— Não acha que é uma lista grande demais para lembrar? — Alice franziu a testa para a numerosa tabela de afazeres que Bella organizou especialmente para ela executar enquanto estivesse fora. — Regar as plantas, sério? As plantas estão mortas pelos cantos há mais de um ano, Bella.

— Bem, então compre novas — ela retrucou com um sorriso felino. Bella se sentia levemente culpada por negligenciar seus cactos de estimação, mas não podia controlar sua rotina tão ocupada e, consequente, não tinha tempo para cuidar deles. No entanto, ainda não havia desistido de tê-los espalhados pela casa — Acrescente isso na lista, sabe o que eu penso de uma casa sem plantas.

Alice revirou os grandes olhos de nanquim.

A culpa havia vencido todo e qualquer orgulho que perdurou no empoeirado coração de Bella finalmente. Ela ainda se sentia muito desconfortável com a ideia de voltar para Forks, mas esse fato soava apenas como uma consideração muito distante da sua realidade... até o momento em que ela teve uma certa conversa na revista onde trabalha. Bella não esperava que suas férias fossem adiantadas com tanta facilidade, principalmente tão perto de uma chance de promoção, mas o fato de James Hunter ser o chefe do RH lhe adicionou alguns pontos de vantagem. Bastou vestir sua saia mais justa e lançar um papo sedutor que o loiro cedeu como se fossem amantes de longa data.

Jogar com James era arriscado, mas naquele momento Bella estava disposta a lidar com as consequências mais tarde.

— Eu não acredito que vou ficar sozinha naquele apartamento enorme na Ação de Graças, isso não se faz — Alice choramingou, um biquinho fofo se formando em seus lábios rosados. — Você é uma péssima amiga.

— Me perdoe, Alice. Meus pais ficaram tão ansiosos quando eu disse que iria, já planejaram todos os nossos feriados de fim de ano juntos. Se fizer você se sentir melhor, eu preparei um banquete e deixei para você jantar como um pedido oficial de desculpas.

A baixinha abriu um sorriso largo de dentes perfeitos.

— Sinta-se perdoada! — Bella foi puxada em um abraço forte e carinhoso de Alice. Eram tão inseparáveis que naquela manhã Bella também se sentiu comovida por estar partindo — Vou sentir sua falta, Bellinha.

— Eu também vou — ela murmurou com um sorriso singelo de olhos fechados, então se afastou ao ouvir a amiga fungar em seu ombro. — Ah não, pelo amor de Deus, Alice! Só vamos ficar longe uma da outra até o natal.

— Não estou chorando, é você que está — declarou enquanto esfregava os olhos. — Falando nisso, agradeça a seus pais pelo convite de natal, vou contar os dias até a viagem.

— Você sabe que para eles é como se fosse uma filha e eu não seria tão cruel de condená-la a três feriados sozinha.

Alice articulou um "obrigada."

A voz automática dos alto-falantes no aeroporto anunciou que seu tempo em Chicago estava se esgotando. Bella virou-se para a amiga e lançou um sorriso nervoso antes de agarrar a alça da grande mala de rodinhas — apenas uma das muitas que ela estava levando consigo.

— Acho que é um até logo — ela cantarolou, embora seu humor não estivesse dos melhores, não queria tornar a despedida pior para a sua amiga.

— Espera! — Alice gritou quando Bella alcançou certa distância, então ela se virou para encontrar a baixinha correndo sob seus saltos refinados enquanto vasculhava a bolsa. — Você deixou cair quando estava saindo.

Em seus dedos finos e delicados, Alice exibiu o pequeno penduricalho de prata que reproduziu um tilintar musical com o movimento brusco. Se tratava de um chaveiro em formato de chocalho minúsculo com pingentes de rosas e folhas prateadas, o objeto reluziu nas luzes fluorescentes do espaço e Bella o fitou por um longo tempo, o alívio de repente tomando conta de cada centímetro do seu corpo quando sua mão tocou o objeto, sentindo a sensação gélida em contraste com o calor da sua palma.

