caso, Bella dava desculpas que envolviam o trabalho e sua mãe desistia, somente para lembrar na data comemorativa seguinte.
Foi praticamente um quarteirão inteiro correndo até encontrar a carrocinha de donut e café na esquina. O donut era duro e o café estava doce além da conta, mas Bella agradeceu por eles quando tomou o táxi na beira da avenida. Ela engoliria qualquer coisa, tamanha sua fome naquela manhã.
– Femme's Magazine – disse apressada enquanto equilibrava a comida para fechar a porta do veículo.
– Sim, Senhora – o homem de meia idade com um sorriso educado.
Era sempre assim.
A vida em Chicago era uma grande correria, a diferença era que Bella costumava controlar seu tempo muito bem.
Mas não naquele dia, ela bufou.
Bella adorava a movimentação desenfreada da cidade grande, apesar de tudo. Adorava sentir que não estava estagnada na rotina, enclausurada entre paredes invisíveis que por vezes a sufocaram quando ela vivia em Forks. Seria terrível para ela abrir mão daquela vida.
Enquanto mordiscava o donut de morango, Bella começou a visualizar seu celular. Havia duas ligações perdidas que ela ignorou, sempre que Charlie ligava era engano ou o diálogo não durava muito mais do que dois ou três minutos. Ela sempre estava bem, eles sempre estavam bem. Em uma cidade como aquela, poucas coisas fugiam do normal, então Bella não se preocupava de fato, não havia motivos para isso.
No entanto, foram cinco mensagens de Alice que tomaram toda a sua atenção.
Faltam cinco minutos para a reunião começar, cadê você?
Bella mordeu o lábio inferior ao olhar o horário da mensagem. Cinco minutos atrás.
– Senhor, será que dá para ir mais rápido? – Ela enfiou a cabeça entre os bancos da frente – Eu realmente estou muito atrasada.
– Desculpe. A Senhora conhece o trânsito de Chicago...
– Acha que vai demorar muito? – Insistiu.
O taxista se virou para fitar o semáforo vermelho e a fila extensa de carros bloqueando o caminho. Ele torceu o nariz.
– Talvez dez minutos, talvez mais...
Bella quase se engasga com o donut.
– O que!? - Ela encarou o senhor, seus olhos arregalados – Não tem outro atalho? Sei lá, não pode avançar pela calçada?
– Sinto muito, Senhora.
Com um movimento rápido, ela esticou sua mão para agarrar a bolsa em cima do banco de couro e retirou quinze dólares do sutiã. Bella atirou o dinheiro no taxista antes de abrir a porta do carro.
– Pode ficar com o troco! – E saltou para fora.
A corrida não parecia o suficiente.
Apesar de manter uma rotina de exercícios, suas pernas curtas não a ajudavam, não importa o quanto avançasse pelo caminho até o arranha-céu espelhado, nunca parecia terminar. Outra chamada implorou por sua atenção dentro da bolsa, Bella não podia atender, não agora que sua carreira dependia de seus passos.
Bella finalmente alcançou a porta giratória na entrada da sede da Femme's Magazine e se dirigiu direto pelo saguão enorme até o elevador na recepção, ignorando qualquer um que desejasse "bom dia" para ela. Dentro da ampla cabine de metal, Bella apertou o botão do vigésimo oitavo andar dezenas de vezes, uma tentativa ansiosa e inútil de fazê-lo funcionar mais depressa.
Respirando fundo, a morena se virou para fitar seu próprio reflexo no espelho que ocupava metade da parede do elevador.
– Merda – o cabelo castanho-avermelhado era um emaranhado grotesco de mechas despontando para todos os lados enquanto escapava do elástico que prendia metade dele. A blusa social branca estava meio amassada e abotoada de forma errada, os lábios pálidos e as orelhas nuas a fizeram se perguntar como ela pôde se permitir sair daquele jeito. – Ah, não, hoje não.
Rapidamente, Bella puxou o cabelo em um rabo de cavalo alto que ressaltou seu rosto alongado e o prendeu com um elástico preto. Ao vasculhar a bolsa, ela encontrou o par de brincos de pérola que seu amigo, Jacob, havia lhe presenteado no seu aniversário e pendurou nas orelhas antes de enfrentar seu maior desafio: o batom vermelho. Bella tomou um cuidado excessivo para não borrar os lábios com um movimento linear do elevador, um dom que ela adquiriu com anos de prática se maquiando no carro – que por sinal estava na oficina naquele dia.
