Honestamente, deveria ter sido muito fácil. E foi, no começo.

Ela sempre soube sobre ele. Havia tantos rumores e histórias, mesmo do outro lado do canal. Por isso, quando ela finalmente o conheceu, foi tão anticlimático e, principalmente, tentador. Ele parecia apenas a exata mistura entre vulnerabilidade e utilidade.

É claro, ela era melhor do que isso, ou, pelo menos, pensava ser, e não agiu imediatamente. Havia resistência, moral. As primeiras impressões tinham um hábito horrível de serem enganosas. Neste caso, no entanto…

Ele simplesmente não era o que ela, ou qualquer um dos seus colegas franceses, pensava que seria.

Esse garotinho era um herói nacional?

Rindo envergonhado entre seus pares, muito mais exuberantes, e, surpreendentemente, tentando se esconder na massa fria de rostos e robes indistinguíveis.

Apenas não parecia certo.

A imagem não encaixava com o personagem e nem mesmo com os boatos que a própria escola escocesa parecia disseminar.

Ela ouviu sobre ele ser um ímã de problemas, um caçador de glória, um quebrador de regras, trapaceiro infame, aprendiz de senhor das trevas, arrogante, entre outras mais diversas teorias coloridas. O mais surpreendente é que essas opiniões pareciam vir de alunos que nem demonstravam ter um excessivo desgosto pelo menino.

Não parecia verdade.

No entanto, isso não a impediu de descartá-lo, quase que de imediato, como sem importância.

Na pequena sala, em meio a gritos e uma possível crise diplomática, ela viu o primeiro indício de que havia se equivocado, de que havia algo a mais.

A princípio ele parecia assustado e confuso. O que condizia com a impressão que ela tinha dele até aquele momento. No entanto, quando Harry Potter foi pressionado contra a parede, figurativa e literalmente, ele não hesitou.

Nem por um maldito momento.

Um fogo de rebeldia brilhou em seus olhos verdes quando alguém desprezou-o. Esse alguém, amaldiçoado seja seu temperamento volátil, era justamente ela.

No mínimo, ela deixou uma primeira impressão ainda pior do que a dele. E isso, sem dúvidas, era dizer algo.

O incidente, por outro lado, não mudou as coisas. Ele seguia sendo uma peça estranha ao quebra-cabeça.

Dócil, temeroso e vulnerável.

Com exceção do breve brilho após a seleção de campeões, era apenas isso que ela conseguia ver. Muito diferente da miríade de opiniões, da mais baixa a mais alta conta, que o restante do corpo estudantil parecia ter em relação a ele.

Esse garotinho era mesmo digno de toda aquela comoção?

Apesar de sua infâmia considerável, era muito fácil esquecer que ele era, de fato, uma celebridade. Até mesmo ele parecia surpreso quando era lembrado desse pequeno e significativo fato. Como na ocasião em que foram convocados para a realização da pesagem das varinhas, onde ele foi tão facilmente emboscado pelos tubarões famintos da mídia.

Dia após dia, de encontro a tudo que ela esperava ver, ele reforçava suas cores iniciais. Escancarando a fragilidade e inexperiência, enquanto se esforçava para equilibrar sua relação, que parecia cada dia mais tensa, com seus poucos amigos.

Eventualmente, ela finalmente se convenceu, sem sombra de dúvidas, de que não havia nada de especial em Harry Potter.

No entanto, como em um Déjà vu, sua mais nova convicção não demorou a, outra vez, ser abalada.

"Dragões."

O citado garotinho resmungou depois de tê-la abordado perto de uma alcova. Ele parecia consideravelmente mais sombrio e cansado do que o normal.

"Desculpe?"

Ela se forçou a questionar, mesmo diante da surpresa de vê-lo agir tão fora do personagem.

"A primeira tarefa são dragões." Esclareceu ele, com algum distanciamento, parecendo quase perdido em pensamentos. "Não sei qual o papel deles, mas há um para cada um de nós."

Após processar a informação valiosíssima que o garoto estava oferecendo, ela finalmente conseguiu forçar seus instintos a funcionarem.

"Por que você me diria isso, se fosse verdade?"

Havia curiosidade em seu tom, mas também havia desconfiança e incredulidade.

"Não importa, eu apenas fiquei sabendo disso de uma forma injusta e me senti obrigado a nivelar o terreno." Resmungou levemente aborrecido, como se duvidasse de seus próprios motivos. "Apenas faça o que quiser com isso."

A troca foi curta e ele não perdeu tempo em sumir pela alcova apertada que, só agora, Fleur percebeu ser uma passagem secreta.

Demorou algum tempo para registrar a estranheza do acontecimento.

Por outro lado, a frustração por ter, aparentemente, o julgado mal, foi quase instantânea.

Confuso, frustrado, enigmático… Vulnerável?

Quem era ele, afinal?

Útil, ela logo percebeu.

Quem mais teria revelado uma informação tão importante? Quem se não Albus Dumbledore?

Era a conclusão mais óbvia. Ainda que levantasse dúvidas, dessa vez sobre o próprio diretor que, pelo que ela havia ouvido pelos corredores, mantinha um distanciamento saudável de todos os alunos, em que pese seu carisma inegável e postura geralmente amigável.

Ela já havia ouvido falar sobre essa relação heterodoxa, mas descartou como mais um boato desprendido dos fatos.

No entanto…

Surpreendentemente, mas nem tanto, se ela fosse ser honesta consigo mesma, a informação suspeita do garoto se mostrou um fato.

Na mesma nota, o referido menino nem mesmo piscou ao sacar a mais terrível das bestas entre as possíveis. Ele parecia, no máximo, resignado.

Não havia tempo para isso. Ela precisava se concentrar. O encanto que tentaria em poucos minutos era uma das coisas mais complexas que ela já havia realizado. Na verdade, qualquer feito mágico envolvendo uma besta como um dragão era uma proeza considerável por si só, mas fazer algo do tipo dormir?