Bella ergueu o olhar para Alice, imensamente grata.

— Obrigada.

Alice apenas assentiu com um sorriso apertado, acenando quando Bella seguiu seu caminho de volta para casa.

As pequenas gotas ciliares batiam violentamente contra o vidro da janela do táxi amarelo que Bella tomou na saída do aeroporto de Port Angeles — o aeroporto mais próximo de sua cidade natal.

Era um grande fato que ela se sentia levemente arrependida de recusar as insistentes propostas de carona que seu pai havia oferecido mais cedo. Bella insistiu que não queria causar mais trabalho para o seu velho pai, mas na verdade só estava fugindo de uma viagem constrangedora na antiga viatura que Charlie dirigia no seu itinerário, onde todos os olhares da rua se voltariam para ela. No entanto, naquele momento Bella pensou que gostaria de ser recebida de braços abertos e possivelmente um cartaz de boas-vindas feito pela exagerada Renée, seria uma forma calorosa de recepção.

Em vez disso, Bella enfrentou uma chuva que arruinou sua escova e um taxista maluco que dirigia feito um piloto de fuga pela rodovia.

Talvez eu morra antes de chegar em casa, ela pensou.

Enquanto cruzavam pela rodovia principal, Bella deixou o trabalho de lado e fechou o notebook que apoiava sobre as coxas no banco de trás, parando para olhar através do vidro. Era lindo, apesar do extremo verde e da névoa que acompanhava a garoa, Bella tinha que reconhecer que a vista era exuberante. As florestas densas rodeavam toda a Forks onde ela havia sido criada, se fosse mais longe poderia admirar as cadeias montanhosas — o único lugar onde o sol tocava o solo na maior parte do dia — e as clareiras espaçosas que se formavam nos leitos dos bosques. Um sorriso involuntário curvou seus lábios ao vasculhar mentalmente todas as vezes em que fizera trilhas acompanhada por aquele lugar.

Por fim, o táxi parou em frente à casinha de madeira branca e desgastada onde Bella viveu por dezoito anos da sua vida. As lembranças desabrocharam na sua mente feito flores campestres na primavera, frescas como se o tempo não tivesse passado, joviais e acompanhadas de risos e sensações... e cores. Foi uma infância feliz junto de seus pais e de seus amigos, mas bastou uma boa olhada em direção a casa para Bella perceber que atualmente a imagem era apenas um reflexo distorcido do que era uma memória.

O gramado estava morto, descuidado, em uma ruína de ausência de cores e dedicação. As flores que sua mãe costumava cultivar, sempre tão perfumadas, não passavam de galhos secos e espinhentos perfurando o peito de Bella em culpa pelo abandono. Ela sentiu dor, seu coração pesou por tempo o suficiente antes que um rangido alto na madeira da casa anunciasse a presença de alguém.

— Ela chegou! — A mulher de meia-idade e sorriso largo inclinou metade do corpo para fora da janela — Charlie, a Bella está aqui!

Em instantes a porta da casa se abriu e seus pais surgiram na soleira. Primeiro a figura esguia saltitou pelos degraus até o meio do caminho no jardim, logo atrás o homem de grossos cachos escuros parou na escadinha com um sorriso contido. Sem mais cerimônias, Bella saltou para fora do táxi e se equilibrou nos saltos enquanto atravessava o jardim correndo para sua mãe.

— Bella! — Ela quase gritou, efusiva, enquanto imobilizava a filha em um abraço interminável. — Ah querida, senti tanto a sua falta...

— Foram só onze meses, mãe — tentou dizer, rindo enquanto tentava se desvencilhar de Renée, que a balançava de um lado para o outro feito uma criança. — Mas também senti. Muita.