Quando o elevador parou no vigésimo oitavo andar, ela notou que nenhuma de suas colegas da revista estavam circulando pelo escritório principal ou em suas salas com as portas abertas – uma política idiota que Bella odiava, tudo para promover o livre acesso interpessoal. A morena logo pensou que todas elas deveriam estar na sala de reunião no fim do corredor, onde ela também deveria estar há muito tempo.
Ela apressou o passo.
– Que droga!
– Bom dia para você também, Swan – disse Jacob Black, encostado na máquina de café com o típico sorriso cafajeste. – Dormiu bem?
Bella o ignorou. Imaginava que o fato de estarem transando há três meses – incluindo a noite anterior – o fez pensar que poderia se meter na sua vida.
Antes de entrar, Bella respirou fundo e espalmou o cabelo e as roupas. Então bateu duas vezes delicadamente na porta e abriu, enfiando o corpo pela abertura e dando de cara com todos os olhares na sala direcionados para ela.
– Com licença – disse de cabeça baixa enquanto se dirigia rapidamente para seu lugar vago no fim da mesa ao lado de Alice. – Bom dia.
Victoria Hunter não disse nada quando Bella entrou, mas bastou que os olhos verdes repuxados como os de um felino encontrassem os seus para ela captar sua repreensão silenciosa.
– Tentei acordar você antes de sair, mas você me atirou um travesseiro – Alice sussurrou discretamente.
– Eu sei, me desculpe.
– Como eu estava dizendo antes da Senhorita Swan me interromper – ela sorriu com uma empatia forçada. – Minha viagem de volta a Paris me trouxe algumas ideias. Visitar minha cidade natal, rever minha família, tudo isso contribuiu para que eu pensasse na Femme's Magazine como uma revista diferente. Estamos sempre à frente do nosso tempo, exaltando a mulher e suas formas mais modernas, mas acredito que devíamos analisar sob uma nova perspectiva.
Do outro lado da mesa, Senna encarava a chefa com os grandes olhos de nanquim, tão confusa com o discurso da ruiva como qualquer outro ali.
– E que perspectiva seria essa? – Perguntou, incapaz de conter a curiosidade.
– Entre as mulheres que compram nossas revistas podem até ter empresárias, CEOs ou mulheres ousadas que estão seguindo por esse caminho. No entanto, em sua maioria, são donas de casa, mães e esposas que almejam chegar algum dia onde essas mulheres bem-sucedidas chegaram, mulheres que a maioria de nós julgamos como... tradicionais, mas que também estão cheias de lições a nos ensinar.
– Que tipos de lições? – A loura ao lado de Bella indagou com desprezo. Irina era sempre tão arrogante que mesmo que estivesse fazendo uma pergunta inocente, ainda soaria como um xingamento. Bella não a suportava – Não acho que cozinhar ou cuidar de crianças são grandes feitos
Victoria fez uma pausa, talvez formulando sua resposta, talvez pensando em formas de demitir Irina por justa causa.
A loura não era muito querida na revista.
- Creio que sua mãe cozinhou e cuidou de uma linda criança que veio a se tornar uma grande mulher, não é Irina? – Victoria respondeu calmamente. – Ou estou enganada?
Bella pressionou os lábios com uma súbita rapidez, reprimindo o sorrisinho maldoso.
Irina se encolheu na cadeira e pediu para que a chefa continuasse.
– Então, pensei que na próxima edição a Femme's Magazine deveria celebrar todos os tipos de mulheres, desde as mais modernas até as mais tradicionais. Vocês irão preparar o artigo de suas vidas nessa edição especial – ela abriu um sorriso largo esfregando as mãos delicadas uma na outra. – E como vocês sabem, nossa co-diretora chefe está se despedindo de nós este mês, então a vaga será devidamente ocupada... pela funcionária que melhor se sair no artigo.
Um coral de surpresa ecoou pela sala e logo se transformou em um forte burburinho. Bella paralisou em seu lugar, aquela era a chance pela qual buscava há anos trabalhando arduamente em seus artigos, sem dúvidas a chance da sua vida.
– Acalmem-se, eu ainda não terminei – o silêncio se instalou novamente – Dividirei os temas em duplas para uma melhor e mais rápida execução. Zafrina e Kate, vocês ficarão com o artigo sobre os grandes feitos de mulheres no mercado empresarial.