Isso era outra coisa.

"Harry Potter." Falou Krum, em uma voz rouca e carregada com um sotaque pesado. "Fiquei muito surpreso quando soube que sua informação estava certa." Resmungou o rapaz, chamando atenção de todos os outros três ocupantes da tenda. "Devo desculpas, não deveria tê-lo ofendido e descartado sua ajuda."

Havia educação nas palavras do Búlgaro, mas também havia certa teimosia.

O outro campeão de Hogwarts, em suas vestes amarelas, observou a troca com interesse e certa surpresa.

É claro!

A garota se amaldiçoou internamente por ter demorado tanto a perceber. O garoto havia referenciado seu interesse em reestabelecer uma ordem justa. Ele, obviamente, havia informado a todos. Não que houvesse qualquer justiça em alguém de sua idade competindo.

Mas o que realmente importava, como isso havia escapado de seu radar? Ela estava distraída a esse ponto?

A aparente vantagem desperdiçada pelo ingênuo competidor mais jovem escorreu por entre seus dedos antes de fazer qualquer diferença real.

"Não se preocupe." Tranquilizou o jovem de óculos com um sorriso trêmulo e voz tensa, tentando e fracassando em demonstrar descaso. "Está tudo bem, todos vocês teriam feito o mesmo se ficassem sabendo sobre um perigo como esse…"

O silêncio que tomou o ambiente poderia ser considerado constrangedor.

E o pior, Harry Potter nem parecia se dar conta do absurdo que havia acabado de escorregar de sua língua. Ele já estava concentrado em outras coisas, como fechar os olhos em uma tentativa de afundar na poltrona mais afastada.

Eles teriam feito o mesmo?

A resposta era óbvia. E, pela expressão no rosto dos outros dois rapazes, eles também sabiam disso.

Desconcertante.

Seu desempenho na primeira tarefa foi bom. Não muito diferente de Krum e Diggory, os três tiveram dificuldade semelhante e algum grau de danos. Ela arriscaria dizer que foi a melhor dos três.

Mas nada comparado ao desempenho de Harry Potter. Quão insensato, audacioso e, francamente, louco alguém precisa ser para convidar um dragão para uma dança no ar? Quão talentoso alguém tem que ser para ganhar essa disputa suicida?

Harry Potter era como um quadro cinza, pacato e sem graça. No entanto, por baixo de toda a solidez enfadonha, de todo o gris monótono, em determinados momentos, de determinados ângulos, brilhava uma cor vívida. Fugaz de tal forma que Fleur não conseguiria defini-la ou descrevê-la. Inesperada ao ponto de não se saber quando, ou se, apareceria outra vez.

Útil.

Ela lembrou-se.

E, talvez, mais interessante do que sua primeira, segunda e, até, terceira impressão deram a entender.

Útil, enigmático, desconcertante…

Ela ainda conseguia ver a vulnerabilidade de antes?

Sim, ele ainda parecia tão fácil e tentador.

"Você deveria me levar ao baile, Harry Potter."

O garoto abriu os olhos, protegendo-os do sol, ao ouvir seu cumprimento abrupto.

Ele demorou alguns segundos para reconhecê-la e mais alguns instantes para tomar uma posição mais digna, sentado, embaixo da árvore que ocupava, próximo ao lago.

"Perdão?"

Questionou ele, genuinamente confuso com a abordagem inesperada.

"O baile." Repetiu ela, lentamente e com uma sobrancelha levantada. "Eu serei sua acompanhante."

O garoto assentiu, ainda cauteloso.

"Entendo." Testou ele com calma. "Eu posso ter algo a dizer sobre isso?"

Ele podia?

Pouco provável…

"É claro!" Defendeu-se Fleur, fingindo estar ofendida. "Você tem algo a dizer sobre isso?"

A doçura em sua voz foi cuidadosamente projetada para fazê-lo estremecer, em estranheza ou algo mais.

"Não! Acho que não!" Cedeu ele após alguma hesitação. "Por que você está fazendo isso, de repente?"

Questionou ele curioso, após ela tomar um assento ao seu lado, encostada no tronco da mesma árvore.

Ela deu de ombros, sorrindo enigmática.

"Eu queria agradecer pela informação sobre os dragões, me ajudou muito."

O tom, francamente, insensível que ela usou propositalmente, cumpriu o papel desejado, na medida que fez ele encará-la com incerteza.

"É só isso?"

Insistiu Harry em sua desconfiança habitual.

Ela, finalmente, sorriu travessa.

"Você é interessante e um pouco fofo."

Ele corou e resmungou algo que parecia suspeitosamente com uma negativa da afirmação anterior.

Ele, é claro, não era nada fofo.

A risada feminina, combinada com o brilho de seus olhos azuis, no entanto, o relaxou ao ponto de ele esboçar um sorriso.

Ele era, no entanto e de fato, muito fácil.

E um pouco fofo, ela não conseguia forçar-se a negar.

Ele nunca pareceu particularmente inseguro, pelo menos não mais que um adolescente ordinário. No entanto, ele não buscou aproximar-se dela da forma como ela esperava, pelo menos não inicialmente.

Isso a deixou na posição complicada e praticamente inédita de ter que se esforçar por algo.

"O que há com o garoto ruivo?"

Perguntou ela em uma tarde qualquer.

Sem surpresas, ela o procurou naquele dia. Não que fosse difícil encontrá-lo, era apenas frustrante que ele não demonstrasse estar interessado ao ponto de ir atrás dela.

"Isso é complicado."

Resmungou ele incerto, após alguma consideração cuidadosa.

"Obviamente, lembro de tê-los visto juntos no dia que cheguei aqui e agora vocês ignoram a presença um do outro."