Renée se afastou depois de um longo momento e analisou brevemente o rosto da filha, os grandes olhos ternos brilhavam enquanto seus dedos afagavam o cabelo castanho de Bella. Naquele mesmo instante, ela concluiu que sua mãe estava pensativa com alguma coisa, mas o pigarro grosseiro logo atrás interrompeu qualquer pergunta que Bella estava prestes a fazer.

Ela se virou para fitar a figura sem jeito de seu pai parado nos degraus.

— Tudo bem, eu não senti saudades de ninguém mesmo — comentou Charlie, erguendo as mãos como um desinteresse forjado.

Bella sorriu amplamente.

— Oi, pai.

O velho Charlie abraçou a filha de modo desajeitado com um braço só, mas Bella sabia o quanto seu pai sentia sua falta, ainda que não demonstrasse tão facilmente, uma característica que ela herdou com o passar dos anos. Sem muitas palavras, Charlie apenas beijou o topo da cabeça de Bella antes de se mover para buscar as malas no táxi — onde Bella jurou ter ouvido o motorista xingar pela demora, mas resolveu ignorar.

Renée começou a tagarelar mil perguntas enquanto arrastava a filha para dentro de casa.

Foram necessárias três viagens até o antigo quarto de Bella para finalmente levar todas as suas coisas para o segundo andar, apesar de se tratar apenas de algumas semanas, ela não gostava de imprevistos e sem dúvida alguma levara mais coisas do que o necessário para sua curta viagem até Forks.

Ela se demorou na sala de estar pequena e monótona, olhando ao redor de uma maneira nostálgica. Bella conhecia bem cada detalhe daquela casa, desde o piso de linóleo que ela adorava deslizar com suas meias cada vez que corria pelos cômodos, as paredes pintadas por Charlie e Renée de um verde-claro e marcado pelo tempo — algo que Bella odiava desde sempre.

Já não bastava o verde abundante do lado de fora?

Por fim, parou em frente a lareira mínima onde suas fotos de infância estavam enfileiradas como uma exposição constrangedora. Desde uma foto com o bumbum à mostra tirada aos seus seis meses de idade, até a última foto de Bella em Forks; tirada durante sua formatura do ensino médio. A beca amarela chamativa até podia ser considerada uma tortura pessoal para Bella, mas ela não estava sozinha na foto, o que era uma forma de tortura bem pior.

O rapaz de cabelos cor de bronze e sorriso doce posicionado ao seu lado era capaz de chamar toda a atenção do evento para si com a sua beleza excepcional. Bella esticou os dedos até pegar o porta-retrato delicadamente, se pegou por alguns instantes transportada para aquele dia que deveria ter sido tão especial, mas que se tornou apenas o estopim para uma cadeia de eventos que ela gostaria de esquecer.

— Desculpe, é que você estava tão linda nessa foto… — Disse Renée, surgindo de repente de volta da cozinha.

— Está tudo bem — ela se virou para a mãe, seu sorriso forçado pareceu convencê-la. — Já faz muito tempo.

— Está se mudando de volta para cá e não nos avisou?

Charlie desceu as escadas com as mãos na base das costas e uma expressão preocupante, Bella até ficaria comovida se ele não tivesse sido orgulhoso demais para aceitar sua oferta de ajuda com as malas. O velho chefe de polícia costumava bancar o durão.

— Sabem que eu sou precavida — ela cruzou os braços tentando se justificar. — Além disso, eu trouxe presentes.

— Tentando nos comprar, Bells? — Charlie se esparramou na velha poltrona com seu humor ácido — Não foi uma boa menina esse ano?

Renée torceu o nariz e deu um tapinha no ombro de seu marido.

— Ora, Charlie! Não perturbe a menina, ela acabou de chegar. Não ligue para ele, está piorando com a idade. — Ela se aproximou da filha e pegou o casaco de Bella assim que ela o deslizou pelos braços — Querida, falamos que não precisava se preocupar com isso.

— Não foi nada, mãe. Só algumas lembranças de natal.