As duas mulheres vibraram com a escolha e Bella escancarou a boca, encarando toda aquela animosidade.
– Eu queria esse tema – ela choramingou baixinho para Alice.
– Vai ver ela guardou o melhor tema para nós – comentou a baixinha, sempre tão positiva.
– Carmen e Senna, vocês ficam com as lutas feministas. Conhecemos inúmeras guerreiras que foram às ruas lutar para estarmos aqui.
Outra comemoração. Bella cruzou os dedos debaixo da mesa.
E continuou assim por todos os comandos de Victoria, destinando bons temas às suas colegas de trabalho até chegar no seu nome. O último a ser citado.
– Alice e Isabella – Victoria continuou. – Vocês ficam com o meu favorito: as mulheres tradicionais.
– O que!? – Bella se inclina sobre a mesa – Senhora Hunter, alguma vez eu já fiz algo contra você?
– Meu deus, Isabella. Deixe de ser tão dramática, é um ótimo tema, bem dinâmico.
Só não era a dinâmica que eu queria, ela pensou deprimida.
Alice sorriu de forma encorajadora na sua direção, o que a fez duplamente mais irritada.
– Não é tão ruim, Bella – ela comentou. – Pode ser divertido.
Bella fez uma careta.
– Veja só, deveria ser mais otimista como a Senhorita Brandon. – Victoria piscou para a baixinha antes de voltar para o grupo. – Tudo bem, a reunião está finalizada e vocês tem um mês para concluir seus artigos, me deixem orgulhosa.
Ela recolheu seu casaco bege do encosto da cadeira e saiu graciosamente da sala de reunião, deixando a porta escancarada para as funcionárias se retirarem depois.
– Essa pode ser a nossa chance! – Kate comentou, empolgada.
– Só vai ser a chance para uma de nós – Irina rebateu, deixando a colega sem graça.
Bella levantou de sua cadeira giratória em silêncio e saiu da sala sem nem olhar para trás. Quando chegou no meio da redação percebeu que Alice estava bem atrás de suas costas, a energia dela era tão determinada que Bella se perguntou se a mulher nunca ficou desanimada pelo menos uma vez na sua vida inteira.
– Vamos, Bella. Por que essa cara? – Ela saltou em sua frente. – Você ouviu a Victoria, é um ótimo tema, não tem porquê se preocupar.
– Acho que definitivamente estou fora da jogada, esse cargo nunca vai ser meu.
– Por que não seria? – Um vinco profundo tomou forma entre as suas sobrancelhas – Você é esforçada, inteligente e muito persistente. Fora que é uma das melhores articulistas que essa revista tem.
Ela encarou a amiga, hesitante.
– Eu sou?
– É sim. – Alice sorriu, abraçando-a pelos ombros enquanto se moviam pelo corredor – Não se dê por vencida desse jeito, somos uma equipe, lembra?
– O cargo de co-diretora só vai ser ocupado por uma de nós, não precisa pensar assim – Bella revirou os olhos castanhos.
Alice recuou um passo levando a mão até o peito de um jeito teatral.
– Acha que eu seria tão egoísta assim? Não precisa ver tudo isso como uma competição.
Bella pensou em como ela e Alice se tornaram amigas instantaneamente assim que chegaram para estagiar na Femme's Magazine. Duas garotas vindas de lugares opostos perdidas na cidade grande em busca de um sonho. Alice era sua melhor amiga, ela confiava nela, mas pensar que estavam competindo pelo mesmo sonho era a segunda pior coisa que Bella podia sentir, a primeira era saber que ela não deixaria de lutar com todas as armas por ele.
– Você tem razão. Vamos fazer de todo o possível para esse ser o melhor artigo da história da Femme's Magazine. – Bella articulou um sorriso. – E que vença a melhor.
Alice confiou em seu entusiasmo, apesar de não ser genuíno.
O resto do dia se passou como um sopro.
O almoço fora o único momento de respiro enquanto Bella engolia seu ravióli e terminava o relatório sobre as vendas do mês para deixar na mesa de Victoria antes das três da tarde, ela reparou cuidadosamente que houve uma pequena queda nas vendas enquanto as vias digitais só cresciam em comparação com os meses anteriores. Tecnologia, ela murmurou enquanto dava uma garfada na massa.
– Não devia criticar os avanços tecnológicos – a voz rouca disse, fazendo-a erguer o olhar para o moreno parado na porta.