Talvez ela estivesse sendo um pouco incisiva demais. Mas nunca ninguém acusou uma Veela de ser paciente. Isso também era válido para a neta de uma.

"Eu não sei se quero falar sobre isso." Resistiu ele. "E, além disso, o que você estava fazendo prestando atenção em mim no dia em que a sua delegação chegou?"

Perguntou ele de forma inocente.

Inocente ao ponto de ser suspeito.

Ela viu-se corando, de qualquer forma.

Não que a reação, parcialmente inesperada, ao seu deslize fosse ruim para seus planos, ela apenas não havia planejado isso.

"Você me pegou." Resmungou a jovem com uma pequena careta. "Eu já disse, achei você fofo."

O garoto estremeceu novamente.

"Pare de dizer isso."

Insistiu ele veementemente.

Fleur sorriu com malícia.

"Por que?" Provocou ela sorrindo e o cutucando levemente. "Você se sente menos viril por ser fofo?"

"Nenhum homem, como eu, devia ser chamado de fofo." Esclareceu ele com uma seriedade quase cômica. "Nunca!"

Ele conseguiu segurar um rosto em branco por alguns segundos antes de rachar em uma pequena risada.

Fleur, surpreendentemente, se viu acompanhando o bom humor do jovem.

Quanto mais ela o conhecia, mais se dava conta de que ele era, na verdade, um bom garoto.

Era muito fácil assumir o papel de menina brincalhona ao redor dele.

Fácil demais.

Sua peça fluía com tamanha naturalidade que, em alguns poucos momentos, era necessário lembrar a si mesma que havia um propósito para todo esse teatro elaborado. Ele não era o rapaz enigmático e tão fácil de provocar que ria com ela no intervalo entre as aulas.

Ele era apenas útil.

Apenas quando ele virou o corredor resmungando, quase a deixando para trás com seus pensamentos, foi que ela percebeu que ele teve sucesso em desviar sua pergunta inicial.

Quão sorrateiro!

"Vamos logo!" Chamou ele esperando ao lado da escada. "Precisamos pegar uma carruagem."

"Carruagem?" Questionou a garota antes de abrir um sorriso um tanto quanto predatório. "Você vai me levar a um encontro, monsieur Potter?"

Seguindo o personagem de forma magistral, Harry assumiu a cor escarlate de um pimentão, antes mesmo que ela o alcançasse na beira da escada.

"Não diga essas coisas." Rebateu ele envergonhado. "Eu estava indo para lá e você parece estar me seguindo, apenas assumi…"

"Assumiu corretamente!" Tranquilizou a loira. "Qual é mesmo o nome de sua pequena vila?"

"Hogsmeade." Respondeu o mais jovem simplesmente. "Você vai gostar!"

Era uma afirmação presunçosa; mas, surpreendentemente, correta.

A vila era pitoresca.

Pequena, intimista e, honestamente, um pouco desgastada pelo tempo. No entanto, combinava perfeitamente com a paisagem daquele lugar montanhoso e inóspito.

Uma beleza misteriosa e pouco acolhedora, um pouco como a do jovem ao seu lado.

"Parece um pouco… Suja."

Falou a garota em tom brincalhão, mais para provocar seu acompanhante do que para oferecer uma crítica sólida.

"Admita." Respondeu ele levantando uma sobrancelha. "Você adorou!"

"E como você saberia disso, monsieur?"

Em resposta a presunção dele, ela usou a própria.

No entanto, o rapaz limitou-se a dar de ombros sorrindo enigmático.

"Chame de intuição, se quiser."

Fleur não se importou em tentar fazê-lo falar mais do que isso.

O silêncio foi breve, mas legitimamente bem-vindo.

"O que mais há para ver por aqui além de ruas abarrotadas de estudantes ingleses entusiasmados?"

Questionou ela finalmente.

Harry sorriu largamente pela primeira vez desde que se conheceram.

Ele tinha um sorriso bonito.

"Muitas coisas, mas há uma tradição a ser cumprida antes de mais nada." Respondeu ele criando suspense. "Venha comigo!"

Ele a guiou até uma velha estrutura afastada da vila. Era uma casa abandonada, um tanto quanto decrépita, cercada por uma grade enferrujada em cima de uma colina.

"Eu sempre gostei desse lugar, imagine como seria depois de algumas reformas? Eu acho que eu poderia ver Hogwarts pela sacada." Suas considerações foram cortadas por uma informação extra. "Eles dizem que é assombrada, a propósito."

Revelou ele se aproximando do cercado e apontando para a velha casa.

"Você não acredita nisso?"

Perguntou ela curiosa ao notar o tom reticente com que o rapaz a informou sobre o boato.

É claro, não havia nada demais em uma casa assombrada. Eram bastante comuns, na verdade.

"Bem…" Hesitou o garoto. "Poderia muito bem ser, mas…"

"Vamos, não me deixe curiosa."

Brincou a garota se aproximando um pouco mais de onde o jovem estava, a um passo de invadir seu espaço pessoal.

"Você me perguntou sobre o Ron mais cedo." Relembrou ele, não encarando-a nos olhos. Ele parecia pensativo. "Tem a ver com isso, presumo. Meus pais..."

Ela congelou, resistindo a um súbito impulso de afastar-se.

É claro que ela sabia.

Todos sabiam.

Mas só agora ela realmente se deu conta de que o menino na sua frente era um órfão que nunca conheceu sua família.

"No que você está pensando?"

Perguntou ela, muito mais suavemente do que o de costume.

Ele a encarou por alguns segundos antes de voltar o olhar, mais um vez, para a estrutura decadente que parecia fascina-lo tanto.

"Eu gosto muito dessa casa velha, caindo aos pedaços." Revelou ele com certo apego. "É perto de Hogsmeade e de Hogwarts, dá para ver a torre da Grifinória do andar superior..."