Bella deu uma piscadela para seu pai.

— Minha filha agora é uma consumista de cidade grande. — Resmungou Charlie, ligando a nova TV de tela plana que ele mesmo se presenteou antecipadamente no natal.

Ela fez uma careta enquanto pensava em uma resposta imediata, mas ficou em silêncio quando se deu conta.

Ali, sentada no apoio de braço do sofá caramelo como uma criança acuada, vendo seu pai distraído com algum jogo da temporada enquanto sua mãe começava a tagarelar algo sobre ter deixado para montar a árvore de natal juntas, Bella percebeu que sentia falta de casa, obviamente não sentia saudades de Forks, mas daquele lugar específico onde Renée passou noites ensinando-a a ler e cultivar rosas, ou onde seu pai lhe ensinou diversas vezes como preparar uma isca no anzol ou dar o nó no cadarço.

Levaria sua casa em um pequeno globo de neve para Chicago se pudesse.

Depois de um longo questionário perfeitamente detalhado de sua vida em outro estado feito por Renée, Bella teve espaço para finalmente se afastar e subir as escadas até o segundo andar, onde no fim do corredor a porta marrom com adesivos dos Beatles e bandeiras dos jogos escolares indicava seu antigo quarto. Ela empurrou a porta com cuidado como se temesse algo lá dentro.

As lembranças surgiram como um filme passando em sua cabeça ao encontrar o quarto intocado, que agora ela tinha certeza de que sua mãe trabalhou duro para mantê-lo daquele jeito por tanto tempo. As paredes verde-claro ainda tinham pequenos rabiscos perto do chão de quando Bella as riscava durante a infância, o teto pontiagudo sobre a sua cabeça agora não parecia tão alto quanto em sua memória e as fotos do ensino médio ainda se espalhavam sobre a cômoda, o mural na parede e até mesmo na mínima escrivaninha onde ficava o computador antigo.

Em exposição em um quadro na parede, Bella reconheceu as medalhas de competição de soletrar e as matérias mais memoráveis que ela escreveu no colegial, quando ainda fazia parte da equipe do jornal da escola. No canto, sob a cômoda, ela encarou os mini-troféus de escrita que foram resultados de muito trabalho de pesquisa, quando ela ainda sonhava em trabalhar em um jornal como o The New York Times.

Um sorriso tímido curvou seus lábios enquanto ela tentava disfarçar a boa sensação que as lembranças lhe causavam.

Depois de se acomodar e desfazer as malas, Bella pegou sua nécessaire e marchou para o único banheiro da casa — disso ela não sentia falta —, onde se demorou no banho quente e percebeu que o efeito das seis xícaras de café que ingeriu durante a viagem de avião começavam a perder seu efeito. Ela desejou se atirar na cama de solteiro em seu quarto enquanto se vestia, mas era Ação de Graças e Bella queria evitar ficar trancafiada naquele cômodo minúsculo.

— Okay, vocês terão que engolir meu macarrão com queijo nessa ação de graças.

Bella entrou cantarolando na cozinha.

— Eu deixei os tomates em algum lugar! — Disse Renée, irritada com si mesma enquanto revirava a geladeira.

— Algum problema?

— Tomates recheados, esse é o problema.

Algum lugar no interior do estômago de Bella roncou. Aquela era a receita tradicional da família Dwyer, criada e repassada pela Vovó Marie.

— Tenho certeza de que os comprei ontem. — Ela parou, pensativa com as mãos na cintura como se esperasse que sua memória lhe trouxesse alguma ajuda — Você chegou hoje e eu queria fazer o jantar perfeito... agora temos pizza de ontem para o jantar.

— Eu não tenho problema nenhum em jantar pizza – Declarou Charlie da sala.

Bella revirou os olhos. Seu pai não reclamaria de comida alguma até que estivesse internado por intoxicação alimentar.