– Mas que droga, Jake – ela resmungou de boca cheia. – Não te ensinaram a bater na porta?
Jacob deu sua risada gutural enquanto fechava a porta atrás de si.
– Você está tão bravinha hoje – ele comentou enfiando as mãos no bolso casualmente.
– Estou uma pilha de nervos, sabia que o próximo artigo vai escolher a próxima co-diretora?
– É tudo que você sempre quis, não é?
– Tudo e mais um pouco – ela sorriu de lado com os olhos fixos no notebook. – Tem noção do que isso significa? Todos esses anos... seria incrível.
Jacob caminhou lentamente até pousar suas mãos grandes nos ombros de Bella, ela fechou os olhos sentindo o calor reconfortante que Jacob sempre carregava em sua pele morena.
– Você pegaria a sala enorme da Jane, isso seria incrível. – Ele aproximou os lábios da orelha de Bella, um arrepio percorreu sua espinha quando o hálito quente tocou sua pele exposta do pescoço. – Mais espaço para nós dois.
– Jake, eu sou muito profissional. Por favor, se contenha.
– Eu vejo seu empenho no trabalho, na escada de incêndio, na sala de projeção...
– Jake...
Eram poucas as chances que ela tinha contra Jacob Black, ele era um sedutor e cafajeste de marca maior que provocaria a tentação até que Bella cedesse. E ela não se importava em o fazê-lo.
Com movimento rápido, Bella se pôs de pé na frente de Jacob, ele agarrou seus quadris sobre a saia social e girou seu corpo com uma dança que ambos tinham muita prática até pressioná-la contra a mesa de vidro. Beijá-lo era como engolir o sol para ela, seu calor transbordava de forma abrasadora, queimando por cada ponto sensível do corpo de Bella desenfreadamente.
Suas bocas se envolviam com uma ansiedade que não destoava muito da violência. As suas delicadas mãos correram para a nuca dele, girando o punho nas raízes de seu cabelo negro como a meia-noite, reivindicando-o com uma propriedade quase obsessiva enquanto ele erguia sua saia. Bella sabia que não podia perder o controle no trabalho, mas Jacob lhe causava sensações que ela não conseguia entender, ele era como seu refúgio, seu ponto de distração quando o tempo ameaçava engoli-la completamente. Seus lábios macios e quentes pressionavam contra os dela com tanto desejo que ele se viu preso em uma bolha envolvente de luxúria.
Ficou muito claro para os dois que não sairiam de lá até terminar o que haviam começado.
Bella, que até então tirava proveito da fricção no interior de suas coxas contra os quadris dele, despertou de seus devaneios eróticos quando o telefone tocou em cima da mesa. Ela ignorou o primeiro toque, ocupada demais em auxiliar Jacob a se livrar da jaqueta de couro que vestia enquanto ele depositava uma trilha de beijos molhados pelo seu pescoço.
No segundo toque, suas mãos habilidosas já deslizavam em direção a calça, bloqueando o livre contato entre eles.
No terceiro, impaciente, ela se afastou de Jacob. Ele ainda alisava seu corpo enquanto ela se debruçava sobre a mesa para agarrar o aparelho celular.
– Isabella Swan falando – ela atendeu sem nem olhar a chamada.
– Bells – a voz grave falou. – Oi, querida.
Jacob subia as mãos por suas coxas quando ela o empurrou abruptamente.
– Oi, pai – Ela sorriu se afastando dele e indo em direção ao pequeno sofá do outro lado da sala.
– Como você está? Eu estou atrapalhando?
– Não! É claro que não! – Ela olhou para Jacob, que ainda a fitava com uma impaciência divertida para Bella – Como você e a mamãe estão?
Ela se levantou do sofá e se aproximou de Jacob, recolhendo seu casaco do chão e devolvendo para ele.
– Uma outra hora – ela sussurrou, plantando um último beijo em seus lábios.
Jake revirou os olhos.
– Claro, claro.
Do mesmo modo sutil em que adentrou a sala, Jacob saiu em um piscar de olhos, deixando Bella sozinha.
O silêncio do outro lado da linha se prolongou.
– Pai? – Disse ela, dessa vez mais séria – Você ainda está aí?
Mais segundos de silêncio, Bella franziu o cenho, aflita.
– Sim, querida. Eu... apenas queria saber se estava tudo bem. – A voz grave hesitou por uns instantes, logo fungando suavemente na tentativa de disfarçar o longo vácuo.