"Você poderia comprá-la, poderia muito bem ser um lar decente com um pouco trabalho." Comentou ela em um incentivo relativamente vazio e tom de voz cético. "E barato também, eu aposto."

Teorizou ela, encarando, criticamente, a estrutura defeituosa.

"Talvez eu faça..." Concordou o mais jovem com um sorriso pequeno e sonhador. "Vou usar o prêmio do torneio para isso."

Fleur riu com gosto.

"Não se esqueça, vai ter que passar por mim se quiser esse prêmio. Por outro lado, comporte-se bem e eu posso presenteá-lo com a casa como um prêmio de consolação." Ponderou ela antes de voltar a feição preocupada que possuía antes do garoto mudar de assunto. "Mas sério, o que está o incomodando tanto?"

Voltou a pressionar a garota, de forma perspicaz e perceptiva.

Harry limitou-se a suspirar.

"Um dos amigos de meu pai usava a casa para se transformar na lua cheia." Explicou ele. "Ele era um lobisomem, sabe? Por isso os gritos."

Ela ainda não entendia a relação disso com o garoto ruivo, mas deixou que ele elaborasse, assim mesmo.

"Entendo."

Respondeu ela com cuidado, incentivando-o a continuar.

"Quando meu pai e o seu outro amigo descobriram, eles não o abandonaram." Esclareceu ele. "Eles procuraram um jeito de ajudar, tornaram-se animagos e passaram o resto das noites de lua cheia o ajudando quando ele se transformava." Ele fez uma pausa, onde quebrou, com a bota, um pequeno galho seco. "E então há Ron, o meu melhor amigo no mundo todo."

Fleur hesitou.

"O que você quer dizer com isso?"

"Ele tem problemas com o fato de eu ser famoso e ter mais dinheiro do que ele." Comentou Harry com desprendimento. "Quando eu penso no meu pai e nos seus amigos." Disse ele apontando para a casa em ruínas. "Eu lembro das coisas que eu não tive, em troca de um punhado de moedas e ter minha cara nos jornais semanalmente." O garoto de olhos verdes suspirou. "Quando o meu pai e seus amigos se viram com um problema eles se uniram ainda mais para superar isso. Por que comigo é tão diferente?"

Ele sorriu tristemente por alguns instantes antes de voltar a encará-la, levemente constrangido pelo súbito despejo de informações pessoais.

"Desculpe." Lamentou ele. "Estou aborrecendo você com meu conto tedioso."

Honestamente, ela não estava aborrecida e nem entediada, mas sim pensativa e um pouco surpresa.

"Tudo bem!" Apressou-se Fleur em tranquilizá-lo. "Eu perguntei, afinal."

"Vamos!" Falou ele oferecendo a mão como um guia. "Tem muito mais para ver em Hogsmeade do que ruínas e lamentações."

Brincou ele com o humor um pouco afetado pela conversa anterior, mas, ainda assim, sorrindo brilhantemente.

Ela aceitou a sua mão com um sorriso próprio.

Na verdade, não havia tão mais em Hogsmeade do que ruínas e lamentações, mas eles se divertiram mesmo assim. Se faltava entretenimento na pequena vila, sobraram provocações amigáveis e risos fáceis.

Mais uma vez, Fleur surpreendeu-se pela facilidade que teve em aproveitar o pequeno passeio ao lado de seu acompanhante mais jovem.

Ela nem mesmo precisou fingir.

"Então." Começou Fleur após os dois já estarem quentes e devidamente servidos cada um com uma garrafa de cerveja amanteigada no pub local. "Você sempre tenta assustar as garotas com quem sai?" Brincou ela referindo-se a breve visita à Casa dos Gritos.

Na verdade, era uma pergunta carregada, mas ela se recusava a admitir que havia sido intencional.

O garoto, para a surpresa de Fleur, não pareceu particularmente envergonhado.

"Eu não saberia dizer, eu nunca levei uma garota para sair antes."

Admitiu ele sem parecer muito triste com o fato, apenas um pouco resignado.

A garota mais velha, por sua vez, não precisou fingir surpresa. Afinal, Harry, apesar de jovem, era famoso e nem um pouco feio.

"Sério?" Voltou a inquirir a loira, dessa vez com um pequeno sorriso malicioso. "Eu sou seu primeiro encontro?"

Perguntou ela em tom de provocação.

Harry resmungou com o rosto levemente avermelhado, mas não negou-se a responder.

"Eu nem sei se isso conta como um encontro, mas suponho que sim."

Fleur havia começado a elaborar um comentário espirituoso e um pouco obsceno sobre ser sua primeira e tornar a data memorável quando foi subitamente interrompida.

"Ei, Harry!" Intrometeu-se uma voz animada. "É muito bom encontrá-lo aqui!"

O rapaz era mais velho, ruivo, de estatura média e na casa dos vinte anos de idade, Fleur pensou. Sua intromissão rude foi surpreendente até mesmo para Harry, se a feição de seu rosto era uma indicação.

"Charlie!" Respondeu Harry sorrindo, após alguns segundos. "Eu não sabia que você ainda estava no país."

O tom de voz do garoto de olhos verdes indicava que, em circunstâncias normais, ele saberia sobre a informação.

O ruivo, por sua vez, limitou-se a rir em meio a um sorriso rasgado. Se Fleur fosse arriscar uma opinião, ela diria que o homem na sua frente havia ensaiado o mesmo sorriso para fazê-lo parecer o mais selvagem possível. Não que ela julgasse, combinava com a aparência dele.

"Bill chegou em algum momento nas últimas semanas. Ele vai ficar por aqui, pelo menos até o ano novo, achei que era uma boa oportunidade de reunir a família e por isso pedi uma licença da reserva." Explicou ele. "Por falar em Bill, ali vem ele!"

O homem para quem o ruivo havia apontado era outro ruivo. Este mais alto e, aparentemente, mais velho. Mais bonito também, mas isso não era muito importante, no momento.