— Não tem problema, vamos ao mercado e nos livramos de um jantar de Ação de Graças traumático.

— Vai ao mercado no dia de ação de graças? — Renée encarou a filha, descrente — Vai ser como procurar agulha no palheiro, Bella.

Era uma ideia estúpida, principalmente considerando o fato de que Bella odiava amontoados de pessoas e, por Deus, detestava com todas as forças esperar em filas. Mas ela já passara muito de seus dias jantando comida requentada por conta da correria no trabalho e estava disposta a arriscar para fazer algo diferente com seus pais.

— Eu tenho tempo, mãe. — Ela insistiu — Além disso, vai ser um programa de mãe e filha.

Bella soube que as palavras certas atingiram sua mãe perfeitamente quando percebeu o brilho absoluto em seus olhos de oceano.

— Eu vou pegar as chaves do carro!

O mercado mais próximo dali ficava a três quilômetros ao sul, Bella estava radiante enquanto dirigia pela rodovia, para sua surpresa a Picape Chevy pré-histórica que ela havia ganhado de aniversário de dezesseis anos ainda funcionava e Bella ficou grata por seu pai cuidar tão bem da raridade. O rangido barulhento do motor cedeu com alguns roncos e estalos quando elas finalmente encontraram uma vaga no estacionamento lotado do mercado.

— Me admira que essa lata-velha ainda funcione.

— Não fale mal da picape — Bella protestou.

Para a infelicidade de Bella, sua mãe estava terrivelmente certa. As filas que se formavam chegavam dar a volta no corredor e ela se perguntou por onde poderia começar no meio daquele mar de pessoas famintas para o jantar de feriado.

— Será que não tem outro mercado na região? — Ela franziu o cenho, fitando as filas quilométricas — Sei lá, talvez um onde a gente possa sair antes da meia-noite.

— Vai por mim, querida. Esse é o mais próximo.

Renée lhe empurrou um carrinho de compras e as duas seguiram com dificuldade pelos corredores. Antes de sair de casa, Bella conferiu a dispensa e percebeu que não havia muito a ser aproveitado por ali além do necessário para sobreviver sem passar fome. Não que seus pais passassem dificuldades, Charlie trabalhava há muitos anos como chefe de polícia e Renée lecionava na Forks Elementary desde que Bella tinha cinco anos, ambos ganhavam o bastante para se manter, só eram muito cômodos para buscar algo além do necessário.

Mentalmente ela se culpou por negligenciar tanto com seus pais, talvez aquele tempo em casa pudesse ajudá-los a enxergar a vida com outros olhos, fazê-los aceitar que um pouco mais do que o conforto e cômodo também era bom.

Uma parada no corredor quatro.

Sua mãe se afastou para buscar os malditos tomates e Bella se prendeu na adega escassa do mercado, não havia muitos dos vinhos que ela costumava ingerir em Chicago há muitos anos, no máximo um ou outro era aproveitável, mas ela não achou nada que valia a pena. Estava tentando controlar sua vontade pelo álcool há algum tempo, embora bebesse socialmente, Bella não queria arriscar criar algum tipo de vício que ela tanto repugnava. Isso foi motivação o bastante para seguir com as compras e ignorar aquela sessão, apesar do desejo cutucando sua língua.

Corredor seis.

Macarrão com queijo. As prateleiras estavam vazias onde as caixas de macarrão com queijo deveriam estar, o que era algo a se esperar no dia de Ação de Graças. Ela se abaixou desnorteada, vasculhando a procura de uma caixinha que fosse empoeirada nas últimas prateleiras de baixo, caso contrário teria que inventar outra coisa para preparar.

Então o chacoalhar de uma caixa soou ao lado dela.

— Procurando por isso? — A baixinha de cabelos cor de mel abriu um sorriso de reconhecimento quando Bella se virou para olhá-la.

Jessica Stanley.

Provavelmente a pessoa mais irritante da face da terra, e claro, ex-amiga dos tempos de escola.