Aquela velha tentativa poderia enganar qualquer um, mas não a Bella que conhecia o pai como ninguém, principalmente pelo fato de serem tão parecidos.
– Sei que estou atrapalhando você, não é? Me desculpe... só precisava ouvir sua voz.
– Tudo bem, pai. O que aconteceu? – Ela parou em frente ao vidro observando a incrível vista de Chicago e seus arranha-céus – Conheço você bem o bastante para estranhar esse papo sentimental.
– Bella, já faz um tempo que não vemos você, sentimos sua falta.
Um aperto profundo surgiu no peito de Bella, ela sentia falta de seus pais mais do que era capaz de dizer. A culpa por ser a filha ausente era uma sombra que ela era obrigada a levar consigo.
– Pai, eu também sinto falta de vocês – ela mordeu o lábio inferior, como seu pai, Bella pouco falava sobre sentimentos e isso a fazia se sentir estranha e até constrangida. – Mas sei que não é só isso, tem alguma coisa acontecendo?
O vazio voltou, Bella sabia que seu pai era um péssimo mentiroso, como ela.
– Ah, você tem razão. – Ele admitiu, vacilante – Bella, sua mãe e eu estávamos pensando em passar o Natal em Forks.
– O que? – Ela franziu o cenho, confusa com a mudança abrupta. – Pai, nós sempre passamos juntos... em Chicago! Eu já até reservei as passagens.
– Eu sei, mas Chicago não é nossa casa...
– Bem, é a minha casa agora. – Bella se arrependeu imediatamente das suas palavras. – Quer dizer, por que fazer diferente esse ano?
– Hã... só queremos fazer como antes – ele explicou, hesitante. – Como quando você vivia aqui, poderia vir e ficar com a gente... mas se estiver muito ocupada nós vamos entender.
Não, não vão, ela pensou.
Sua mãe no mínimo iria surtar e usar o velho argumento de que Bella não a amava mais, o típico drama que ela gostava de evitar ao máximo.
– Ah, pai...
Como ela previu, seu pai estava mesmo escondendo alguma coisa.
Bella desejou que a ligação caísse naquela hora ou que um meteoro caísse na sua cabeça ou que qualquer outra coisa interrompesse aquela conversa. Voltar para Forks estava longe dos planos dela, mas como dizer isso sem magoar o coração do seu velho pai?
Ela sabia que Charlie nunca diria que estava chateado, faria exatamente como ela.
– Pai, eu preciso olhar na minha agenda... – Ela fechou os olhos, repetindo a mesma desculpa de sempre. – Quer dizer, eu ando muito ocupada por aqui e surgiu uma chance de promoção.
– Ah, querida. Essa é uma ótima notícia! – A voz grave soou animada do outro lado da linha – Agora, já chega! Vá trabalhar.
Ela riu, ainda sentindo seu coração apertado.
– Eu ligo quando puder – prometeu. – Dê um beijo na mamãe, eu amo vocês.
– Nós também te amamos, Bells.
Apesar de tentar esconder, Bella percebeu o tom carinhoso de Charlie debaixo daquela voz grave e arrastada. Isso de alguma forma lhe tocou num ponto sensível, talvez ela estivesse distante por tempo demais da família, tanto que sequer percebera antes.
Seus olhos castanhos se fixaram no relógio moderno pendurado na parede cinza da sua sala, os ponteiros anunciavam que Bella tinha pouco tempo restante para entregar o relatório. As três horas ela se dirigiu para a sala gigantesca do outro lado do escritório carregando uma pequena pilha de papéis nos braços, sua mente ainda disparava xingamentos para o rapaz da impressora no terceiro andar que demorou o dobro de tempo necessário para entregar as cópias, tudo graças ao flerte com a nova estagiária, Emily. Bella pensou que o processo teria demorado consideravelmente menos se mandasse tudo por e-mail para Victoria se ela não fosse antiquada demais.
Duas batidas leves na porta e a voz de dentro da sala a recebeu com um "pode entrar".
Não foi necessário muito esforço para distinguir que aquela voz não era a de Victoria. Era grave e imponente, quase intimidadora. Soava como o arranhar de unhas no quadro negro para Bella, tamanho seu desprezo.