Harry, ainda sentado, cumprimentou o recém-chegado de forma bastante amigável, mas com mais distanciamento do que o primeiro ruivo.

"Por falar nisso." Lembrou o garoto de olhos verdes, um pouco envergonhado com sua gafe. "Esses são Charlie e Bill Weasley eles são… Irmãos de um amigo e essa é Fleur Delacour." Explicou ele apontando para cada um dos citados. "Ela é um dos meus rivais no torneio e nós estamos…"

Fleur aproveitou-se para interrompê-lo.

"Estamos em um encontro."

Esclareceu ela com poucas delongas.

Harry levantou uma sobrancelha para a assertividade dela, mas isso não chegou nem perto da surpresa demonstrada pelos outros dois, principalmente pelo mais alto dos ruivos.

"Isso é legal!"

Sorriu o ruivo mais baixo depois de alguns instantes.

O outro manteve-se em silêncio limitando-se a olhar para ela com um olhar de consideração.

"Vamos, Bill!" Sorriu o mais jovem novamente, cutucando seu irmão. "Não queremos atrapalhar o casal feliz."

"Foi bom vê-lo, Harry." Despediu-se o que foi apresentado como Bill. "E, senhorita Delacour…" Sorriu ele dê uma forma muito familiar. "Foi um prazer conhecê-la."

Eles não demoraram a se afastar, deixando para trás uma Fleur inquieta e um Harry pensativo. Não tardou para ela questioná-lo sobre sua introspecção.

"O que houve?"

Perguntou ela, deixando uma nota de preocupação escapar em sua voz.

O jovem de olhos verdes voltou a olhar para ela.

"Nada demais!" Tranquilizou ele antes de explicar. "É apenas estranho. Eles são irmãos de Ron, mas eu não os conheço muito bem, é incomum que eles tenham me abordado assim, em Hogsmeade de todos os lugares…"

A desconfiança dele era justificada.

Fleur viu o olhar no rosto do Weasley mais jovem e não considerou a abordagem uma mera casualidade.

"Não se preocupe com isso." Sorriu ela, mesmo sabendo sobre as segundas intenções dos ruivos. "Eles estavam apenas sendo amigáveis."

Harry pareceu aceitar seu ponto de vista, voltando a assumir a postura despreocupada de antes.

Por alguma razão, sempre que estava perto do menino mais jovem, Fleur tinha a nítida sensação de que ele era muito mais perceptivo do que deixava transparecer, não que ele tenha dado muitas indicações disso no passado, era apenas um sentimento aleatório.

"Agora…" Brincou o jovem de cabelos pretos com um sorriso de canto e olhos brilhantes. "O que você estava dizendo sobre estarmos em um encontro?"

Fleur riu com gosto.

A leveza os seguiu de volta para o castelo, onde Fleur insistiu em abraçar Harry e depositar um beijo em sua bochecha quando este a levou até as proximidades da carruagem.

A despedida serviu para envergonhá-lo, o que era sempre uma vantagem, mas também era um ato calculado, na medida que avançava um passo ou dois em seu plano de aproximação. Não importava o fato de Harry ser gentil e uma ótima companhia, havia um objetivo a ser cumprido.

De fato, o seu plano começou a dar frutos no dia seguinte. Fleur mal precisou olhar para um dos jornais errantes na mesa em que tomava café da manhã, os olhares curiosos dos estudantes diziam a ela tudo que ela precisava saber.

Se, até agora, durante todo o torneio, ela havia sido descartada pela imprensa como uma mera coadjuvante, mal sendo citada nas matérias tendenciosas, enfim ela estampava a primeira página.

Era uma foto bonita, os dois caminhavam lado a lado por uma das ruas estreitas de Hogsmeade, sorrindo distraídos de tal forma que nem um dos dois percebeu o fotógrafo. O braço dela estava enrolado no dele enquanto ela o observava falar sobre algo. Ele por sua vez, tinha os olhos brilhantes e um sorriso preguiçoso, distraído pela história que contava.

Uma bela foto, de fato...

Ela não pode deixar de sorrir com certo carinho ao ver a imagem no jornal.

Fazer com que as pessoas conheçam seu nome, mesmo que dessa forma questionável, era um ponto importante para a ambição da garota francesa.

Inesperadamente, seu companheiro mais jovem não parecia compartilhar de sua animação para com os desenvolvimentos. Ele nem mesmo apareceu durante o resto daquela semana e foi apenas no começo de dezembro que Fleur se cansou do sumiço do garoto e resolveu tomar as devidas providências.

"Onde ele está?"

Questionou ela de forma indelicada e com sotaque pesado, cruzando os braços em frente a amiga de Harry, que descansava calmamente em meio a diversos livros na biblioteca.

A jovem franziu a testa, confusa e aparentemente incomodada com a rispidez de Fleur.

"Bem, considerando o seu suposto relacionamento, você deveria saber."

Devolveu ela com o rosto em branco.

Fleur respirou fundo, em um esforço para se acalmar. É verdade que o sumiço de Harry não ajudava seus planos em nada, mas não havia razão para perder a calma.

"Perdão." Desculpou-se a francesa, mais contida. "A verdade é que eu não o vejo há dias, estou preocupada."

A confissão da loira não pareceu surpreender a menina mais jovem, que a avaliou seriamente por vários segundos antes de assentir, aparentemente aceitando seus motivos como legítimos e seu sentimento como verdadeiro.

"Eu conheço Harry há anos." Contextualizou a morena. Fleur estreitou os olhos, encarando a sentença como uma farpa sútil. "Não me entenda mal." Remediou Hermione. "O que quero dizer é que ele é um idiota gentil e abnegado. Quase demais, para o próprio bem dele." Explicou a jovem fechando o livro que até aquele momento ocupava sua atenção.