— Jessica — Bella recompôs sua postura num sobressalto.

Por sua natureza mais introspectiva, Bella teve poucos amigos durante os anos de escola, mas Jessica Stanley fazia parte do grupo seleto durante metade do colegial. A outra metade, Jessica passou criticando qualquer coisa que Bella fizesse, tudo parte de uma competição interna que ela criara em sua cabeça quando a fase dos namorados chegou.

— Ai meu Deus, eu nem acredito! Você está tão mudada... — Os olhos azuis da mulher foram de cima a baixo para Bella, talvez aquela roupa que estava usando não fosse tão apropriada para fazer compras no mercado, mas Bella não sabia, dado o fato de que Alice era quem sempre fazia as compras na sua casa. — O que está fazendo em Forks depois de tanto tempo?

Naquele momento, ansiou por estar bem longe dali.

Bella pensou em pegar a caixa de macarrão com queijo e sair correndo, mas logo se perguntou se a mulher de baixa estatura a alcançaria no fim do corredor. Ela sabia o que provavelmente passaria ao chegar na então remota Forks, e encontrar com Jessica já estava entre esses vários outros fantasmas do seu passado que teria de reencontrar.

E isso era certeiro demais para não acontecer.

— Meus pais decidiram quebrar um pouco nossa rotina de natal. Em vez de me visitarem em Chicago como sempre fazem, eles acabaram me arrastando para cá — o humor em seu tom de voz era duvidoso.

— Demorou um pouco para quebrar a rotina, não acha? Não a vejo faz dez anos.

Jessica e sua incrível habilidade de abordar assuntos inconvenientes, ela pensou.

— Ah... você sabe, minha vida é muito corrida em Chicago, com o trabalho e tudo mais, mal tenho tempo para mim. Viagens como essa são uma verdadeira raridade.

— Entendo. — A expressão no rosto de Jessica era um tanto especulativa — Tome.

Bella fitou a caixa de macarrão com queijo nas mãos de Jessica por uns instantes, hesitante.

— Vai me deixar ficar com o macarrão com queijo? — Ela arqueou a sobrancelha, surpresa. Talvez algo em Jessica tenha mudado afinal. A velha Jessica disputaria a caixinha até a morte se fosse preciso, só para provar alguma coisa para Bella.

— É claro — um sorriso sincero curvou os lábios da mulher enquanto Bella pegava a caixa de sua mão. — Mike e eu vamos fazer um jantar de Ação de Graças esta noite, só para a família e alguns amigos. Sua família e o macarrão com queijo podem se sentir convidados.

Bella parou.

Jessica estava mesmo convidando-a para jantar na sua casa? Ela tentou encontrar alguma intenção secreta por trás daquele convite, mas não havia nada além do brilho da surpresa de encontrar Bella em seus olhos.

Talvez eu tenha fantasiado coisas, ela se culpou. Talvez a falsa rixa tenha ficado no passado para Jessica.

— Ah... obrigada. — Ela franziu o cenho, ainda confusa com o convite inesperado — É muito gentil da sua parte.

O sarcasmo em sua voz quase transpareceu.

— Gentileza é meu segundo nome — ela brincou.

De repente, no fim do corredor uma figura roliça de bochechas rosadas atraiu a atenção das duas, rapidamente o menininho correu na direção delas com um pacote de MM's nas pequenas mãos gorduchas e se agarrou nas pernas de Jessica.

— Mamãe, eu quero! — Disse ele, erguendo o doce para Jessica com olhar potencialmente comovente.

Bella encarou o garotinho, em seguida Jessica. Só então notou a semelhança entre os dois.

— Ele é seu filho!? — Bella arregalou os olhos.

— O número um de três — Jessica ergueu a criança nos braços com um pouco de dificuldade e atirou a embalagem de doces dentro do carrinho. — E Mike prefere números pares.