James Hunter estava encostado no pilar no canto direito da sala ampla com uma postura descontraída, uma mão repousava no bolso da calça social enquanto a outra segurava um pequeno cantil prateado que ele virou nos lábios no momento em que Bella entrou. Ela desejou jogar a pilha de papéis em cima da mesa e sair correndo do marido da sua chefa, faria se pudesse, mas em vez disso engoliu sua repulsa com dificuldade e forçou um sorriso mínimo para o homem.
– Boa tarde, Sr. Hunter – seu cretino desgraçado. – Estes são os relatórios de venda que a Victoria me pediu, destaquei os mínimos detalhes de crescimento ou queda nas vendas e estipulei uma previsão para o próximo mês. Acho que as vendas serão melhores do que no mês anterior.
– Sempre tão eficiente, Swan – ele afrouxou a gravata azul-escuro enquanto passava por Bella em direção à mesa próxima que comportava uma pequena cafeteira, um sorriso felino curvava os cantos de seus lábios. – Pode deixar em cima da mesa, irei analisar em instantes. Aceita um café?
James a observava por cima dos ombros enquanto esperava seu café, o olhar sugestivo e indiscreto do chefe era suficiente para deixá-la desconfortável no ambiente, como se o ar ao redor ficasse mais denso a cada segundo. Felizmente – ou infelizmente – Bella já estava acostumada a ocultar o incômodo, uma habilidade que ela adquiriu com anos cruzando com James Hunter pelos corredores da Femme's Magazine.
Não era uma tola, tinha total conhecimento das pretensões do loiro quanto a ela, mas Bella não estava disposta a acrescentar mais às fantasias de James.
– Não, obrigada – seu olhar permaneceu fixo à impressionante vista de Chicago. Ela evitava encará-lo diretamente, não por medo, mas pelo desprezo disfarçado em um sorriso fraco.
James era o próprio lobo oculto em uma linda e elegante pele de cordeiro.
– Com licença.
– Sabe, um simples grão de café precisa passar por inúmeros processos até estar pronto para o consumo – o tom reflexivo de James ecoou pela sala. Bella parou no mesmo instante, respirando fundo enquanto dava meia volta. – Todo preparo, cuidado e atenção é essencial para cada etapa do processo, aliás, faz toda a diferença no seu resultado final.
O homem rodeou a sala, os passos cautelosos como os de uma raposa, e deixou a xícara de porcelana sobre a mesa, repousando as mãos sob a superfície plana do vidro, próxima aos papéis. Bella o encarou por fim, travando uma batalha silenciosa enquanto analisava seus joguinhos inescrupulosos.
James adorava jogar.
– Não entendo onde quer chegar, Sr. Hunter.
– A questão, Srta. Swan, é que eu vejo o seu empenho constante na nossa revista. Toda a sua atenção e dedicação é algo brilhante e com toda a certeza não pode passar despercebida.
Ele se sentou na cadeira e Bella engoliu com dificuldade.
– Eu vejo um grande potencial em você, Swan.
Imediatamente as mesmas palavras vieram em sua mente acompanhadas da voz açucarada e infantil da sua mãe. Eu vejo potencial em você, Bella. Ela respondeu há muitos anos quando a filha questionou a decisão de deixar toda sua vida em Forks para trás e tentar um sonho em Chicago. Por outro lado, era engraçado como toda a motivação daquela frase perdera seu efeito agora dita por um crápula.
– Sr. Hunter, eu realmente agradeço que pense assim de mim... – ela avançou um passo. – Mas só estou fazendo meu trabalho.
– E de todas as concorrentes, sabemos que você é a que se destaca no que faz. Isso traz um ponto a ser discutido.
– Talvez tenha razão – disse ela num momento de ousadia. – E que ponto seria esse?
– Vantagens – James ergueu seu olhar, a ponta do indicador deslizando pela borda da porcelana. – Nada mais do que vantagens, Srta. Swan. Quero dizer, você tem tudo para dar certo...
O homem levantou-se de sua cadeira e deu alguns passos em volta da mesa até para logo atrás de suas costas, a poucos centímetros de distância. Bella estava pronta para usar seu gancho de direita caso precisasse, vontade não lhe faltou.
– Pense nisso como uma oportunidade ampla para novas portas. No mundo dos negócios, fazer boas amizades é essencial.
Ela assentiu em silêncio, os lábios puxados entre os dentes com mais força do que o habitual.
. Como uma dádiva divina, a porta da sala se abriu e o som dos saltos finos no porcelanato brilhante invadiu o espaço, junto com ele veio o alívio instantâneo da morena.