"E então?" Incentivou Fleur, sem saber o ponto da conversa.

"Acontece que ele decidiu que estava sendo um inconveniente para você e acabou se retirando dos olhos do público." Hermione revirou os olhos, como se ela mesmo achasse as ações de seu amigo uma estupidez. "Ele faz isso as vezes."

"Porque ele pensaria isso?" Questionou Fleur, legitimamente surpresa e confusa.

"Por causa dos artigos no jornal." Respondeu a mais jovem como se fosse óbvio. "Ele não se dá muito bem com a imprensa. Quando ele percebeu que aquela mulher detestável estava escrevendo sobre você ele sentiu-se culpado e decidiu sumir."

Honestamente, Fleur nem havia lido as matérias com atenção e não poderia dizer se havia algo pouco lisonjeiro sobre ela, esse não era o ponto, afinal de contas.

"isso é…" Parou, lutando para encontrar uma palavra. "Nobre, eu acho."

Nobre e um tanto ingênuo. Ela nem sabia dizer se essa avaliação se encaixava com o perfil que ela havia traçado até agora. Ela nem tinha certeza se ainda havia um perfil do garoto traçado nitidamente em sua cabeça. Harry Potter era, sem dúvidas, confuso.

"Esse é Harry Potter para você, achei que já haviam sido apresentados."

Brincou a morena secamente.

"Onde ele está?"

Voltou a questionar Fleur, aceitando a ajuda indisposta da garota mais jovem.

Hermione suspirou incomodada, mas rendeu-se rápido o suficiente.

"Terceiro andar, quarto corredor ao sul, oitava porta a esquerda." Citou a garota de memória. "É uma das salas não usadas em uma parte desocupada do castelo, Harry usa como parque de diversões há algum tempo enquanto os professores fingem que não sabem, talvez você o encontre lá." Revelou a menina já voltando a abrir seu livro.

"Obrigada!" Agradeceu Fleur, deixando seu sotaque escorrer.

No entanto, antes que pudesse deixar o local, a garota mais jovem voltou a chamar sua atenção.

"Delacour…" Comentou a jovem seriamente. "Eu não sei como, por qual razão ou, até mesmo, em que extensão." Listou a jovem a analisando friamente. "Mas o que eu sei é que você está usando ele." Teorizou a menina com resolução. "Ele não merece isso."

Fleur levantou uma sobrancelha, em algum lugar entre a surpresa e o absoluto descaso. Entretanto, não se deu ao trabalho de negar as acusações.

Em seus pensamentos mais íntimos, enquanto encarava a morena com cuidado, planejando se afastar do local, Fleur concordou com a amiga de Harry, ele não merecia, de forma alguma.

"Você é amiga dele." Lembrou a loira com uma sobrancelha levantada e postura defensiva. "Não deveria subestimá-lo."

Surpreendentemente a morena riu.

"Eu não faria isso." Disse em tom bem-humorado. Fleur não se deixaria enganar pela zombaria barata. "Você é quem não devia subestimá-lo." O retorno não foi inesperado. "É apenas um aviso, você está jogando um jogo perigoso, tome cuidado ou descobrirá da pior forma o quão perceptivo e especial ele é."

A garota não esperou uma resposta, voltando para sua leitura, tampouco Fleur se dignou a responder, enquanto deixava o local a passos largos.

O garoto, de fato, estava na sala apontada pela amiga estudiosa. Distraído e de cara fechada, encarando as palavras de um livro grosso, nem notou a presença de Fleur, que adentrou na sala sem se anunciar.

"Você devia proteger esse lugar com alguns feitiços." Falou ela surpreendendo o menino e o tirando de sua leitura. "Eu poderia ensiná-lo, se pedir com jeitinho."

Provocou ela.

Harry, por sua vez, sorriu com a brincadeira da garota, parecia contente em vê-la.

"O que faz você pensar que eu já não os conheço?"

Questionou ele retoricamente, fechando o livro.

Fleur ignorou a pergunta capciosa enquanto analisava os arredores da sala.

Era uma sala de aula comum, senão um pouco ampla, com largas janelas de frente para o lago negro, que concediam ao cômodo uma iluminação generosa. Espalhadas por algumas mesas, as poucas que não estavam encostadas na parede, estavam livros e pedaços de pergaminho com anotações diversas. Em um canto, quase escondido pelos móveis desorganizados, estava o Ovo de Ouro, idêntico ao que ela possuía.

"Eu não sabia que você era um leitor tão dedicado."

Comentou ela, apontando para os diversos tomos espalhados pela sala, tentando medir os pensamentos do jovem na sua frente, que não havia lhe dirigido a palavra na última semana.

"Eu não sou." Revelou ele simplesmente. "Isso é por causa do torneio."

Ela assentiu, puxando a varinha e transfigurando uma das cadeiras de aparência rústica em uma poltrona confortável e larga.

"Você vai ficar por aqui?"

Perguntou ele incerto, ao vê-la esticar-se preguiçosamente na poltrona que transfigurou há poucos segundos.

"Vou!" Respondeu ela em tom neutro. "Pelo menos até você deixar de agir como un cochon, um canalha."

O menino surpreendeu-se.

"Canalha? Eu?"

"Bem..." Ponderou a loira encarando o adolescente com uma feição irritada. "Você me levou para um encontro romântico e não falou comigo desde então, isso me parece algo que um canalha faria."

O menino suspirou, entendendo onde a francesa queria chegar.

"Me desculpe por isso."

Apressou-se ele.

Ela, no entanto, esperava mais.

"Eu achei que você teria percebido que não vale à pena ser minha amiga depois da matéria no jornal."

Admitiu ele, finalmente.

E, novamente, lá estava a familiar sensação de que ela estava deixando algo passar. A impressão, incompreensível, de que o jovem sabia mais, e queria dizer mais, do que realmente dava a entender.