A criança de cabelos cor de areia, como os de Jessica, olhou para Bella envergonhada, um comportamento típico de crianças na faixa dos três anos, enquanto brincava com o colar da mãe. Por um segundo, Bella se distraiu pensando em como Jessica conseguia lidar com três crianças e sua aversão a ela diminuiu significativamente.

— Este é Freddie — Ela disse sorrindo de forma amorosa para o menino em seus braços — Freddie, diga oi para a tia Bella!

No fim das contas, Freddie não era tão sociável quanto os pais e logo enterrou o rosto no cabelo de Jessica quando Bella forçou um sorriso para ele.

— Bella, querida — Renée a chamou do início do corredor, voltando com tudo o que elas precisavam dentro do carrinho de supermercado. — Por céus, aí está você! Este lugar é um verdadeiro caos.

— Senhora Swan — Jessica cumprimentou suavemente, usando aquela voz doce que costumava irritar Bella no colegial. — Que bom revê-la por aqui. Também estão fazendo compras para o jantar de Ação de Graças?

— Tentando — murmurou Bella. — Por sorte achei essa última caixa.

Bella disse ao chacoalhar a embalagem em sua mão antes de depositá-la no carrinho de compras da mãe.

— Graças a mim, é claro!

— Que bom que apareceu, não é mesmo? — Bella disse com um sorriso ácido.

O garotinho adorável no colo de Jessica murmurou alguma coisa sobre querer ir para casa. Bella já conseguia gostar um pouco mais dele.

— Acho que essa é minha deixa — Jessica comentou ao alisar os cabelos do filho. — Bem, foi um prazer rever vocês.

— Ah, mas tão rápido, Jessica?

Renée apenas ignorou quando a filha a fuzilou com os olhos o mais discretamente que conseguia.

— Três crianças, nenhum tempo livre — ela sorriu enquanto se afastava. — Vejo vocês mais tarde!

O convite de jantar ainda era apenas uma consideração e Bella pensou em simplesmente não aparecer naquela noite enquanto acenava para a loira. Ela havia voado até Forks para passar um tempo com os pais, não os amigos da escola que ela já não sabia se podia chamar de amigos. Principalmente Jessica.

Três horas depois, Bella e sua mãe saíram do supermercado carregando as compras nas sacolas biodegradáveis — uma exigência feita por Renée em seu momento sustentável — até a Picape vermelha estacionada do outro lado. Enquanto Renée tagarelava sobre as maiores fofocas da comunidade da igreja, Bella se distraiu com um movimento na entrada do estacionamento.

Próximo a uma minivan branca, o Volvo prateado dava a volta para adentrar no estacionamento — que finalmente começava a esvaziar. No mesmo instante, a morena parou fitando o veículo até que ele parasse em uma vaga, deixando Renée caminhar na sua frente e, consequentemente, seguir falando sozinha sem sequer perceber.

Forks era uma cidade incrivelmente pequena onde todo mundo se conhecia, Bella lembrou disso pois, depois de Jessica, ela e sua mãe encontraram mais oito conhecidos no mercado — incluindo mães de alunos da Forks Elementary — para cumprimentar e manter a aparência de bons vizinhos. Mas, mesmo assim era assustadoramente pequena.

Qual era a probabilidade de encontrar alguém demais importante para ela naquele cubículo chamado Forks? Com certeza, muita.

Bella conhecia aquele carro prateado como conhecia o interior minúsculo do seu quarto, sentia praticamente como se ele fosse seu. Podia até lembrar do cheiro de água fresca, levemente adocicado, que geralmente invadia todo o veículo quando seu dono entrava. O perfume que ela adorava aspirar nos momentos de frustração, que a confortava sem dizer uma palavra.

Seu coração — que até então disparava feito uma desgovernada máquina dentro do peito — pareceu paralisar por completo, como se tudo ao redor se tornasse inerte de uma hora para outra, quando a porta do Volvo se abriu.

Edward Cullen estava ali.