– Isabella – Victoria a cumprimentou com um leve aceno de cabeça antes de se ajustar em sua mesa. – Imagino que os relatórios estão prontos como pedi.
– É claro – ela respondeu, ainda tensa.
James já estava de pé ao lado da esposa com a mão apoiada em seu ombro de modo protetor. Bella sequer percebera sua movimentação para longe dela.
– Eu vou dar uma olhada, obrigada.
– Com licença.
Bella se retirou da sala sem olhar para trás, sentindo-se livre do clima tenso que sua chefe sequer sentia. No fundo, Bella sentia pena por Victoria não conhecer de fato quem era James e suas intenções sujas pela revista.
Quando as pessoas começaram a sair no fim do expediente, Bella fechou o arquivo em seu notebook, seguindo a promessa que fizera a Alice de não se prolongar até tarde no trabalho. Segundo Alice, "ela perdia tempo demais da sua vida naquela revista". Era óbvio que Bella não concordava, trabalho nunca seria uma perda de tempo.
A redação estava quase vazia quando ela saiu com a bolsa a tiracolo, ainda perdida na conversa com James mais cedo – se é pode-se chamar de conversa.
– Pronta para ir para casa? – Alice surgiu como um fantasma
– Droga, Alice! – Ela se virou num sobressalto – Não pode aparecer do nada o tempo todo, você ainda vai me matar desse jeito.
– Não é minha prioridade – disse como uma risada musical. – Quase não vi você hoje na redação, está tudo bem?
– Claro, só mais um dia sendo mulher nessa empresa.
Bella clicou no botão do elevador com impaciência.
– Não estou a fim de jantar comida congelada, o que acha de comer fora?
– Dia ruim? – Alice indagou, cautelosa.
– Chefe ruim – ela sorriu com amargura.
– Imaginei – a baixinha balançou a cabeça, ciente do que chateava a amiga. – Relaxa, vou ficar responsável por salvar a sua noite.
Dessa vez foi Bella quem deu seu sorrisinho sarcástico. No final de tudo, ela sabia que Alice era capaz de animar a qualquer um com aquela névoa invisível de entusiasmo, era como um dom. O dom de salvar o dia.
– Vou adorar ver você tentando.
O restaurante italiano era o mesmo de sempre, localizado na esquina com a E. Superior Street, mesma rua onde Alice e Bella dividiam um apartamento há mais de cinco anos. Era o preferido das duas, uma das poucas coisas que as amigas tinham em comum.
Quando os drinks chegaram, Alice tagarelava sobre o seu dia corrido enquanto Bella tentava acompanhar seu ritmo, entretida com a cereja submersa na sua dose de Martini.
– Deixa eu ver se entendi, você passou o dia com a Jennifer Lopez?
– Bem, o dia inteiro não. Foram só uns vinte minutos, a entrevista foi corrida, mas foi o bastante para perceber que ela é maravilhosa – comentou, admirada. – Levei o Jacob comigo e ele tirou algumas fotos para a matéria, ficaram muito boas.
Bella sorriu de lado antes de dar um gole na sua bebida.
– Aposto que Jake adorou fotografar ela.
– Não seja uma maldita ciumenta, você sabe que ele só tem olhos para você.
Se encolhendo ligeiramente, a morena desviou o olhar.
– Nem começa, Alice. Não romantize nosso lance, eu não tenho espaço para homens na minha vida.
– Ah, Bella! – Alice revirou os enormes olhos escuros – Vai dizer que não ia gostar de ter alguém para te abraçar de manhã ou para te consolar em um filme triste... ou passar o natal com você.
– Estamos mesmo falando de mim? – Ela arqueou a sobrancelha, rindo em seguida. – Já que tocou no assunto natal, tenho uma notícia não tão boa.
– O que foi?
– Meus pais não vêm para Chicago no natal – ela suspirou, desanimada. – Eles querem que eu vá para casa.
– E isso é uma notícia ruim? – Ela sorriu abertamente. – Aposto que Renée já deve estar montando todo um cronograma mãe e filha de natal, vai ser ótimo para você passar um tempo como eles em Forks...
Alice se censurou ao notar o semblante hesitante da morena.
Bella sabia que Alice via tudo sob uma ótica própria e era óbvio que aquele convite soaria como uma ótima oportunidade, mas para ela era um pouco diferente. Retornar para sua cidade natal significava reviver lembranças que ela gostaria de deixar no passado, no mesmo lugar onde agora se empoleiravam como uma névoa escura que omitia os detalhes que doíam na sua mente.