"Eu não me importo com o jornal." Descartou ela facilmente. "Nós nos damos muito bem e eu gosto de você." Ela assustou-se, mesmo que de forma leve, ao perceber que não era uma mentira. "Você deveria parar de me evitar."

O garoto a encarou por alguns instantes, perdido em pensamentos e consideração profunda.

Era irritante, para ela, quão difícil era a tarefa de ler os pensamentos dele.

Isso foi uma das muitas coisas que mudaram em sua opinião sobre o jovem. Antes, ela pensava no garoto como um livro aberto, simplório; mas agora, cada vez mais, ela entendia que ele possuía muito mais camadas do que as que ficavam aparentes em sua linguagem corporal desleixada.

Esse era um desses momentos, quando ele parecia tão sério por baixo de toda leveza infantil, inerente a sua personalidade complexa.

Ele realmente esperava que ela se afastasse depois de conhece-lo apenas um pouco? Depois de ser exposta aos seus problemas com a mídia?

Era ingenuidade ou algo mais?

"Tudo bem!" Aceitou ele, depois de um tempo, com um suspiro resignado. "Eu prometo que não vou mais evitá-la."

Fleur sorriu vitoriosa, talvez ela estivesse sendo paranoica, no fim das contas.

"Ótimo!"

"Mas eu ainda preciso terminar isso." Protestou ele apontando para o livro que estava lendo anteriormente. "Podemos nos ver mais tarde, se ainda quiser."

Fleur descartou as palavras com facilidade praticada.

"Nada disso!" Teimou ela com um sorriso altivo. "Eu vou esperar bem aqui, leve o tempo que precisar."

O garoto levantou uma sobrancelha em desafio, mas não perdeu tempo em voltar para seu estudo diligente.

O dia do baile chegou e passou, com pouco ou nenhum problema.

O garoto havia sido um acompanhante solícito, porém, para o desgosto de Fleur, distante.

Pesava, no fundo dos pensamentos da menina, dúvidas quanto ao que o menino pensava dela.

Ela não entendia, realmente, de onde vinham aquelas inseguranças, nada familiares.

Esqueceu, entretanto, de tudo isso, enquanto girava pelo salão, distraída de seu plano e enganchada suavemente nos braços do jovem que havia escolhido para acompanha-la.

"Fleur."

Cumprimentou o menino se aproximando, ao vê-la sair da carruagem na primeira semana de janeiro.

Essa era uma das novidades decorrentes da sua conversa nos dias anteriores ao Baile. Ele havia começado a buscar a companhia dela ativamente.

Quase que como um reflexo, ela enganchou-se no braço do garoto, que pela primeira vez desde que se conheceram, não hesitou em aceitar contato físico.

"Que surpresa!" Sorriu Fleur, que ainda insistia em provoca-lo por seus hábitos solitários. "O que o trás até aqui, monsieur?"

O menino parecia estranhamente contente naquele dia.

Portava um sorriso pequeno, Fleur podia perceber mesmo sem olhar diretamente para ele que, habitualmente mantinha os olhos longe, nas montanhas atrás do castelo ou no outro lado do Lago Negro.

"Nada!" Revelou o menino com simplicidade. "Achei que você poderia estar entediada e precisando de companhia."

Harry Potter era um mistério.

"Você está certo." Admitiu ela ainda andando ao lado do menino, despreocupada quanto a direção que seus pés a levariam, ela confiava nele. "Na verdade, tenho estado um pouco ansiosa por causa da segunda tarefa."

Os olhos do menino finalmente a encararam, curiosos.

"Fiquei sabendo que os familiares terão permissão para entrar no castelo alguns dias antes, caso queiram." Comentou o menino, em uma clara especulação. "Sua família vai atravessar o canal?"

Fleur sorriu encarando, brevemente, o céu e virando-se, em seguida, em direção aos olhos verdes do jovem ao seu lado.

"Oui." Confirmou ela em sua língua materna. "Minha irmã, Gabrielle, está muito ansiosa para conhece-lo."

O garoto arregalou os olhos, em uma rara demonstração de surpresa.

"Você comentou com sua família sobre mim?"

Agora, essa era uma pergunta ingênua.

Ela não precisava comentar, seus rostos estiveram no jornal lado a lado, mais de uma vez, em situações bastante amistosas.

Curiosamente, Fleur sentia que teria comentado sobre ele mesmo na ausência daqueles detalhes insignificantes.

"É claro!"

Era a vez de Harry provoca-la.

"Você sempre conta para seus pais sobre os garotos com quem saí?"

Brincou ele apertando, levemente, o braço dela.

Estranhamente, arrepios correram pela espinha de Fleur diante do gesto carinhoso incaracterístico.

Ela riu com gosto.

"Nem sempre." Esclareceu ela. Era uma meia verdade. "Apenas falo sobre os mais importantes."

Previsivelmente, o menino corou.

No entanto, diferente do que ela previa, ele não se afastou, apenas continuou caminhando ao lado dela em silêncio confortável.

"Sabe..." Começou ele em tom estranho, após algum tempo em silêncio. "Eu não entendo você, Fleur."

Surpresa tomou a feição da loira. Que encarou o rosto do menino, perdido em pensamentos, com interesse.

As palavras dele ressoavam, estranhamente, com as opiniões dela sobre ele.

"O que você quer dizer?" Perguntou a menina com cautela. "O que não há para não entender?"

Harry, sem se afastar de seus braços entrelaçados, esclareceu.

"Você me confunde." Comentou ele em tom distante. "Eu achei que havia uma boa chance de você parar de falar comigo depois do baile."

Isso era surpreendente.

"Porque eu faria isso?"

Ela tentou livrar-se do tom ofendido em sua voz, mas foi inevitável deixar um pouco escapar.

"Eu não sei... Por que, de fato?"