– O que você vai fazer, afinal?
– Eu não sei. De verdade, não faço a menor ideia do que fazer – ela mordiscou o lábio inferior, dividida. – Provavelmente vou inventar uma desculpa até lá. Quer dizer, eu nem preciso, já vou estar muito ocupada com a matéria do próximo mês, então...
– Bella, faz quanto tempo que você não vai a Forks? Nove, dez anos? Todos os natais os seus pais vêm até Chicago só para ver você, eles sentem sua falta. Acho que é sua vez de voltar agora.
– Esse é o problema, eu não acho uma boa ideia – ela rebateu. – Eu não quero voltar para Forks, Alice.
A frustração no seu tom de voz era perceptível, ainda que distorcido por uma tentativa de omitir os seus sentimentos.
Forks era um dos seus assuntos mais delicados, a pequena cidade carregava pessoas, momentos... tudo o que Bella viveu em sua juventude e que agora não passavam de lembranças melancólicas. Ela sabia que não conseguiria se desvincular completamente daquele lugar nebuloso enquanto seus pais morassem lá, até mesmo propôs uma mudança para Chicago com a desculpa de que só assim ela poderia passar mais tempo com eles. No entanto, os Swan eram conhecidos por sua teimosia... e orgulho.
Alice abriu a boca para iniciar mais um de seus discursos de convencimento, algo que Bella já estava habituada a ouvir, quando risos agudos ecoaram por todo o espaço ao redor. As duas amigas se viraram na direção das gargalhadas e encontraram uma família reunida a duas mesas de distância, um casal relativamente jovem acompanhados de suas crianças pequenas. Bella não reconheceu o motivo das risadas, mas aquela simples cena dos pais brincando com seus filhos arrancou um sorriso sutil de Alice, e por outro lado, tornou o coração de Bella duas vezes mais pesado do que em momentos antes.
– Eu nunca pude me dar ao luxo de ter momentos assim – disse Alice, os olhos ainda fixos na mesa vizinha.
Apesar de ser reconhecida pela sua personalidade positiva intocável, Bella conhecia bem o passado solitário da sua amiga.
Ela havia crescido no Mississipi rodeada por um ambiente rude e de nenhum afeto, jamais conhecera qualquer pessoa que pudesse nomear como seus pais e passou a infância inteira num orfanato de baixa verba do governo até ser recolhida por uma tia encontrada pelo serviço social aos quatorze anos. Segundo Alice, foram anos muito duros vividos junto de Cynthia Brandon, de exploração, manipulação e intimidação. Anos em que ela enfrentou tudo sozinha até terminar o colegial e fugir para Chicago sonhando com a faculdade e, consequentemente, uma vida melhor longe dos horrores que foram sua adolescência.
– Você tem uma família incrível, Bella – ela continuou, virando-se para a amiga. – Não faça nada que vá se arrepender depois, por favor.
Com um nó na garganta, Bella assentiu.
Ela estava sendo egoísta consigo mesma e com aqueles que mais amava. Alice estava certa, onze anos fora tempo o bastante para processar todos os fatos que ocorreram como uma enxurrada violenta na sua vida, solapando estruturas e deixando cicatrizes que ela acreditava que jamais iriam desaparecer completamente, que agora faziam parte de quem Bella havia se tornado.
– Você tem razão – ela concordou com um suspiro profundo. – Talvez eu deva ir...
– Talvez não, você deve ir – Alice insistiu – Vai ser bom para você, Bella. E cá entre nós, sei que precisa tirar umas férias urgentemente.
Finalmente os pedidos haviam chegado e Alice se distraiu do assunto com o aroma da comida feito uma criança entretida com a TV, mas Bella não parou de refletir sobre como sua autodescrição era uma farsa. Ela se orgulhava de dizer o quanto era decidida e firme para lidar com as mais diversas situações no trabalho, mas lá estava ela, patética, apavorada com a simples ideia de retornar para cidade minúscula em que nasceu.
É só a minha casa, ela garantiu mentalmente a si mesma. Vai ficar tudo bem.
– Okay, você me convenceu!
Alice ergueu o olhar da própria comida, surpresa.
– Vou enfrentar todos aqueles malditos puritanos, arcaicos e fofoqueiros de Forks. São só algumas semanas, eu consigo suportar – Algumas terríveis e maçantes semanas – Vou voltar para casa.