Ponderou ele apontando para o assento que gostava de ocupar, embaixo de uma arvore próxima ao lago negro.

Estava muito frio para uma caminhada e conversa à beira do lago, mas, por outro lado, o menino não parecia nem mesmo remotamente incomodado com isso e Fleur, que dificilmente encararia uma atividade como aquela em circunstâncias normais, estava resignada a aceitar uma maior exposição aos elementos como preparação para a segunda tarefa vindoura.

Sentou-se, sem hesitar, ao lado do menino, no banco solitário.

"Você já disse, algumas vezes, que gosta de mim."

Recomeçou o menino depois de algum tempo.

Fleur, surpreendentemente, corou.

Era verdade, ela já havia dito isso antes, direta e indiretamente.

"Oui!"

"Eu nunca levei isso muito a sério." Admitiu o menino encarando o lago negro, como ele parecia fazer com uma frequência inquietante. "O que você quer de mim, Fleur, realmente?"

Aí estava.

A questão que ela estava esperando desde aquele primeiro dia, quando ela o abordou naquele mesmo lugar.

Ele esperava uma resposta, pacientemente e sem encara-la de volta.

Mas o que havia para ser dito?

Ela já havia conseguido o que queria?

Em partes.

As diversas cartas que havia recebido, propostas de emprego, nas mais variadas, áreas com os mais diversos e conceituados magos do continente, comprovavam o seu ponto.

Incluindo uma, em especial, que havia chamado a sua atenção nos últimos dias, uma que ela desconsiderou prontamente na primeira vez que viu. Era uma proposta sem brilho, comparada a muitas outras que havia recebido, era difícil explicar porque vinha tirando seu sono. Só agora ela começava a perceber, a proposta modesta implicava em ficar aqui, nesse país frio, longe de sua família, longe de sua casa; mas, por outro lado, perto de outra coisa, outra pessoa.

Mas havia algo a ser considerado, ela já havia o usado.

Tirado vantagem de sua imagem.

Harry Potter já havia servido ao seu propósito.

Então, por que ela continuava aqui? Sentada ao lado dele, no frio, quando poderia estar traçando planos em direção ao futuro brilhante que esperava por ela?

Ela não sabia.

E, mais do que isso, ela não tinha ideia de como responder a pergunta dele.

Devia acabar com isso de uma vez por todas?

Contar a verdade e assumir as consequências do que havia feito?

Bastaria um instante de coragem insana, idêntica a aquela que o garoto parecia ter de sobra, e tudo estaria ao ar livre, como deveria estar desde o princípio daquela relação disfuncional, forjada por puro interesse e sustentada por meias verdades e omissões.

Mas havia um outro lado, autoconsciência e a lembrança desbotada sobre detalhes da vida do menino, confidencializados a ela por ele, em seus muitos momentos a sós durante aqueles poucos meses.

Ser usado e traído parecia uma constante na vida dele, pelo pouco que ela sabia, mas, por alguma razão, ela não queria encabeçar a lista daquelas pessoas que o usaram e o decepcionaram.

Foi uma epifania.

Ele havia se tornado muito mais importante para ela, naqueles poucos meses, do que ela para ele.

Era isso que ela havia deixado passar.

Aquele tempo todo.

Ele era muito bom em manter-se longe.

Muito melhor do que ela.

No fim das contas, mentir não era uma decisão tão difícil quanto deveria ser.

"Eu quero isso!" Disse ela aconchegando-se ao lado dele, o abraçando. "E, pelo jeito que você olha para mim quando acha que eu não estou vendo, sei que você também quer."

Harry, estranhamente, portava um sorriso triste ao olhar nos olhos dela.

Ela demorou um pouco para entender, mas, quando finalmente a compreensão a atingiu, um frio se apoderou de seu estomago, e tinha pouco a ver com a temperatura.

Ele sabia?

Ela havia acabado de apostar alto.

Ela, talvez, tivesse acabado de perder tudo.

Por um instante interminável, Fleur temeu, pela primeira vez em sua vida, que seria rejeitada.

Mas, assim como veio, a tristeza nos olhos do menino deu lugar a um contentamento leve e ele a beijou despreocupadamente.

Era frio, como o clima daquele lugar inóspito.

Ela não estava esperando, ela não previu e, acima de tudo, ela nem chegou a cogitar deixa-lo ir tão longe quando começou com aquele plano insensato e inútil.

Mesmo assim, ela amou cada segundo.

Derreteu nos braços do garoto, três anos mais jovem, de uma forma que seria muito mal vista por um observador externo.

A frieza dos lábios dele não durou muito, quando colocada contra a natureza quente de seu sangue de Veela.

O contato íntimo acabou com uma risada envergonhada, da parte de Harry.

"Isso é muito inapropriado."

Brincou ele com os olhos brilhando.

"Você realmente se importa?"

Desafiou ela no mesmo tom.

"Na verdade, não! Nem um pouco!"

Ele depositou mais um beijo, desta vez, no rosto dela.

"Por que?"

Questionou ela depois de um tempo perdida nos braços do mais jovem. Ainda confusa sobre o que estava acontecendo entre ambos.

O que aquilo realmente significava?

O garoto deu de ombros, enquanto reforçava o domínio em seu abraço desleixado.

"Eu não sou complicado." Respondeu ele para a infinita discordância de Fleur que, no entanto, não retrucou. "Se eu faço isso." Disse ele voltando a beijá-la, pegando-a de surpresa novamente. "É porque eu gosto de você, simples assim!"

A confiança servia muito bem a ele.

Na verdade, caía-lhe como uma luva, como se pertencesse a ele por todo aquele tempo, apenas ela não havia percebido.

Naquela tarde, em que passaram abraçados perto do lago frio, em meio a neve, aquecidos apenas pela companhia absorta um do outro, Fleur conheceu uma nova camada do mais jovem; uma que, honestamente, jamais esperou encontrar.